4ª Odisseia Fantástica de Porto Alegre 2015
DIA 1 -- 201504101210P6 -- 19.999 D.V.
“Ao contrário da ficção, a vida real não tem compromissos com a
plausibilidade.”
[Milhares de contadores de histórias, desde o início dos tempos]
Cheguei hoje às 11h30 no Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, para
participar da Quarta Odisseia de Literatura Fantástica, evento anual criado em
2012 por Cesar Alcázar, Christopher Kastensmidt e Duda Falcão — trinca que, a
partir do ano retrasado foi transformada em quinteto, com o apoio de Nikelen
Witter e Christian David. Ao contrário
do que se deu nos três certames anteriores, desta vez o evento não se desenrolará
no Memorial do Rio Grande do Sul, mas sim no Centro Cultural Érico Veríssimo,
bem próximo do sítio anterior, também no centro histórico de Porto Alegre. Cheguei à capital gaúcha sem guarda-chuvas e
apenas com um casaquinho de carioca, pois a previsão climática afirma que
teremos tempo bom até a manhã de domingo.
Veremos se tal se confirma.
* *
*
Parti do Rio no voo 1552 da GOL, que decolou com dez minutos de atraso
às 09h35 do Aeroporto Internacional Galeão Tom Jobim. O atraso foi causado por uma dificuldade
qualquer no embarque, que levou os passageiros a descer duas vezes até o ônibus
que conduziria até a aeronave. Minha
leitura de bordo durante a espera para o embarque e também durante a viagem aérea
de cem minutos de duração foi As Piores Decisões
da História e as Pessoas que as Tomaram (Sextante, 2014), do Stephen Weir,
trabalho interessante, conquanto eivado de erros históricos e factuais.
Segui de táxi do aeroporto até o Lido Hotel. Fiz meu check-in do quarto 806, saindo pela
primeira vez em quatro anos da coluna 07 do hotel. Uma vez no quarto, cumpridos os rituais dos Bedroom Acceptance Tests (com aprovação em
quase todos os quesitos, exceção apenas à rede de internet do Lido, que
simplesmente se recusou a dar as caras), fiz uma leitura expressa dos tópicos
de história alternativa que pretendo abordar na mesa-redonda que sustentarei
amanhã, com os amigos Flávio Medeiro Júnior e Eduardo Massami Kasse. Por volta das 13h30, Flávio fez seu check-in
no Lido e às 14h00 seguimos do hotel até o Centro Cultural Érico Veríssimo,
onde se dará a convenção. Após nos
perdermos um pouco, acabamos encontrando o centro. Por coincidência, fomos saudados à porta do
Christopher Kastensmidt, um dos mentores do evento. Pouco após, André Z. Cordenonsi se juntou a
nós bem a caráter, com uma camisa do Homem-Aranha. Quando ainda estávamos no saguão do centro
cultural, Roberto de Sousa Causo chegou ao local. Eu e Flávio aproveitamos a oportunidade para
checar o horário de nossa mesa-redonda amanhã (13h50).
No primeiro dos dois salões do andar térreo, encontramos com outros
três amigos gaúchos que organizam a Odisseia Fantástica: Duda Falcão; Cesar
Alcázar e Christian David. Em seguida,
visitamos o estande da Avec, editora recém-criada por Artur Vecchi, velho amigo
dos tempos da lista da Intempol. No
segundo salão, encontramos os casais de amigos Ana Cristina Rodrigues &
Estevão Ribeiro e Carol Chiovatto & Bruno Anselmi Matangrano no estande da
Aquário Editorial, nova editora do primeiro casal citado. Comprei ali a nova edição da Anacrônicas – Contos Mágicos e Trágicos
(Aquário, 2014) e o livreto Tomai e Bebei
(Aquário, 2015), do Max Mallmann. Desse
estande demos uma rodada pelo segundo salão, com ênfase ao estande do material
do universo ficcional da Canção de Gelo e
Fogo, onde comprei uma camisa da Casa Lannister para minha filha Ursulla;
e no estande do universo ficcional Dr.
Who, onde permanecemos por vinte minutos batendo papo sobre a série com
o casal que gerenciava o espaço.
Velha Guarda da FCB: Artur Vecchi, Flávio Medeiros, Gílson da Cunha e GL-R.
Mais ou menos por essa hora chegaram as amigas autoras Simone
Saueressig, de Nova Hamburgo, e Flávia Côrtes, do Rio de Janeiro. Eu e Flávio aproveitamos o ensejo para
comprar a coletânea Contos do Sul
(Echo, 2013) da Simone e o conto infantojuvenil Assombros e Calafrios (Editora Jovem, 2014) da Flávia. Ambas as autoras autografaram suas obras para
nós.
