II Encontro de
Ficção
Científica e Ensino de Ciências
(FIOCRUZ)
Dia 5
202010012359P5 — 22.000 D.V.
“Até os erros presentes
nos filmes de ficção científica podem trazer reflexões em sala de aula.”
[Madalena
Mello e Silva]
Neste meu vigésimo
segundo milésimo dia de vida, desenrolou-se hoje à noite a quinta e última sessão
do já saudoso II Encontro de Ficção Científica e Ensino de Ciências (EFCEC) — o
simpósio online semanal patrocinado durante o mês de setembro de 2020, ano I da
Covid-19, pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), coordenado pela equipe da professora
Anunciata Sawada e do tecnólogo Adílson Júnior.
Esta sessão se
caracterizou por apresentações da valorosa prata da casa.
As apresentadoras
desta quinta-feira foram a jovem Nayla Freire Martins, orientanda de iniciação científica
da Anunciata; da mestra em Ensino de Biociências pela FIOCRUZ, Bruna Navarone
Santos; e da professora Madalena Mello e Silva, também doutora por essa instituição,
que tem usado filmes de ficção científica em sala de aula como ferramenta no
ensino de ciências.
Desta vez a mediação
ficou a cargo da própria Anunciata e de Fernanda Pereira-Silva. Como de costume, a sessão se iniciou com rigorosa
pontualidade carioca às 19h03, embora só estivesse marcada no YouTube para às
19h25.
Dentre os mais
de dois mil inscritos no site do II Encontro, houve trezentos e cinco pessoas
assistindo a sessão online em lotação de pico.
Ao longo das quase duas horas de duração, pessoas entravam e saíam do
evento a torto e a direito. Ao fim, havia
cento e cinquenta expectadores e 240 curtidas.
Números, grosso modo, semelhantes aos das sessões anteriores.
No cartaz de divulgação
desta quinta sessão, a palestra da Madalena aparecia acima da fala da Bruna e a
participação da Nayla não era mencionada.
A ordem real das falas foi: primeiro Nayla, então a Bruna e enfim a Madalena. As três empregaram o PowerPoint em suas apresentações,
com compartilhamento de telas e tudo o mais.
Essa quinta sessão
do II Encontro está disponível no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=oIRA67Z1aLM.
* *
*
Anunciata apresentou
sua orientada como uma mãe-coruja e a plateia logo percebeu que a professora realmente
tinha razões para se sentir orgulhosa.
A apresentação
da Nayla, “Iniciação Científica: Relato de Experiência”, cumpriu a promessa
expressa em seu próprio título: ao longo de cerca de dez minutos, ela relatou
sua experiência como orientanda no programa de iniciação científica da FIOCRUZ,
com ênfase na aprendizagem de ciência como atividade lúdica, com o emprego de animês
e mangás.
O mais bacana
da fala da Nayla foi observar o brilho de entusiasmo indisfarçável em seus
olhos quando descreveu suas atividades no programa, as experiências de vida que
adquiriu na instituição e, o mais importante de tudo: a paixão pela ciência,
despertada por tais experiências.
A última sessão
não poderia abrir de maneira mais inspiradora e auspiciosa.
* *
*
Finda a apresentação
preambular da Nayla, Fernanda apresentou o currículo da segunda
palestrante. Bruna Navarone Santos é
mestra em Ensino em Biociências e Saúde.
Porém, o mais importante é que ela deu uma aula sobre mangás e animês de
ficção científica.
A apresentação
da Bruna, “Representações de Ciência e Tecnologia no Animê e Mangá”, ensinou um
bocado sobre essas duas formas de expressão artística japonesas, preenchendo as
profundezas abissais da minha ignorância sobre tais assuntos.
Ela abriu sua
fala com um sumário breve do contexto sociopolítico do mangá no Japão do pós-guerra. Em seguida, comentou a contraposição das concepções
de ciência japonesa e ocidental.
