Roctavio Castro e Paulo Elache
in RIO 2011
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“Tá com medinho, Zero-Dois?”
[Octavio Aragão a Sylvio Gonçalves,
ao saber do motivo de seu forfait]
Deu-se anteontem, em plena noite de quinta-feira, mais uma vez no Estação Gourmet a última bebemoração do ano da comunidade carioca de literatura fantástica, desta vez sob o pretexto fortíssimo de recepcionar os amigos Roctavio de Castro e Paulo Elache, em visita à Cidade Maravilhosa neste período de limbo & interregno que separa o Natal do Ano Novo.
Nosso super-herói Paulo Elástico veio direto de São José dos Campos com a família para sua já tradicional passagem carioca de fim de ano, hábito que já mantém há coisa de vinte anos. Por sua vez, Roctavio veio numa estada inédita para aproveitar as delícias do Rio neste reveillon repleto de turistas e vazio de cariocas.
Foi difícil combinar uma data-hora com Elache, em virtude dos impedimentos festeiros de cada um. Porém, no fim, quase todos os interessados lograram comparecer, com a exceção notável de Carlos Eugênio Patati e Sylvio Gonçalves, esse último sob a alegação pífia de estar com receio de dirigir com o carro novo, da Barra até o Estação Gourmet, em Botafogo. Já com Roctavio, a maior dificuldade foi que ele estava no Rio sem celular. Pois é, algo meio que Sem Olhos em Gaza... Felizmente, estabelecemos contato via Facebook e marcamos no ponto tradicional de reuniões da FC&F carioca.
* * *
Tentei chegar na hora marcada (18:00h) e desta vez quase consegui. Ao adentrar no restaurante às 18:10h avistei Jorge Pereira, corajosamente defendendo sozinho uma mesa para dez pessoas num estabelecimento que lotava rapidamente. Posteriormente, quando já havia seis ou oito pessoas em nossa mesa, a equipe de garçons lançou uma plaquinha de “reservado” na dita mesa para tentar alegar que ela estava reservada, alegação rechaçada sem delongas pela transferência da tal plaquinha para a mesa ao lado.
Cerca de vinte minutos mais tarde, chegaram o casal Ana Cristina Rodrigues & Estevão Ribeiro. Logo depois, apareceu Cláudia. Coisa de meia hora depois, veio Roctavio, acompanhado pela esposa Sandra Martins e a cunhada, Simone. Mais tarde chegou Octavio Aragão, acompanhado por seu primogênito, Pedro. Enfim, chegou nosso outro astro especialmente convidado, Paulo Elache. E, finalmente, quando poucos julgavam possível, eis que nos chega Eduardo Torres, sumido dos eventos e comemorações desde junho último, no lançamento carioca da Guardiã da Memória (Draco, 2011).
Última bebemoração da FC&F Carioca em 2011.
O assunto mais badalado da noite foi sem dúvida os aftershocks da divulgação da lista dos melhores contos da ficção científica brasileira, coordenada por Luiz Brás. O ponto mais polêmico e divertido não foi a divulgação da lista em si, cujo resultados foram mais ou menos os esperados, mas sim a divulgação dos votos de cada um dos quarenta e nove eleitores, escolhidos por Brás entre os autores, editores, acadêmicos e críticos da comunidade brasileira de literatura fantástica. Dentre os eleitores, houve ausências notáveis, como as do autor e antologista Carlos Orsi Martinho, do crítico literário e autor Antonio Luiz M.C. Costa e da acadêmica de FC Fabiana da Câmara, só para citar três nomes de que senti falta de cara, sem precisar puxar pela memória. No entanto, de repente, eles foram convidados e declinaram de participar da eleição...
Por incrível que pareça, houve eleitores cabotinos o bastante para votar em seus próprios trabalhos, como, por exemplo, José Carlos Neves, que votou em seu “A Capilomante” em 3º lugar; e Fernando Moretti, que sufragou seu próprio “Paula, a Estranha” em 1º lugar. Curiosamente, os três pontos computados pelo conto de Moretti com um primeiro lugar e o ponto computado por Neves com um terceiro lugar foram os únicos faturados por tais trabalhos e autores. Ainda não se sabe que tal pontuação em causa própria será ou não desconsiderada. Pessoalmente, sou contrário a desconsideração desses pontos atribuídos aos trabalhos dos próprios eleitores. Sei lá, de repente, o Fernando Moretti realmente considera que seu “Paula, a Estranha” é o melhor conto de ficção científica brasileira de todos os tempos... De qualquer forma, ao que tudo indica, o autor da obra parece ser o único que pensa assim...J
Após a divulgação pública dos votos de todos os eleitores, nas horas que antecederam nossa bebemoração dessa última quinta-feira, houve uma enxurrada de tentativas canhestras de justificar votos espúrios. Ah, se esses pobres eleitores soubessem que seus votos seriam tão traiçoeiramente ventilados ao grande público... Pois é, como diziam os lanterninhas dos cinemas de antanho, “no escuro todo mundo é macho, mas basta acender as luzes que a gritaria acaba”.