Autores & Lançamentos 1: Assombros e Calafrios, de Flávia Côrtes.
Autores & Lançamentos 2: Contos do Sul, de Simone Saueressig.
Autores & Lançamentos 3: Rio: Zona de Guerra, de Leo Lopes.
Em seguida chegou o amigo Gílson Luís da Cunha, com quem eu, Flávio e
Flávia conversamos um bom tempo sobre viagens, fofocas do fandom, atividades
literárias, métodos de escrita e publicações compradas e lidas. O papo estava tão animado que não percebemos
quando Ana Cris e Estevão saíram do estande da Aquário para subir ao auditório
Barbosa Lessa, no quarto andar do prédio, para o bate-papo com uma turma de uma
das escolas locais. Aliás, a tarde de sexta-feira
é tradicionalmente conhecida na Odisseia Fantástica como o “dia das escolas”,
tamanha a quantidade de turmas que comparecem ao local do evento para conversar
com seus autores infantojuvenis favoritos.
Neste certame, os organizadores estimaram o número de alunos em
quinhentos. Subimos a tempo de assistir
o finzinho da participação de Ana & Estevão, com direito a um susto que esse
último pregou na galerinha ao contar um trecho de um de seus trabalhos.
Estevão Ribeiro & Ana Cristina Rodrigues, alegrando os pequenos leitores.
À saída do auditório, conheci pessoalmente o autor e editor Rodrigo van
Kampen, responsável pela revista digital Trasgo,
publicação que relançou minha noveleta de ficção científica “Rendição do
Serviço de Guarda” em sua quarta edição, em setembro de 2014.
Mais tarde, regressei ao estande da Avec e adquiri o romance Rio: Zona de Guerra (Avec, 2014), de Leo
Lopes, aproveitando a oportunidade para – como diziam os antigos – trocar dois
dedos de prosa com o autor.
Do primeiro salão, rumamos à cafeteria do centro, mas o estabelecimento
já havia cerrado seus fornos e geladeiras.
Então, saímos do centro cultural e atravessamos a rua para ir, Ana Cris,
Flávia Côrtes e eu, até uma lanchonete especializada em croissants, onde
reencontramos o Rodrigo, que nos convidou para se sentar à mesa dele, tão logo
vagaram lugares para nós.
De volta ao Érico Veríssimo, conversamos com o Christian David, que se
declarou bastante satisfeito com a mudança do local-sede da Odisseia
Fantástica. De fato, as instalações do
centro cultural são mais modernas, clean
e mais bem climatizadas do que as do Memorial, cujo subsolo foi apelidado de
“calabouço” na edição do ano passado.
Enfim, às 19h00, subimos outra vez ao Barbosa Lessa para assistir a
palestra de Roberto de Sousa Causo, “Evolução da Ficção Científica Brasileira:
Tendências e Dilemas”, evento que marcou a abertura oficial da Quarta Odisseia
Fantástica. Com auxílio de um PowerPoint
repleto de texto, Causo discorreu sobre a história do gênero no Brasil, desde
os primórdios no século XIX, passando pelo florescimento e pelas tendências do
século XX, até as ondas literárias destes últimos sessenta anos, começando pela
Primeira Onda (Geração GRD) e ancorando na atual Terceira Onda que, segundo o
teórico, iniciou-se cerca de uma década atrás.
Ao fim de sua fala, Causo apelou para um investimento maior nos
elementos nacionais da FCB. Embora, de
modo geral, tenha apreciado essa fala de abertura, sendo menos abrangente que
Causo em sua definição de ficção científica, discordo da inclusão de alguns
títulos e/ou autores como FCB. Já pelo
viés inclusivo, creio que talvez valesse a pena discorrer um pouco sobre os
avanços recentes da FC portuguesa, no que se pese a questão do pouco tempo para
falar um montão de coisas relevantes. Aliás,
também sou menos inclusivo do que a maioria dos estudiosos de história
alternativa na tendência de aceitar trabalhos nas listas do gênero, portanto,
já estou mais ou menos acostumado a me sentar com o partido restritivista,
embora não me considere tão castiço nas definições de ficção científica e
história alternativa quanto alguns teóricos que aprecio.
Roberto de Sousa Causo em sua Palestra de Abertura.
