“Dragão Mecânico e os Novos Rumos da FCB”:
Entrevista no EscritaCast
202205230900P2
– 22.599 D.V.
“É como se a ficção científica brasileira houvesse se
tornado uma espécie de patinho feio da literatura fantástica nacional”.
“Eu nem sabia que existia ficção científica brasileira.”
[Daniel A. Freire]
“Você pode abordar as questões culturais brasileiras
mesmo sem ter personagens humanos como protagonistas.”
Pouco antes
da viagem até Alto Paraíso de Goiás, fui convidado para uma nova entrevista com
Newton Nitro e Carlos Rocha no podcast EscritaCast, iniciativa também refletida
no YouTube. É a segunda vez que compareço
a esse canal. A primeira foi no mês passado,
no “EscritaCast # 15: Como Escrever Ficção Científica”.
Enfim, às
20h00 dessa última sexta-feira, a entrevista foi ao ar e sua versão youtúbica já
se encontra disponível.[1]
Chamada para a entrevista “Coleção Dragão Mecânico e a Nova FCB”.
* * *
Como em minha
participação anterior, essa entrevista se deu através de uma videochamada do
Skype, retransmitida com um atraso de cerca de trinta segundos para o Youtube. Após uns dez ou quinze minutos de bate-papo offline,
onde Carlos e Newton elogiaram o bom desempenho da campanha de financiamento da
Coleção Dragão Mecânico na Catarse,
entramos no ar. À semelhança do que
aconteceu da outra vez, abri uma segunda tela com a retransmissão para o
YouTube, com intenção de acompanhar o chat da plateia, mas praticamente não consegui
visitá-la até o fim dos oitenta e dois minutos da transmissão.
Finda essa transmissão,
nós três ainda permanecemos em papo offline por cerca de quinze minutos.
* *
*
Iniciada a transmissão,
após breves palavras de apresentação, Nitro pediu que eu explicasse a Coleção Dragão Mecânico para os ouvintes e
seguidores. Falei que ela se inspirou
noutra coleção da Editora Draco, a Dragão
Negro, que lançou seis romances curtos de horror em hardcover,
com grandes autores do gênero, como Oscar Nestarez; Larissa Prado; Marcelo Galvão;
e Cirilo S. Lemos. À semelhança da coleção
que a inspirou, a Dragão Mecânico também
lançará seis romances curtos em capa dura, só que agora serão narrativas de ficção
científica. Comentei que torço para que
essa coleção de FC seja o arauto de uma ressurgência da ficção científica brasileira,
tendo em vista que esse gênero da literatura fantástica se encontra algo
escanteado nos últimos anos.
Em seguida, apresentei
um panorama resumido da coleção, que abre com meu romance curto pandêmico Pecados
Terrestres e com o Paradoxo de Theseus do Alexey Dodsworth; em
seguida, lançará o romance de colonização estelar Silêncios Infinitos da
Nikelen Witter e a narrativa cyberpunk Rio 60 Graus do Fábio Fernandes;
e se concluirá com os trabalhos Um Milhão de Mim do Cirilo S. Lemos e o Solitude
do Erick Santos Cardoso. Também esclareci
que a campanha total dos seis livros se divide em três subcampanhas de dois
livros cada. Carlos comentou que a campanha
está indo muito bem, já tendo superado os 270% de apoio e entrado da fase de
metas estendidas.
Nesse ponto
da entrevista, por volta dos catorze minutos de transmissão, Nitro passou o
filmete que Raphael Fernandes preparou para a Draco, anunciando o lançamento da
Dragão Mecânico, com direito a
depoimentos meu e do Alexey Dodsworth falando um pouco dos nossos romances.
* *
*
Concluída a exibição
do filmete, Nitro me pediu para falar do Pecados Terrestres.
Comecei pela gênese
desse romance, escrito a partir de uma solicitação da própria Editora Draco efetuada
em 2019, oito meses antes da eclosão da Covid-19 e que acabou sendo escrito no
ano I da Pandemia, caracterizando-se, portanto, como um romance pandêmico de ficção
científica. Afirmei que, firulas à
parte, Pecados é a história do pobre menino rico Ricardo Mendonça. Ou, como seus amigos preferem, “Ricky
Cabeção”, um garoto que teria tudo a seu favor para desfrutar de uma existência
plena e feliz.
Teria, se
houvesse nascido em outra época.
Porque
Cabeção veio ao mundo em plena hecatombe ambiental, um futuro próximo em que a
elevação do nível dos oceanos alagou a cidade do Rio de Janeiro; a Terceira
Guerra Mundial arrasou o que restava da Amazônia; pragas diversas dizimam as
colheitas de cereais; e a Covid-91 ameaça extinguir a vida humana na Terra. O segmento da humanidade que emigrou para o
Espaço já considera nosso planeta um caso perdido.