De todo modo, meu voto foi:
1º) “Questão de Sobrevivência” (2000), de Carlos Orsi Martinho;
2º) “Aí Vem o Sol” (1988), de José dos Santos Fernandes; e
3º) “O Molusco e o Transatlântico” (2005), de Bráulio Tavares.
Os dez contos mais votados foram:
01º) “A Escuridão, de André Carneiro (25 pontos);
02º) “A Ética da Traição”, de Gerson Lodi-Ribeiro (20 pontos);
03º) “Eu Matei Paolo Rossi”, de Octavio Aragão (13 pontos);
04º) “Mestre-de-Armas”, de Bráulio Tavares (13 pontos);
05º) “O Homem que Hipnotizava”, de André Carneiro (06 pontos);
06º) “Pendão da Esperança”, de Flávio Medeiros Jr. (06 pontos);
07º) “Água de Nagasáqui”, de Domingos Carvalho da Silva (05 pontos);
08º) “Assassinando o Tempo”, de Cristina Lasaitis (05 pontos);
09º) “Cão de Lata no Rabo”, de Bráulio Tavares (05 pontos);
10º) “Um Braço na Quarta Dimensão”, de Jerônymo Monteiro (05 pontos);
Dos votos acima, observamos um predomínio significativo dos trabalhos mais antigos sobre os mais recentes. A princípio, poderíamos considerar que os trabalhos escritos no século XX são de fato melhores do que os publicados nos últimos anos. Contudo, minha impressão é que, numa perspectiva otimista, boa parte dos eleitores não quis se comprometer votando em trabalhos recentes. Na perspectiva pessimista, muitos eleitores, experientes ou nem tanto, não deixaram de votar em trabalhos excelentes por picuinha ou, pior, ignorância do que vem sendo publicado no Brasil nos últimos anos. Considero-me insuspeito para externar tais opiniões, pois minha “A Ética da Traição” recebeu um reconhecimento extraordinário e inesperado.
* * *
Outro assunto polêmico foi a divulgação dos finalistas do Concurso Hydra. Os organizadores se comprometeram a traduzir o trabalho de ficção curta vencedor para o inglês e sugerir sua publicação numa editora parceira, a Orson Scott Card’s Intergalactic Medicine Show. Os três trabalhos finalistas foram:
“História com Desenho e Diálogo”, de Brontops Baruq, in Portal Fundação;
“Eu, a Sogra”, de Giulia Moon, in Imaginários 1 (Draco, 2009); e
“Por um Fio”, de Flávio Medeiros, Jr., in Steampunk (Tarja, 2009).
Pelo menos três autores presentes em nossa bebemoração declararam jamais terem cogitado submeter trabalhos para a premiação em questão pela associação do concurso com o autor norte-americano Orson Scott Card, detentor de posições políticas homofóbicas e posturas teístas. Enfim, no que se pese que, via de regra, o autor típico faz quase tudo para publicar uma história, somos todos adultos e cada um sabe até onde deve ir.
Embora houvesse comparecido ao evento exaustivamente preparado para discutir os enredos de Predador, Game of Thrones e outros menos cotados com os amigos nerds de seu pai, o pimpolho Pedro Aragão acabou não tendo oportunidade de esgrimir seus conhecimentos conosco pelo fato de ter sido acometido pelo desejo súbito de comer pães de queijo, um dos poucos petiscos indisponíveis do estabelecimento.
Pedro Aragão tendo a lição tomada pelo pai.
Por falar em comida, a maioria dos presentes optou pelo saboroso rodízio de pizzas do Estação Gourmet, opção perigosíssima para aqueles que pretendem manter a forma entre uma e outra festa de fim de ano, mas, enfim, caímos (de boca) em tentação.