Ao fim da palestra de abertura, talvez em função da fome desesperadora
(pelo menos no meu caso, que não havia almoçado e resistira bravamente aos poderes
hipnóticos dos croissants da lanchonete), a plateia declinou da sessão de
perguntas e, ato contínuo, aglomerou-se no hall dos elevadores para descer até
o térreo. Eu, Flávio, Gílson, Simone e
Jerri Dias descemos pelas escadas e tomamos dois táxis no quarteirão seguinte,
rumo à cantina Bella Italia, onde já abiamo
mangiato molto bene na noite de abertura da Odisseia 2014.
Nessa breve jornada de táxi, comentei com o Flávio e o Gílson ter
devorado e apreciado o e-book Batalhas
Espaciais (Draco, 2015), escrito pelo Antonio Luiz M.C. Costa, autor do
universo ficcional de Atlântida e revisor técnico severíssimo, pero justo em
suas análises, da editora Draco. Li o
livro (fino) de uma tacada só, durante a sessão diária de bicicleta ergométrica
poucas horas antes do embarque para Porto Alegre. O texto preciso e informativo deixou um gosto
de quero mais. Considero-o
imprescindível para qualquer autor disposto a brincar a sério com as temáticas
de escaramuças e guerras espaciais e estelares.
Espero que o autor escreva trabalhos semelhantes sobre outros tópicos relevantes
da criação de universos ficcionais de ficção científica hard.
Em meio à abundância de frios, queijos, massas e carnes para os gostos
mais variados, regados por quatro garrafas de Boscato Reserva Merlot,
compartilhadas com os amigos Flávio Medeiros, Gílson da Cunha, Ana Cris & Estevão
Ribeiro e Flávia Côrtes, desfrutamos do bate-papo mais divertido do evento,
pelo menos até agora. Também
participaram do papo, mas não do vinho, Roberta Spindler e o casal Carol
Chiovatto & Bruno Anselmi. Falamos
de tudo um pouco, desde a violência nas grandes cidades brasileira, até as viagens
ao estrangeiro, nossos hábitos alimentares (descobrimos que a Flávia não come
carne vermelha), passando pelo mal de Alzheimer, os melhores romances da
fantasia contemporânea (Ana Cris e Roberta me recomendaram com empenho a
leitura do romance de fantasia moderna Tigana,
do Guy Gavriel Kay, publicado no Brasil pela Saída de Emergência) e até, pasmem
mortais, sobre ficção científica e história alternativa.
Jantar de sexta-feira no Bella Italia: panorama de nossa mesa, da esquerda para
a direita em sentido horário: Rodrigo van Kampen; Carol Chiovatto, Bruno Anselmi,
GL-R, Estevão Ribeiro, Flávio Medeiros, Flávia Côrtes, Ana Cristina Rodrigues,
Roberta Spindler, Adriana Amaral, e Tarsis Salvatore.
Comentamos as bebedeiras, homéricas ou não, de Odisseias passadas e
também as publicações e premiações que estão prestes a rolar na literatura
fantástica lusófona e que me proibiram de divulgar na versão oficial desta
crônica. Falamos amiúde de nossas
estratégias de vida para conciliar a rotina doméstica e profissional com as
nossas atividades literárias. Tema que,
se você parar para pensar, não tem fim.
Para coroar a noitada, meu parceiro de dupla sertaneja, Gílson da Cunha
(criamos o conjunto de sertanejo universitário GLC & GLR), brindou-nos com
os enredos hilários de um enólogo neandertal que desenvolve a antepassada da
casta vinífera Bordeaux na França de trinta mil anos atrás. Faço questão de degustar, se não o vinho, ao
menos a história!
Não tive oportunidade de conversar com mais de dois terços dos
presentes, dentre eles, o casal Adriana Amaral & Tarsis Salvatore. Aliás, esta é uma das poucas frustrações
comuns à maioria dos participantes desses eventos de massa: nunca há tempo
suficiente para papear com a maioria das pessoas legais que comparecem, quer
porque você estava assistindo palestras & mesas-redondas, quer porque você
estava com outras pessoas legais, ou, mais provavelmente, porque você esqueceu
seu dilatador temporal em casa e não conseguiu fazer seus dias de Odisseia
durarem 72 horas...
Por volta das 23h30, debandamos do Bella Italia rumo
aos nossos hotéis. Em nosso táxi seguimos
eu, Causo, Flávia e Flávio (a outra dupla sertaneja da Odisseia 2015). Deixamos a Flávia e o Causo no hotel em que
estão hospedados, de cujo nome não me lembro, mas que é o mesmo estabelecimento
onde o Flávio ficou na Odisseia Fantástica 2013.
Mal cheguei ao 806 e tomei algumas anotações cruciais à escrita desta
crônica, tombei na cama com o ar condicionado ligado e o lençol puxado até a
ponta do nariz.