Como seus
irmãos e a maioria dos seus amigos, Ricky recebeu um tratamento pré-natal que
incrementou sua inteligência. Nada que
se compare aos recursos da gengenharia disponíveis às elites espaciais que
floresceram acima das nossas cabeças.
Mas, de todo modo, um incremento.
Daí, como
garoto inteligente que é, Ricky começa a desconfiar que os espaciais estão
certos: esta crise global é uma parada grande demais para seus pais e a civilização
terrestre superarem.
Anúncio de Pecados Terrestres na Coleção Dragão Mecânico.
Com essa
deixa, Nitro indagou sobre as nuances e dificuldades em se trabalhar com
personagens extremamente inteligentes, como Ricky e seus amiguinhos. Expliquei que, conquanto muito inteligentes,
os personagens juvenis de Pecados Terrestres não representaram um desafio
muito grande quando comparados a outros que criei em algumas tramas de futuro
remoto. Sugeri que o personagem de uma
hiperentidade hipotética talvez devesse falar de um jeito algo genérico, a fim
de não denunciar a falta de genialidade extrema do autor.😉 Neste sentido, a superinteligência se
expressaria mais como um filósofo do que como um cientista. Nitro aproveitou a oportunidade para apresentar
os diversos tipos de inteligência sobre-humana disponíveis aos autores de ficção
científica.
Ele também perguntou
sobre até que ponto escrever durante a pandemia da Covid-19 influenciou a
narrativa. Confessei que influenciou
bastante, inclusive, fazendo-me criar a Covid-91, uma moléstia virótica tão infecciosa
quanto o sarampo e tão letal quanto o ebola.
Carlos comentou
acreditar que a Dragão Mecânico constituirá
uma bela porta de entrada para os leitores interessados em conhecer um pouco
mais sobre a ficção científica brasileira.
* *
*
Aos trinta e
seis minutos de transmissão, Newton Nitro indagou sobre minha visão sobre os
rumos da FCB, recomendando aos interessados em saber mais sobre a história dos
eventos de gênero da literatura fantástica no Brasil a consulta a meu blogue de
eventos, Crônicas da Ficção Científica Brasileira (http://alternative-highwayman.blogspot.com).
Daí, meio de
brincadeira, meio a sério, apresentei um apanhado histórico resumido, inspirado
na evolução da vida na Terra.
Neste sentido,
não comecei com a origem da vida da Terra, mas sim no período dos autores pré-cambrianos,
como Jeronymo Monteiro; André Carneiro; Rubens Teixeira Scavone etc. Daí, passei aos autores do Período Triássico
da FCB: Bráulio Tavares; José dos Santos Fernandes; Jorge Luiz Calife etc. Então, a minha própria época geológica, os
autores jurássicos, Fábio Fernandes; Roberto de Sousa Causo; Carlos Orsi
Martinho; Gerson Lodi-Ribeiro etc.
Depois, veio a garotada sauriana do Cretáceo: Octavio Aragão; Nikelen Witter;
Flávio Medeiros; Cristina Lasaitis etc. Finda
a Era Mesozoica, também conhecida como Idade dos Dinossauros, ingressamos nos
autores modernos ou, em termos geológicos, a Terra Mamífera: Cirilo S. Lemos;
Alexey Dodsworth; Lady Sybylla; Ricardo Labuto Gondim; Jean Gabriel Álamo
etc. E, finalmente, os autores contemporâneos
do Pleistoceno: autores da FCB que vêm publicando em revistas, como a Trasgo,
a Mafagafo e a Escambanáutica.
* *
*
Aos quarenta
um minutos de transmissão, começamos a falar de temas e modos da ficção científica
brasileira. Comentei que a FCB atual
tende a ambientar suas narrativas mais na Terra do que no Espaço, embora essa
tendência seja contrariada em vários títulos da própria Dragão Mecânico.
Em seguida,
falamos do emprego das temáticas brasileiras em geral e da questão da
brasilidade em particular. Argumentei que
parece mais fácil abordar temáticas brasileiras de maneira explícita em
narrativas de futuro próximo. No entanto,
também é possível abordá-las em futuros remotos, desde que o autor adote estratégias
narrativas mais sutis. Exemplifiquei com
as histórias do meu universo ficcional Tramas
de Ahapooka, nas quais as culturas estelares humanas que articulam o “looson”
(derivado do português) se miscigenam mais com as culturas alienígenas do que
as culturas humanas que têm o “ânglico” como vernáculo principal. Afirmei que é possível abordar a questão cultural
brasileira em futuros remotos e fui mais longe, ao advogar que é possível abordá-la
até mesmo em narrativas em que não haja protagonistas humanos.