Para exemplificar,
pinçou dois mangás de ficção científica clássicos, que mais tarde se tornaram
animês de sucesso no Japão e mundo afora: Astro Boy e Nausicäa do
Vale do Vento.
O mangá
original Astro Boy (1955-1981), escrito e desenhado por Osamu Tezuka,
narra as aventuras de um androide criado pelo Ministro da Ciência, Doutor Tenma,
para substituir seu filho Tobio, que perdeu a vida em um acidente a bordo de um
veículo autopilotado. Bruna abordou com
propriedade os símbolos e metáforas nos enredos de Astro Boy. Um ponto curioso que ela comentou foi que os
androides e robôs desse universo ficcional obedecem as Três Leis da Robótica,
propostas por Isaac Asimov.
Mais tarde, ao analisar a narrativa pós-holocausto de Nausicäa do Vale do Vento, criação de Hayao Miyazaki, Bruna se deteve nas concepções de ciência e tecnologia do mangá e do animê nele inspirado. A protagonista Nausicäa é uma princesa-cientista de um cenário pós-holocausto, ambientado num futuro remoto, que se envolve em explorações, aventuras e descobertas. Como em Astro Boy, esse mangá de sucesso acabou se transformando em animê.
Ao fim de sua
apresentação, Bruna colocou que “é preciso ressaltar que nesta tentativa de compreensão
dessas narrativas no mangá e no animê não há intenção de buscar correspondência
entre os fatos e as representações, mas expressar possíveis ideias, concepções de
mundo, diante das tecnologias científicas.”
De todas as
palestras que assisti no II Encontro, esta foi disparado a que mais me ensinou.
* * *
Ao longo do
relato da Nayla e das duas apresentações formais desta quinta sessão, sempre
que possível, tentei passar os olhos pelo chat, para conferir o humor da galera
e a lista de presentes.
Ali estavam
meus amigos do Vórtice Rio, Adílson Júnior, Juliana Berlim e Ricardo França. O Clube de Leitores de Ficção Científica se
fez presente na figura de seu presidente, Luiz Felipe Vasques. Os professores Naelton Araújo e Alexander Meireles
da Silva compareceram representando o Planetário da Gávea e o Fantasticursos,
respectivamente. Palestrantes de sessões
anteriores também estiveram presentes, como foram os casos de Octavio Aragão,
Francisco Rômulo Monte Ferreira e da própria Juliana. A escritora de fantasia Ana Lúcia Merege e o astrobiólogo
Osame Kinouchi também deram o ar de sua graça.
E, é claro, não posso deixar de mencionar a prata da casa: Anunciata (que
dobrava como mediadora e estimuladora do chat), Sheila Assis e Telma Temoteo.
* * *
Anunciata apresentou
o currículo da palestrante seguinte, Madalena Mello e Silva, professora-pesquisadora
de Educação Básica na área de Ciências Biológicas e doutora em Ciência e Arte pela
FIOCRUZ.
Em sua palestra
“Cinema de Ficção Científica no ‘Chão da Escola’”, Madalena falou de suas
vivências ao empregar o cinema de ficção científica como ferramenta de apoio no
ensino de ciências, ao longo de um projeto implementado durante oito anos no Colégio
Estadual Barão de Aiuruoca (CEBA), em Barra Mansa.[1]
Segundo Madalena,
“chão de escola” é o espaço de construção e afirmação da identidade dos trabalhadores
em educação. Gostei.
Para
exemplificar, no experimento que desenvolveu no CEBA, Madalena introduziu para
seus alunos os conceitos das adaptações a mudanças climáticas a partir de Era
do Gelo 1 (2002); do DNA e das mutações genéticas com Jurassic Park: O Parque
dos Dinossauros (1993); da evolução e da experimentação com animais de laboratório
com Planeta dos Macacos: A Origem (2011); da degradação ambiental com Elysium
(2013); da sustentabilidade com Avatar (2009); e assim por diante.