Lido Hotel, Porto Alegre, 10 de abril de 2015 (sexta-feira).
DIA 2 -- 201504111049P7 -- 20.000 D.V.
“Schettino,
vada a bordo, cazzo!”
[Capitão-dos-Portos Gregorio de Falco, após o naufrágio do Costa Concordia]
Neste sábado ensolarado de outono em que completo exatamente vinte mil
dias de vida, acordei às 06h00 e comecei a trabalhar em marcha lenta na escrita
desta crônica. Por volta das 08h40 desci
para o desjejum no restaurante do hotel.
Ali tive a grata surpresa de encontrar o casal Estela Burdin &
Eduardo Massami Kasse, que já haviam chegado ao Rio Grande do Sul desde
anteontem, mas aproveitaram o adianto para passear em Gramado e Canela. Tomamos o café da manhã juntos e, pouco mais
tarde, o amigo Flávio Medeiros se uniu à nossa mesa. A conversa do desjejum girou um pouco sobre a
mesa-redonda que iremos compartilhar dentro em poucas horas, outro tanto sobre
nossas respectivas trajetórias familiares e profissionais, mas, sobretudo,
sobre a situação econômica e política tétrica em que nosso país se encontra
atualmente.
Do meio para o fim do nosso desjejum, ingressaram no restaurante os
casais Carol & Bruno e Lia Viegas & Marcelo Mushi, além dos amigos
Roberta Splinder e Lucas Rocha, todos hospedados no Lido como nós.
De volta ao 806, segui a dica ovo-de-Colombo-em-que-eu-nunca-iria-pensar
do Edu Kasse, de passear pelo quarto com o notebook para ver se o sinal de
internet aparecia. Deu certo! Consegui acessar o site da Odisseia
Fantástica 2015 e imprimi o programa de hoje em PDF.
Pouco após o meio-dia repassei minha participação na mesa-redonda e
liguei para o Flávio e para o Edu, para que seguíssemos juntos para o centro
cultural. Como Edu e Estela já haviam
rumado para lá a fim de ajudar o Erick Sama no estande da Draco, eu e Flávio
caminhamos para a nova sede da Odisseia.
Às 13h00 assistimos a primeira mesa da tarde, “Cidades Reais x Cidades
Fantásticas – Construção de Cenários Fantásticos a partir de Cidades Reais”,
moderada por Artur Vecchi, com a participação dos autores da Avec, Ana Recalde,
Lauro Kociuba e Leo Lopes. Ana falou de
sua HQ, Beladona, cuja narrativa se
divide entre a cidade real do Rio de Janeiro e um mundo de pesadelos. Lauro falou de seu romance de fantasia urbana
ambientado em Curitiba. Já Leo Lopes,
que conheci pessoalmente ontem, falou de seu romance cyberpunk Rio: Zona de Guerra, que se passa num
Rio futurista onde a Barra da Tijuca é o único enclave seguro da cidade e a
segurança pública se encontra terceirizada em favor de corporações
particulares. Pretendo ler em breve.
M-R "Cidades Reais x Cidades Fantásticas", com
Ana Recalde, Lauro Kociuba, Artur Vecchi e Leo Lopes.
Às 13h50 apresentamos nossa mesa-redonda (ou “bate-papo”, segundo o
programa da Odisseia), “História Alternativa, Ficção Histórica e Ficção
Alternativa – Estratégias Narrativas, Semelhanças e Diferenças”. Duda Falcão leu nossos biologs e o seguinte
introito que havíamos preparado de antemão:
“Como seria o Brasil do
século XXI se houvéssemos perdido a Guerra do Paraguai? E se Drácula houvesse sobrevivido ao fim da
obra-prima de Bram Stoker? Como seria o
panorama das Guerras Napoleônicas se ambos os lados usassem dragões como uma
espécie de força aérea avant la lettre? Estas e outras questões serão debatidas na
mesa História Alternativa, Ficção Histórica e Ficção Alternativa.”
Planejamos nossa mesa, abordando os três tópicos, do mais conhecido
(ficção histórica) até o mais exótico (ficção alternativa), com quinze minutos
para cada participante, reservando os cinco minutos finais para perguntas e
comentários. Portanto, diante de uma
plateia de sessenta ou setenta pessoas, Eduardo Massami Kasse abriu os
trabalhos, discorrendo sobre a elaboração de enredos históricos fantásticos em
geral, com ênfase particular em seu universo ficcional Tempos de Sangue, iniciado com o romance O Andarilho das Sombras e que já conta
com três romances[1].