Carlos indagou
sobre como ambientar protagonistas brasileiros num cenário de futuro próximo,
quando sabemos ou sentimos que nós brasileiros não somos e, provavelmente, não seremos
protagonistas do progresso tecnológico. Defendi
a existência de várias soluções para o dilema da Periferia do Império, que é
como a comunidade de ficção científica portuguesa batizou esse fenômeno. A solução mais óbvia é o emprego de cenários de
história alternativa. Uma solução forçada
foi a que adotei no romance Estranhos no Paraíso (Draco, 2015): um cenário
pós-holocausto em que os brasileiros saem por cima, por assim dizer. Outra solução é ambientar a narrativa futurista
na referida periferia do império. Ainda outra
é propor a existência de um pequeno enclave brasileiro numa futura colônia
humana em Marte ou em Alpha Centauri.
Nitro indagou
sobre o papel da ficção científica em inspirar ou estimular a paixão pela ciência
nos espíritos dos jovens. Argumentei que,
mesmo excluindo aquelas visões vernianas e gernbackianas ingênuas do início do
século passado, ainda há espaço para se empregar a ficção científica como
ferramenta para despertar o interesse do jovem pela ciência. Aliás, essa é uma proposta acadêmica séria já
adotada em vários países, inclusive, o Brasil.
* *
*
Na categoria
de dicas e sugestões aos aspirantes a escritores de ficção científica, advoguei
que não é necessário ao autor de FC – mesmo de FC hard – ser doutorado pelo
M.I.T. ou pós-graduado em Física de Partículas em Princeton. Em primeiro lugar, porque nem toda FC é
hard. Meu autor favorito, Clifford D. Simak,
por exemplo, não escrevia FC hard. Em segundo
lugar e mais importante, cabe ao autor em potencial fazer seu dever de casa,
por assim dizer, dentro da temática que pretende abordar, além de se tornar
consumidor frequente de publicações de divulgação científica e documentários científicos,
tanto na TV a cabo quanto no YouTube. A
título de exemplo, recomendei o canal Ciência Todo Dia.
Em seguida, a
título de exemplo, citei um ou dois errinhos mais ou menos óbvios que autores de
FC hard deveriam evitar cometer. Lembrar
que ambientes diferentes estão submetidos a campos gravitacionais de intensidades
diferentes, levando os personagens a se movimentar de maneiras distintas, a
depender da gravitação reinante na cena descrita; lembrar que explosões no espaço
interplanetário são necessariamente silenciosas; e por aí vai...😊
Rememorando
os clássicos como Duna de Frank Herbert e Neuromancer de William Gibson,
Nitro, Carlos e eu concordamos que, não obstante as roupagens e ambientações futuristas,
o escritor de FC escreve para o público da sua própria época. Comentei sobre a conveniência de se escrever tramas
com várias camadas narrativas, não só para agradar diversos tipos de leitores
como também a fim de conseguir resistir melhor ao desafio da passagem do tempo,
que tende a tornar as obras literárias obsoletas.
Quase ao fim
da entrevista, aos setenta e nove minutos de transmissão, comentamos sobre a
acessibilidade dos autores de ficção científica e o bom diálogo que eles
costumam manter com os leitores. Boa relação
essa que constitui uma tradição dentro da comunidade de ficção científica em âmbito
mundial e não mero fenômeno sociológico restrito ao fandom local.
* *
*
No papo offline
que rolou após o fim da entrevista, aventamos a possibilidade de um novo
EscritaCast para falar sobre a história da FCB.
Vamos ver se
rola.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 23 de maio de 2022 (segunda-feira).
Participantes:
Ayahuasca
Baixada Santista.
Bunddermeyer
RPG.
Carlos Rocha
(EscritaCast).
Cláudia Quevedo
Lodi.
Daniel
A. Freire.
Eduardo Massami
Kasse.
Eduardo Torres.
E.F.G.
Parise.
Elaine Dungeon.
Fairplay.
Gerson Lodi-Ribeiro.
Gílson Luís
Cunha (Café Neutrino).
Hidemberg Alves
da Frota.
Iniciativa
RPG.
Lilian Abrahão.
Lucas Rosalem.
Maria SOP.
Mono no Aware.
Newton Nitro (EscritaCast).
Nih
Ramoss.
Roberto de
Sousa Causo.
Vitor Schmidt.
[1]. https://www.youtube.com/watch?v=BMriY8eKKUM
À época da conclusão desta crônica está com
cento e dezenove visualizações.