quarta-feira, 24 de outubro de 2018


Primavera Literária 2018

Dia 1 (Sexta-feira – data estelar: 20181019P6 — 21.288 D.V.)
“Precisamos concordar em discordar.”


Nesta que é a septuagésima crônica pessoal da ficção científica que escrevo para este blogue, falarei sobre minhas experiências na Primavera Literária 2018.
Iniciei nesta tarde nublada de sexta-feira minha participação na Primavera Literária 2018.  Após uma estada na Casa França-Brasil no ano passado, esta feira literária regressa aos belos jardins do Palácio do Catete.  Esta é a quinta participação da editora Draco na Primavera Literária Carioca.

*     *     *

Segui para o Palácio do Catete de ônibus.  Pesquisando no aplicativo Mov it, descobri que vários troncais passam na Rua do Catete.  Legal!  Porém, na hora do vamos ver, nada dos ônibus de uma dessas novas linhas passarem no ponto onde eu esperava.  Sem alternativa, recorri ao bom e velho 409, torcendo para que o portão dos jardins do Palácio para a Praia do Flamengo estivesse aberto.  Estava!  Leitura de bordo: romance de ficção científica The Practice Effect (Bantam-Spectra, 1984), do David Brin.
O estande Nº 57 da Draco é um dos mais próximos ao acesso pela Praia do Flamengo.  Acabei chegando lá às 16h00 em ponto, horário combinado e que julguei que não conseguiria cumprir.  Presentes no estande estavam minha amiga Ana Lúcia Merege e a responsável pelo estande, Débora Marinho.
Pouco depois, Daniel Russell Ribas chegava ao estande da Draco.  Com seu histrionismo habitual, Ribas discorreu sobre seu pretenso talento para vendas de livros pelo método da insistência infinita.  Meia hora mais tarde, partiria numa heroica caminhada a pé rumo ao Centro Cultural da Caixa Econômica, na Rio Branco, para assistir uma palestra de Bráulio Tavares, embora o céu escuro dessa tarde primaveril prenunciasse chuva forte, que de fato cairia, insistente, no início da noite.
Quem chegou pouco antes da expedição autopunitiva do Ribas ao Centro da Cidade, foi o Luiz Felipe Vasques que, à semelhança da Ana Merege, já estivera na Primavera Literária na tarde de quinta-feira.

Débora Marinho faturando. Ana Lúcia Merege autografando.

Daniel Russell Ribas, Ana Merege, Luiz Felipe Vasques e GL-R.

Ana, Débora, Felipe e GL-R.

Hamilton Kabuna, Ana e Débora.


O assunto da tarde, como não poderia deixar de ser e como comumente acontece nas Primaveras Literárias, até por conta da época do ano em que ocorrem, foi a expectativa com o segundo turno das próximas eleições presidenciais e para governador, com a polarização inédita petismo vs. bolsonarismo.  Vários amigos, conhecidos e leitores externaram seus temores com a situação política do país após as eleições.  Aos poucos, nossos bate-papos se deslocaram desse tópico estressante para a literatura fantástica, com ênfase em worldbuilding, seara em que Felipe tem investido nos últimos tempos.  Citei os livros de referência da Writer’s Digest Books que li sobre o assunto há tempos: World-Building do Stephen L. Gillett; Alien and Alien Societies do Stanley Schmidt; e o The Writer’s Guide to Creating a Science Fiction Universe de George Ochoa & Jeffrey Osier.  As três obras foram publicadas dentro da coleção Science Fiction Writing Series.
À noitinha chegou o amigo Hamilton Kabuna.  Conversamos sobre os cursos transmidiáticos que ele está ministrando sobre criação de universo ficcional e também sobre a exacerbação do radicalismo político de direita e de esquerda.  Sempre bem-humorado, Kabuna confessou estar colecionando os posts descabelados de amigos e parentes nas redes sociais para, mais tarde, se e quando a situação político-econômica degringolar, esfregar na cara dos arrependidos e recalcitrantes que costumam fazer cara de paisagem, fingindo não terem afirmado “nada daquilo”.  Falou que comprou até um pen-drive novo para armazenar a besteirada toda.  Com a radicalização política atual, quem não tem fóruns e listas de parentes ou amigos tomadas pelas fake-news políticas?  Será que depois das eleições melhora?  Creio que não tão cedo.  Afinal de contas, essa polarização começou no fim das eleições de 2014 e suas sementes já haviam sido plantadas um ano antes, nas manifestações de junho de 2013.
Ao anoitecer, com Ana Merege já se preparando para ir embora, fomos eu, ela e Felipe tomar um café na cafeteria instalada no prédio histórico do Palácio do Catete.  Embora tivesse lotada, conseguimos descolar uma mesa ali.  Ao longo do caminho, passamos pelo estande da editora que vendia os romances de Fábio Kabral, jovem autor de afrofuturismo com quem eu e Ana travamos um contato breve na Casa Fantástica, durante a FLIP 2018.
Como não havia almoçado, comi dois pães de queijo, devidamente lubrificados por um cappuccino.  O papo voltou ao tema do worldbuilding e daí, conversamos sobre autoconsistência de universos ficcionais em geral e das franquias Star Wars e Star Trek em particular,[1] o que nos levou a um breve comentário elogioso à série The Orville, um misto de pastiche e homenagem à Jornada nas Estrelas, bem melhor do que a recente Star Trek: Discovery.  Felipe me perguntou sobre as repercussões internacionais da publicação da Solarpunk (World Weavers, 2018) no EUA.  Respondi que as críticas têm sido majoritariamente positivas, embora alguns resenhistas norte-americanos cheguem a confessar que perderam certas nuances de uma narrativa ou outra.
De volta ao estande da Draco, retomamos o bate-papo com a Débora e o Kabuna, que permanecera lá para fazer companhia à nossa gerente de vendas.  Conversamos sobre romances gigantescos, prolixos ou não, citando, favoravelmente ou não, algumas obras-primas de J.R.R. Tolkien, Stephen King e George R.R. Martin.  Durante esse papo desabou a já tradicional chuvarada dos jardins do Palácio do Catete, que costuma acometer pelo menos um dos dias de toda Primavera Literária que se preza.  Impulsionada por rajadas de vento frio, a chuva ameaçou molhar os livros do estande, mas Débora rapidamente os protegeu, mudando-os de lugar e cobrindo-os com capas de plástico.
Ao fim da jornada, eu, Felipe e Débora seguimos juntos até a estação de metrô do Catete, onde ela embarcou em direção à estação Uruguai e nós em direção a do Jardim Oceânico.  Saltei três estações mais tarde, em Botafogo, onde tomei o ônibus da integração para casa.  Leitura de bordo: The Practice Effect.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 19 de outubro de 2018 (sexta-feira).