M-R "Histórias Alternativas, Romances Históricos e Ficções Alternativas", com
Eduardo Massami Kasse, GL-R e Flávio Medeiros Jr.
Nossa M-R: Autores & Livros.
Histórias Alternativas: Taxonomia e Classificações.
Em seguida, falei sobre história alternativa, apresentando os conceitos
essenciais do gênero, distinguindo o que é H.A. do que apenas parece ser,
explanando brevemente sobre as categorias de história alternativa (presente
alternativo; passado alternativo; e evento alternativo) e sua taxonomia básica,
concluindo com os erros de plausibilidade mais frequentes praticados por
autores do gênero. Procurei exemplificar
cada temática e subclassificação com títulos representativos clássicos e
modernos dentro da história alternativa mundial e, quando possível, da história
alternativa lusófona.
Flávio Medeiros concluiu os trabalhos falando sobre ficção alternativa,
enfatizando a distinção de que neste subgênero o ponto de divergência se situa
na ficção e não na história. Em seguida
falou de seu belo romance fix-up Homens e
Monstros – A Guerra Fria Vitoriana (Draco, 2013), fechando com chave de
ouro ao exibir o thriller do livro no
telão do Barbosa Lessa ante uma plateia empolgada que aplaudiu com entusiasmo.
Durante a mesa-redonda, exibimos as capas de nossos livros, no meu
caso, os romances de história alternativa Xochiquetzal,
uma Princesa Asteca entre os Incas (Draco, 2009, 2ª edição, 2015) e Aventuras do Vampiro de Palmares (Draco,
2014). A sessão de perguntas se limitou
ao pedido do Gílson da Cunha para que tentássemos imaginar uma Europa no início
do século XIX se Napoleão houvesse perecido no naufrágio de um navio em que o
Corso esteve prestes a embarcar. Apresentei
o palpite de que o período revolucionário na França teria sido provavelmente
mais breve do que em nossa linha histórica, com o consequente retorno precoce
da monarquia absolutista francesa. O
mesmo Gílson tirou fotos com minha câmera durante a mesa-redonda.
Aventuras do Vampiro de Palmares (Draco, 2015), de GL-R.
Ao fim da nossa participação, aproveitei para embolsar meu exemplar da
segunda edição de meu romance curto de história alternativa Xochiquetzal — Uma Princesa Asteca entre os
Incas (Draco, 2015), com acabamento ainda melhor do que o da primeira
edição de seis anos atrás e com a inclusão do mapa mundial alternativo
elaborado pelo Antonio Luiz M.C. Costa.
Linda! É o primeiro livro solo da
editora a sair em segunda edição.
Xochiquetzal, uma Princesa Asteca entre os Incas.
Às 14h40 assisti o terceiro bate-papo desta tarde de sábado, “Que
Fase! A Literatura Fantástica Aqui e
Agora”, com a participação dos autores Eric Novello, Felipe Castilho e Gustavo
Girardi Brasman, com a moderação da professora universitária e livreira Nicole
Siebel. Em meio a tiradas espirituosas,
os três autores discorreram sobre suas motivações literárias, seus trabalhos e
carreiras, com conselhos aos jovens (ou não tão jovens) da plateia que aspiram
ser escritores.
M-R "Que Fase! A Literatura Fantástica Aqui e Agora", com
Gustavo Girardi Brasman, Eric Novello, Felipe Castilho e Nicole Siebel.
Ao fim dessa terceira mesa-redonda, desci para o térreo. Ainda na saída do auditório, encontrei com o
autor gaúcho Daniel Dutra, que me presenteou com um exemplar da terceira edição
de sua coletânea Eva Mecânica (Literata,
2013, 2015), mais bem acabada do que as anteriores. Essa coletânea conta com um prefácio
meu. Aproveitei essa mesma ocasião para
autografar um exemplar da minha coletânea Taikodom:
Crônicas (Devir, 2009) para o amigo Gílson da Cunha. Uma vez no térreo, fui até o estande da
Draco, agora a pleno vapor, para dar um abraço no amigo Erick Sama, que ainda
não havia tido oportunidade de encontrar.
Adquiri um exemplar do romance E
de Extermínio (Draco, 2015), de Cirilo S. Lemos, uma expansão de sua
noveleta “Auto do Extermínio”, publicado na antologia Dieselpunk, que organizei para a mesma editora em 2012. Marcado para leitura imediata.
Estande da Draco a pleno vapor, com
GL-R, Erick Sama, Flávio Medeiros, Ana Lúcia Merege, Cirilo Lemos e Eduardo Kasse.
E de Extermínio (Draco, 2015), de Cirilo S. Lemos.
