Solarpunk:
Visão Radical de um
Futuro Ecológico Sustentável
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– 22.360 D.V.
“Os ativistas são
solarpunks porque as alternativas seriam a descrença e o desespero, pois as
promessas dos arautos da singularidade tecnológica e outros transumanistas são individualistas
e inatingíveis, ao passo que as propostas dos solarpunks visam tornar a vida de
todas as pessoas melhor hoje e para as gerações futuras.”
[Adam Flynn, Projeto
Hieróglifo]
Ontem à noite
se deu a tão aguardada (ao menos, por mim) mesa-redonda, Solarpunk: visión radical
de un futuro ecológico sostenible, no terceiro e último dia do XXVI Encuentro
Internacional de Escritores, que se desenrolou na cidade de Monterrey, Nuevo León,
México, sob os auspícios da CONARTE.
Fui convidado
a participar dessa mesa em meados de julho último. As tratativas foram algo complexas, dentre
outros motivos porque envolveram a contratação de um tradutor-intérprete capaz
de verter minhas falas do português para o castelhano. Em meio às combinações, ocorreu a morte de
meu pai na primeira quinzena de agosto. Enfim,
tudo deu certo. A organização do evento
aceitou minha sugestão de convidar para a tarefa Román Ipiña Chacón, um bom
amigo que conheci em minha estada no México em dezembro de 2013.
Durante a
fase das tratativas preliminares, meu contato com a CONTATE se deu através de Gildardo
Gónzález, com o qual troquei vários e-mails para esclarecer dúvidas e
transmitir informações.
A mesa-redonda
se encontra disponível no YouTube no link abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=JVmAB6UD3gs
(120 visualizações da manhã seguinte ao evento).
* * *
Gato escaldado
de apresentações anteriores nas quais nosso WiFi doméstico, meus fones bluetooth
ou qualquer outro elemento do nosso sistema não funcionou bem, resolvi jogar
pelo seguro: estabeleci a conexão da nossa sala de jantar, bem próximo ao roteador
da Vivo (por medida de segurança, agora temos dois aqui em casa: Vivo fibra óptica
e Claro NET via cabo); providenciei uma conexão física (Ethernet); e usei fones
de ouvido fisicamente plugados ao notebook.
Nada poderia funcionar mal. E, de
fato, ao menos aqui em casa, tudo correu a contento.
Atendendo o
pedido dos organizadores, ativamos o link enviado por e-mail quinze minutos
antes do horário estabelecido de 16h00 (GMT -5h), dezoito horas pelo horário de
Brasília.
Nesse esquenta dos quinze minutos
anteriores à abertura dos trabalhos, após verificada a qualidade dos sinais de áudio
e vídeo dos participantes e da minha informação de que entendo bem o
castelhano, embora não o articule, Gildardo combinou conosco a ordem de nossas
falas. Por sugestão de Abraham Martinez –
que eu já conhecia (virtualmente) há anos, graças a uma entrevista que ele fez
comigo para a revista El Ojo de Uk – eu falaria em primeiro lugar. A ideia original era fazer minha apresentação
em PowerPoint. Uma apresentação curtinha,
com dezesseis slides. No entanto, como sói
acontecer, a maioria das estratégias de batalha teóricas estabelecidas a priori
não sobrevivem à realidade do combate.
* *
*
Na hora marcada, Gildardo
González abriu os trabalhos, apresentando breves currículos do mediador Miguel Manrique
e dos participantes: Abraham Martinez Azuara; Vidal Medina e eu. Daí, Gildardo passa a bola para o Miguel.
Mesa-redonda Solarpunk: Visão radical de um futuro ecológico sustentável.
Após falar um pouco sobre a
gênese da ciéncia ficción em geral, Miguel Manrique iniciou o bate-papo
indagando aos três participantes “O que é Solarpunk?”
Em resposta,
cada um de nós três apresentou
sua definição pessoal preliminar do subgênero. Minha fala foi traduzida por Román Ipiña.
Em seguida, comecei minha
apresentação em PowerPoint. Porém, lá pelo
quinto ou sexto slide, o áudio do Román começou a falhar, impedindo que
prosseguisse com a tradução. Daí, a apresentação
em que eu pretendia expor do Solarpunk em três partes – como subgênero da ficção
científica; como movimento cultural de caráter especulativo; e, finalmente, da
antologia Solarpunk: histórias ecológicas e fantásticas em um mundo sustentável
– acabou truncada na metade da primeira parte.
Paciência.
Vida que segue. Constatando o problema de áudio, Miguel contornou a dificuldade, alertando Román e passando a
palavra a Martinez.
Abraham comentou que os cenários
distópicos da ficção científica convencional já se tornaram realidade e que
precisamos parar de devastar o meio ambiente.
Sem o apoio da tradução de
Román, avancei por conta própria, afirmando que o Solarpunk é plausível porque é
impossível conceber cenários ficcionais ambientados daqui a cem ou duzentos anos
em que a humanidade consiga sobreviver na Terra sem abandonar a queima de combustíveis
fósseis em favor do emprego de fontes
energéticas renováveis; e o consumismo desenfreado em favor de práticas
autossustentáveis.
Em seguida, quando Miguel
perguntou como é o leitor de Solarpunk, respondi que o leitor de Solarpunk típico
é uma pessoa que se encontra farta do excesso de narrativas distópicas clicherizadas
e, portanto, anda em busca de narrativas mais otimistas. Até porque, desde o advento da pandemia, já vivemos
um cenário de distopia extrema no mundo real.
Como a falha de áudio do Román persistia, Miguel se esforça em traduzir
minha fala.