Madalena explicou
que até mesmo os erros científicos presentes nos filmes exibidos aos alunos
trouxeram reflexões em sala de aula. Além
disso, abordou brevemente a questão de em que ponto a ciência e a arte se
encontram.
Em seguida,
detalhou sua tese de doutorado, que versou justamente sobre o emprego do cinema
de FC em sala de aula. Falou também que
o cinema de FC constitui uma ferramenta ideal não só para discutir questões ambientais
e climatológicas, como, por exemplo, o aquecimento global antropogênico, quanto
certas questões, ditas transversais, como desigualdades econômicas e
sociais, sexualidade, superpopulação e outras.
Explicou a adoção
da estratégia de exibir fragmentos de filmes em vez de narrativas cinematográficas
completas, em prol do melhor aproveitamento do tempo em sala de aula.
Por fim, Madalena
encerrou sua fala com um bordão muito feliz, que eu adoro, a ponto de o ter
adotado em boa parte da ficção que escrevo:
— É tarde
demais para ser pessimista!
Com perdão pelo
abuso de um clichê para lá de surrado: essa última apresentação do II EFCEC fechou
com chave de ouro esse grande evento de divulgação patrocinado pela FIOCRUZ. Pronto: falei.
* * *
Finda essa
última palestra, Anunciata e Fernanda moderaram a já tradicional sessão de
perguntas, reações e comentários da plateia digital.
Ante a questão
irresistível da sexualização infantil, presente em alguns mangás, Bruna esclareceu
que o fenômeno não é prevalente em mangás de FC.
Alguém na
plateia comentou que Astro Boy poderia ser lido (ou assistido) como uma revisitação
temática de Pinóquio, do autor italiano Carlo Collodi. Todos concordaram que o comentário fazia certo
sentido.
Outro alguém indagou
à Madalena como implementar a ferramenta dos filmes de FC em escolas de nível médio
acometidas por grave carência de recursos humanos e materiais. A professora reconheceu que em algumas escolas
não há condições de implementar a metodologia descrita em sua fala.
Ao fim dessa sessão
participativa animada, podada pelas moderadoras por questão de exiguidade de
tempo, sob pena das três apresentadoras estarem respondendo questões lá no
YouTube até agora, por alguns breves instantes apresentou-se a propaganda
institucional do bem sobre o Grupo de Estudos AMSEC (Animê, Mangá, e SciFi no
Ensino de Ciências) da FIOCRUZ.
* *
*
Como tudo que
é bom, acaba, encerrou-se o II EFCEC. Um
encerramento cum maxima lauda. Como
muitos participantes, sinto-me um pouco órfão dessa iniciativa criativa e
original. Aquele gostinho de “quero-mais”.
A notícia boa
é que a equipe da FIOCRUZ prometeu tentar tornar o Encontro um evento anual no calendário
da instituição. Torço para que essa
proposta alvissareira se concretize.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 1º de outubro de 2020 (quinta-feira).
Participantes:
Adílson Júnior.
Alexander Meireles
da Silva (Fantasticursos).
Ana Lúcia
Merege.
Anunciata Sawada
(coordenadora e moderadora).
Bruna Navarone
Santos (apresentadora).
Fernanda Pereira-Silva
(moderadora).
Francisco Rômulo
Monte Ferreira.
Gerson Lodi-Ribeiro.
Juliana Berlim.
Luiz Felipe Vasques
(Clube de Leitores de Ficção Científica).
Madalena Mello
e Silva (apresentadora).
Naelton Araújo
(Planetário da Gávea).
Nayla
Freire Martins (apresentadora).
Octavio Aragão.
Osame Kinouchi.
Ricardo França.
Sheila Assis.
Telma Temoteo.
[1]. Imagino se Madalena
não terá se inspirado no clássico Fantastic Voyages: Learning Science through Science Fiction Films (Springer-Verlag, 2004), de L.W. Dubeck, S.E. Moshier
e J.E. Boss. Não me espantaria se essa
obra estivesse presente nas referências da sua tese de doutorado.