Fiz uma segunda visita ao estande do material ficcional da saga Canção de Gelo e Fogo, para adquirir
camisas da Casa Stark para meu filho Erich e sua namorada, Julia. Ali reencontrei Flávia Côrtes, que se
desculpou pela ausência em nossa mesa-redonda.
Pouco depois revi o autor gaúcho Estevan Lutz e visitei o estande da
Estronho para adquirir um exemplar da antologia que ele organizou, a Impérios do Pós-Apocalipse (Estronho,
2015)
Ainda nesse intervalo, conversei com o Edu Kasse, que atualmente exerce
o cargo de responsável pela apreciação do material submetido à Draco. Ele reclama de que a qualidade média das
submissões está muito baixa e que, mesmo lendo apenas de três a quatro páginas
antes de rejeitar um texto ruim, está lendo de trezentas e quatrocentas páginas
de lixo por mês. Dureza.
Do térreo regressei ao auditório com Flávio Medeiros e Flávia Côrtes para
assistir a mesa da Draco, “Literatura Fantástica Brasileira Sem Medos”, com a
participação de Erick Sama, Ana Lúcia Merege e Cirilo Lemos. Ao contrário da nossa, essa mesa funcionou
mesmo como um bate-papo ou, melhor ainda, como uma linha-de-passe. Erick abriu os trabalhos falando um pouco da
história de sucesso da Draco como editora independente e comentando que tanto a
Ana Merege quanto o Cirilo estrearam profissionalmente nas antologias da
editora, ela na Imaginários 1 e ele
na Imaginários 3. O editor afirmou que a empresa tem recebido
uma média de cem originais por mês e anunciou a mudança da estratégia editorial
da Draco. Em seguida, Erick passou a
bola aos autores para que falassem de suas respectivas obras e carreiras. Estimulado por Erick, Cirilo discorreu sobre
o processo de criação do universo ficcional que culminou em seu segundo
romance, E de Extermínio. Na fase das perguntas, solicitei ao Cirilo
que detalhasse um pouco mais a gênese desse romance.
M-R "Draco: Literatura Fantástica Brasileira sem medo", com
Erick Sama, Ana Lúcia Merege e Cirilo Lemos.
Prova cabal de que o legendário Cirilo S. Lemos existe mesmo!
Em seguida assistimos a sexta e última mesa-redonda desta tarde de
sábado 20.000, “Um Real Imaginário, um Fantástico Extraordinário”, com a
participação dos amigos escritores Simone Saueressig, Christian David e Duda
Falcão, com a moderação de Cássio Pantaleoni.
Um bate-bola afinado, divertido e instigante, embora por vezes tenso,
entre autores e moderador, nesta que se constituiu em uma das melhores mesas da
tarde. Durante uma de seus apartes,
Simone falou de um enredo de Stephen King em que o cadáver de uma garotinha foi
encontrado nos escombros de um incêndio medonho. O corpo dela e suas roupas pareciam
estranhamente intactos, intocados pelas chamas.
Ela fora aparentemente morta pela inalação de fumaça. Neste instante, cochichei ao ouvido da
Flávia, “a coisa mais medonha que consigo pensar, uma situação que me deixa
arrepiado, é se o cadáver da garotinha houvesse sido plantado nos escombros do incêndio.
E se ela houvesse sido morta noutro sítio e levada para lá, para
disfarçar a causa real da morte?” Ela me
olhou assustada e sussurrou: “Eu pensei exatamente a mesma coisa...” Tsk, tsk, tsk, escritores... Bravo como um Vasco da Gama ante um oceano
alienígena, Pantaleoni sugeriu, a título de exercício de imaginação literária,
que se elaborasse um enredo sobre um centauro-zumbi que se teria transformado em
vampiro e, posteriormente, mordido por um lobisomem. Genuíno samba do metamorfo doido, sô!
M-R "Um Real Imaginário, um Fantástico Extraordinário", com
Christian David, Cássio Pantaleoni, ...
Christian David, Cássio Pantaleoni, ...
... Duda Falcão e Simone Saueressig.
Finda a última mesa deste sábado, descemos até o térreo onde efetuamos
as últimas aquisições literárias e batemos os últimos papos antes que as portas
do centro cultural se fechassem. Quase
no apagar das luzes, autografei um exemplar do Aventuras do Vampiro de Palmares para o Bruno Anselmi.
Para muitos dos participantes, amanhã haverá mais mesas, bate-papos e
troca de ideias com autores, leitores e fãs.