Daí, o mediador nos indagou sobre autores que atuaram como precursores do Solarpunk,
citando de antemão Octavia E. Butler e Kim Stanley Robinson. Abraham citou diversos precursores do Solarpunk
no século XIX e no início do século XX. Como
exemplo de proto-Solarpunk, citei a fixup, ou coletânea, City
(1951) de meu autor predileto, Clifford D. Simak. Trata-se de um enredo solarpunk avant la
lettre, pois propõe um futuro pastoral numa Terra em que a humanidade
abandonou as cidades em prol da vida no campo, uma civilização tecnológica em
que reatores nucleares domésticos proporcionam energia barata e veículos aéreos
individuais resolveram o problema da mobilidade. Ao longo da narrativa espalhada pelos
diversos contos, a humanidade acaba abandonando nosso planeta, legando a
biosfera a uma estirpe de cães inteligentes, sob a guarda de robôs.
Aproveitei o gancho simakiano
para responder a uma questão anterior do Miguel sobre o apelo do Solarpunk. Uma vez que todas as questões mais prementes
da humanidade (superpopulação; desigualdades; miséria; holocausto ambiental;
pandemias) já estariam resolvidas, segundo as premissas básicas do subgênero,
nossa espécie poderia enfim se dedicar às questões realmente importantes, exatamente
como Simak delineou em seus enredos na série City.
Ao recomendar seus
proto-Solarpunks favoritos, Vidal Medina recomendou Duna e também o
mangá e animê Nausicäa.
Incentivado por Miguel, propus
conceituarmos o subgênero a partir da etimologia da palavra “Solarpunk”. A partícula {solar} se referindo ao emprego
de energias renováveis em geral (e não apenas à solar) e a partícula {punk} referindo-se
à contestação contra o establishment, sobretudo, na área ambiental.[1] Neste ponto, Román recobrou seu áudio e traduziu
minha fala.
Capa da Solarpunk: Histórias ecológicas e fantásticas em um mundo sustentável (Draco, 2012).
Abraham Martinez declarou que,
se podemos sonhar com um futuro ecologicamente mais justo, então podemos
criá-lo. Vidal Medina afirmou que o
Solarpunk é um subgênero bastante atrevido e valente.
Neste instante, surgiu em
nossa tela a única pergunta pipocada de nossa plateia virtual. Luiz Felipe Vasques, presidente do Clube de Leitores
de Ficção Científica, indagou:
— O conflito viria de quem
lucra ou por costume ou se acomoda às antigas maneiras – poluentes – de fazer
as coisas, não?
Ao avocar a responsabilidade
pela formulação de uma resposta, lembrei que todos habitamos um só planeta e
que não dispomos de um Plano B ou Planeta B.
Enfim, Miguel nos convidou
a apresentar nossas considerações finais.
Vidal Medina formulou a proposta
de empregarmos a literatura Solarpunk para ajudar a política ambiental autossustentável. Seguindo o mesmo mote, Martinez afirmou que
não deveríamos nos dar por vencidos nas questões ambientais. Em minhas considerações finais, advoguei que
nunca é tarde demais para abandonar um caminho errado e assumir o certo. Daí, concluí rememorando a última pergunta
que Abraham Martinez me fez na entrevista ao El Ojo de Uk cinco anos
atrás: “Quando teremos uma edição da Solarpunk em espanhol?”, devolvendo tal
pergunta à plateia mexicana.
Capa da Solarpunk: Ecological and Fantastical Stories in a Sustainable World (World Weaver Press, 2018).
Capa da Solarpunk: Storie di ecologia fantástica in um mondo sostenible (Mezzelane, 2021).
Diante dessa provocação,
Abraham, Vidal e Román se comprometeram a envidar esforços em prol da
publicação da Solarpunk em castelhano.
No fim, Gildardo Gónzález
retornou à apresentação para os agradecimentos e despedidas de praxe.
Finda a transmissão em si, escutei
uma voz em off comentou em castelhano que havia muitos brasileiros no chat da mesa-redonda.
* *
*
Conclusão: apesar
de não ter logrado expor a apresentação que planejei ao longo da última semana,
a experiência de participar dessa mesa-redonda mexicana foi coroada de êxito. Foi gratificante conhecer Abraham Martinez,
mesmo que de forma virtual e me senti bastante honrado com a oportunidade de atuar
como convidado nesse encontro internacional de escritores.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 26 de setembro de 2021 (domingo).
Participantes:
Abraham
Martinez Azuara (participante).
Ana Lucia Lodi
Ribeiro.
Ana Lúcia
Merege.
Cláudia Quevedo
Lodi.
Daisy Lodi Ribeiro
Enrique Quintero
Mármol López.
Fernando Galaviz.
Gerson Lodi-Ribeiro
(participante).
Gildardo Gónzález
(organizador).
Jorge Chipuli.
Luiz Felipe Vasques
(Clube de Leitores de Ficção Científica).
Miguel Manrique
(mediador).
Paolo
Fabrizio Pugno (Histórias Extraordinárias).
Paulo Duarte.
Román Ipiña
Chacón (intérprete).
Vidal Medina
(participante).
[1]. Etimologicamente
falando, {solar} = lato sensu: energia solar, eólica, energia das marés,
fusão controlada do hidrogênio etc., i.e, energia renovável e barata,
disponível para todos. E, {punk} =
elementos de contracultura: contestação ao establishment representado
por governos e corporações corruptas que poluem o meio ambiente, arruínam nossa
biosfera planetária e se eximem da responsabilidade pelo aquecimento global
antropogênico.