Como não poderia deixar de ser, em virtude da proximidade da deadline (31 de dezembro de 2011 às 23:59:59) para submissão de trabalhos à antologia de contos Erotica Phantastica (Draco, 2012), outro assunto candente foi a quantidade, a qualidade e as especificidades dos trabalhos submetidos. Impedido de entrar em detalhes e, sobretudo, citar nomes, por questão de ética editorial, comentei já ter ultrapassado uma centena de submissões e que os enredos têm se revelado os mais variados possíveis, tanto em temática quanto em qualidade literária. Infelizmente, serei obrigado a rejeitar — palavra mais feia para um autor esperançoso, não é? Tudo bem, serei obrigado a “deixar de aproveitar”... pronto, bem melhor assim... O que seria de nossa qualidade de vida sem os eufemismos! — trabalhos bem escritos por falta de elementos fantásticos ou, pior, falta de “pegada”, ou seja, ausência de sexo, explícito ou implícito. Apesar das dicas e pedidos expressos em nossas guidelines, choveram clichês de amantes vampíricos emos, escravas sexuais élficas e súcubos em geral. Porém, nem tudo são espinhos no reino encantado da sacanagem da FCB: há um punhado de trabalhos excelentes, escritos tanto por autores veteranos quanto por iniciantes. O número de autores permaneceu consideravelmente abaixo da quantidade de submissões, pois diversos autores submeteram várias histórias. O recorde por enquanto foi de um autor brasileiro que submeteu cinco contos. Desta vez tivemos uma participação recorde de submissões de autores portugueses, uma ótima pedida para quem gosta de organizar antologias de fantástico lusófono.
Mais uma vez expus minha tese da primazia em importância da obra literária sobre o ego do autor. Afinal de contas, que nos interessa hoje se Homero e Shakespeare existiu, ante a excelência e a imortalidade de seus textos?
Aproveitamos a presença de Paulo Elástico para conversar sobre o podcasts em geral e o PodEspecular em particular. Mais uma vez ele confirmou o oferecimento feito ao novo presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica, Clinton Davisson, para orientar o sócio nomeado para criar o podcast do CLFC, conforme já havia feito off record durante a gravação do programa sobre o clube.
Panorâmica 1 — Jorge, Estevão, Edu Torres, Paulo Elástico e Ana Cris.
Panorâmica 2 — Elache, Ana Cris, Gerson, Roctavio, Cláudia, Jorge e Edu.
Atuante na área de proteção ambiental da Petrobrás (sim, isto existe!), Eduardo Torres nos explicou os problemas de poluição causados pelo emprego indiscriminado de detergentes biodegradáveis no caso de países, como o Brasil, onde a maior parte dos despejos de esgoto não recebem tratamento adequado. Também explicou que o emprego de sacos de lixo de plástico não degradável não constitui crime ecológico tão grave quanto nós leigos supúnhamos.
Roctavio e Sandra estão hospedados na casa da irmã dela, Simone Martins, que atua na área de gastronomia. Simone explicou que, embora resida na Barra com o marido (que também trabalha na Petrobrás), pensa em se mudar para a Zona Sul, porque, segundo ela, é aqui que a maior parte dos bons restaurantes está. Daí conversamos um bocado sobre a bolha imobiliária que estamos vivendo no Rio de Janeiro em geral e na Zona Sul em particular. Segundo os especialista no mercado imobiliário carioca, a situação só deve se normalizar em 2017, após a Copa do Mundo e a Olimpíada do Rio.
Simone, Sandra & Roctavio.
Meu antigo companheiro do saudoso departamento de universo ficcional da Hoplon Infotainment, Roctavio explicou que só logrou vir ao Rio por conta das férias coletivas concedidas pela empresa entre o Natal e o Ano Novo.
Enfim, mais um encontro agradabilíssimo com amigos cariocas e visitantes, alimentado por papos excelentes, muito bom-humor, um belo rodízio de pizzas e crepes, um vinho razoável nessa que foi a última bebemoração do ano que ora se encerra.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 2011 (sábado).
Participantes:
Ana Cristina Rodrigues
Cláudia Quevedo Lodi
Eduardo Torres
Estevão Ribeiro
Gerson Lodi-Ribeiro
Jorge Pereira
Octavio Aragão
Paulo Elache
Pedro Aragão
Roctavio de Castro
Sandra Martins
Simone Martins