Infelizmente, regressarei amanhã para o Rio antes da abertura dos
trabalhos nesse domingo. Gostaria muito
de ter assistido os bate-papos “O Outro Lado do Mundo de Oz” com a Carol e o
Bruno; “Brasil a Vapor: O Steampunk em Terras Tupiniquins” com o Cândido e o
André Cordenonsi; e “Ilustres Desconhecidos” com o Alexandre Mandarino, o
Edgard Refinetti e o Marcelo Galvão. De
qualquer modo, participar de dois dias já constituiu uma experiência pra lá de
gratificante.
Portanto, já em clima de encerramento e despedida, no intuito de
comemorar meu vigésimo milésimo dia de vida, propus a alguns amigos mais chegados
que fôssemos a um restaurante legal onde pudéssemos conversar à vontade, comer
boa comida e beber um vinho honesto.
Após diversas idas e vindas que incluíram convites declinados e aceitos
e uma incursão infrutífera ao Bistrô do Museu, que se encontrava fechado em
pleno sábado à noite, marcamos nosso ponto de encontro na recepção do
Lido. Os funcionários do hotel nos
sugeriram a cantina próxima, Ateliê das Massas.
Seguimos a pé para lá, em comitiva de oito: eu, Erick Sama, Flávio
Medeiros, Estela Burdin & Edu Kasse, Flávia Côrtes, Ana Merege e Cirilo
Lemos. À entrada do estabelecimento, o
Erick já comentou, “Gerson, este lugar tem a sua cara!” De fato, nesta primeira vez, já me tornei
freguês. Flávia, que já é habitué da cantina, informou que as
massas ali eram realmente deliciosas.
Massas italianas magníficas em ritmo de slow food. Saboreei um
talharim à carbonara divino regado pelo nosso já tradicional Boscato Reserva
Merlot. De nós oito, apenas Ana Merege e
Estela declinaram do tinto em prol do suco de uva. Curiosamente, seis dos convivas consumiram as
mesmas quatro garrafas de Boscato que na véspera. Ao fim do repasto opíparo, eu, Erick e Flávio
ainda tomamos uma dose de Drambuie a título de saideira, enquanto Ana rompeu
sua abstemia em favor de uma dose singela de Limoncello.
Se os comes & bebes do ágape estavam divinos, muito melhor e mais
gostoso foi o nível do papo que desfrutamos nesta noite do meu vigésimo
milésimo dia de vida. Até em virtude do
ambiente convidativo, falamos um bocado de vinhos e gastronomia, com direito a
digressões por bebidas destiladas e pratos exóticos. Confessei aos amigos ter experimentado
gafanhotos torrados em minha viagem recente ao México em janeiro. Erick contou-nos de suas experiências
desagradáveis no Japão com quitutes de soja fermentada. Eu e Ana Merege falamos sobre a existência em
idos dos anos 1990 de uma Associação dos Pinguços Maristas, da qual meu irmão
foi presidente e o namorado dela vice-presidente. Também papeamos a respeito das analogias
próprias e impróprias entre conceitos, terminologias doutrinas navais e
espaciais. Vários de nós comentamos que
gostaríamos de fazer um cruzeiro marítimo a bordo de um transatlântico. Daí foi um pulo para nos lembrarmos do Costa Concordia e da atitude pusilânime
de seu comandante, Francesco Schettino, que levou o capitão-dos-portos
italiano, Gregorio de Falco, “Schettino,
vada a bordo, cazzo!” Flávia
(kardecista) e eu (agnóstico) conversamos um bocado sobre religião e
paranormalidade, numa boa. Simplesmente,
concordamos em discordar.
Jantar dos 20.000 no Ateliê das Massas: Ana Merege,
GL-R, Flávia Côrtes e Flávio Medeiros.
Flávio Medeiros presenteia Edu Kasse com Quintessência e Casas de Vampiros.
Fim da noitada (reparem, todos em forma!): Flávio Medeiros, Edu Kasse,
Erick Sama, Cirilo Lemos, Ana Merege, Estela Burdin, Flávia Côrtes e GL-R.
Lá pelas tantas, Flávio se lembrou de minha viagem à Amazônia. Então, Flávia indagou se eu havia mergulhado
com os botos-cor-de-rosa, conforme ela havia sugerido. Afirmei que sim e que, inclusive, havia
postado fotos sobre a experiência no Facebook.
Comentei que havia não só mergulhado com os botos, mas confraternizado
com eles. Flávia contou que, quando ela
e a família mergulharam com os botos do Rio Negro, os animais exibiram um
comportamento manso e carinhoso em relação a ela e às filhas. Comentei com os presentes que os golfinhos
possuem pênis capazes de manipular objetos, algo semelhantes às trombas dos
elefantes. Outrossim, lembrei que
existem relatos não comprovados de cópulas entre humanos e golfinhos. Neste ponto, Erick sorriu e comentou que
havia uma cena desse gênero em meu romance Octopusgarden,
com publicação aprovada pela Draco. Ante
o olhar arregalado da Flávia, prudentemente, pedi ao Erick que não concedesse spoilers do romance por publicar.
Quando já nos levantávamos da mesa, Flávio me presenteou com um
exemplar do graphic novel sensacional Ministério
do Espaço (Devir, 2014), de Warren Ellis & Chris Weston.
A experiência enogastronômica memorável saiu-nos pela bagatela de R$
86,00 por cabeça. Incrível como se come
bem por preços módicos em Porto Alegre.
Na saída, caminhamos até o hotel da Flávia e nos despedimos dela,
rumando em seguida para o Lido, onde nós sete estamos hospedados. Já em nosso hotel, Edu Kasse me presenteou
com uma caixa de chocolates de Gramado.
Pretendo degustá-los amanhã assistindo Game of Thrones.
Lido Hotel, Porto Alegre, 11 de abril de 2015, vigésimo milésimo
dia de vida.
DIA 3 -- 201504121105P1 -- 20.001 D.V.
Neste domingo, dia de regressar ao Rio sem participar das atividades da
Odisseia e também o dia aguardado da estreia mundial da quinta temporada da série Game of Thrones, no universo
ficcional Canção de Gelo e Fogo,
do George R.R. Martin, acordei cedo e trabalhei um pouco nesta crônica. Em seguida, desci para o café da manhã no
restaurante do Lido. Lá encontrei o
casal Lia & Mushi. Quando já me
preparava para regressar ao 806, encontrei o casal Estela & Edu Kasse
fazendo o check-out e aproveitei para me despedir dos amigos. Tomei uma última xícara de café com a Ana
Merege e conversamos brevemente sobre a possibilidade de se criar um evento mais
ou menos nos moldes da Odisseia Fantástica em plagas cariocas. Um assunto a se considerar com o carinho
devido.
Uma hora mais tarde, desci de mochila pesada para meu próprio check-out
e me despedi do Erick, do Flávio, do Cirilo e, novamente, da Ana Merege, no
café da manhã do hotel. Tomei um táxi
para o aeroporto no ponto em frente ao Lido e embarquei no voo Gol 1553, Porto
Alegre-Rio de Janeiro. O voo decolou
pontualmente ao meio-dia, mas lotado, e transcorreu sem problemas.
Leitura de viagem: Ministério do
Espaço, de Ellis & Weston.
Devorei o graphic novel inteirinho nos exatos cem minutos de duração da
viagem.[2] Uma vez no Galeão, tomei um táxi e, vinte
minutos mais tarde, cheguei em casa, façanha somente possível no trânsito
carioca durante uma tarde ensolarada de domingo.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 13 de abril de 2015
(domingo).
Participantes:
Adriana
Amaral
Alexandre
Mandarino
Ana Carolina
Silveira
Ana Cristina
Rodrigues
Ana Lucia
Merege
Ana Recalde
André Zanki
Cordenonsi
Artur Vecchi
Bruno
Anselmi Matangrano
Bruno
Schlatter
Carol Chiovatto
Cássio Pantaleoni
Cesar Alcázar
Christian David
Christopher
Kastensmidt
Cirilo S.
Lemos
Daniel Dutra
Duda Falcão
Edgard
Refinetti
Eric Novello
Erick Sama
Estela
Burdin
Estevão
Ribeiro
Felipe
Castilho
Flávia Côrtes
Flávio
Medeiros Jr.
Gerson
Lodi-Ribeiro
Gílson Luís
da Cunha
Gustavo
Girardi Brasman
Jerri Dias
Lauro
Kociuba
Leo Lopes
Leon Nunes
Lia Matos
Viegas
Lucas Rocha
Marcelo
Galvão
Marcelo
Rodrigo Pereira (Mushi)
Max Mallmann
Nicole
Siebel
Roberta
Spindler
Roberto de
Sousa Causo
Rodrigo van
Kampen
Simone
Saueressig
Tarsis
Salvatore
[1]. Os três romances foram
publicados pela Draco. São eles: O Andarilho das Sombras (2012); Deuses Esquecidos (2013); e Guerras Eternas (2014).
[2]. Curiosamente, o autor do
prefácio afirmou que o leitor do livro concluiria a leitura em noventa minutos
cravados. Ou estava meio lento hoje, ou
o prefaciador não computou a leitura do seu próprio texto. Afinal, ninguém lê prefácios, certo?J