Dia 2 (Sábado – data estelar: 20181020P7 — 21.289 D.V.)

“Não concordo com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte teu direito de dizê-las.”
(Voltaire)


Hoje acordei tarde e me atrapalhei com meus horários, mas juro que teria conseguido chegar aos jardins do Palácio do Catete às 14h00, conforme o combinado, se o portão que dá para a Praia do Flamengo estivesse aberto, como ontem.
Como não rolou, tive que contornar todo o imenso terreno do Palácio, até a entrada principal, lá pela Rua do Catete.  Mesmo assim, só me atrasei uns cinco ou dez minutos.  Dentro da pontualidade carioca, portanto.

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O Vórtice, clube de leitura em literatura fantástica do qual participo desde 2015, decidiu realizar sua reunião mensal nos jardins do Palácio e não no Centro Cultural da Caixa Econômica Federal, como de hábito.  Assim, pude comparecer ao evento.
O livro discutido neste mês de outubro foi o romance de fantasia Hex (Darkside, 2018), do autor holandês Thomas Olde Hevelt, com tradução de Fábio Fernandes.  Mergulhando em outras leituras irresistíveis, não consegui sequer comprar o romance.  Contudo, empolgado pela discussão de hoje, ao regressar ao lar doce lar, entrei no site da Amazon Brasil e já me redimi de parte do meu lapso.  O perdão final ser-me-á concedido após a conclusão da leitura.
Estiveram presentes à reunião, Ricardo França, Flora Pinheiro e Diego de Sousa, trio que encontrei junto ao portão principal do Museu do Catete.  Mayra Braga chegou logo depois e dali caminhamos até os jardins propriamente ditos, onde nos acomodamos num banco à sombra, pois a tarde estava ensolarada.  De nós cinco, apenas as meninas haviam lido o romance.
Eis que de repente avisto o histriônico herói das letras fantásticas cariocas, Daniel Russell Ribas e, num momento de fraqueza, acenei para ele.  Embora prestes a partir novamente para o Centro Cultural da Caixa (desta feita de metrô, porque, afinal, não ameaçava chuva), agora para assistir um filme, não se furtou a integrar-se brevemente ao debate sobre o Hex, uma vez que não só havia lido o romance, como ainda travara contato com o autor, quando da visita desse ao Brasil.  Soubemos que Hevelt reescreveu seu romance, ambientando-o na Costa Leste dos EUA e mudando radicalmente o clímax da narrativa.  Originalmente, a trama se passava numa cidadezinha holandesa.
Pouco após a partida agitada de Ribas, chega Renata Aquino, que também não havia lido o romance.  Daí, caminhamos do tal banquinho, onde não cabiam todos mesmo, até o gramado dos jardins, onde nos instalamos sobre as cangas levadas pelas meninas.  Minutos mais tarde, chegava Stella Rosemberg.
A protagonista dessa narrativa de fantasia (ou horror) criativa e original é a bruxa Catherine, que assombra a mesma cidadezinha da (agora) Nova Inglaterra há mais de três séculos.  Embora todos os residentes saibam da realidade dessa assombração (há até um aplicativo de celular para localizar a bruxa, que se materializa e desmaterializa a seu bel-prazer nos sítios mais diversos da cidadezinha, inclusive, dentro das residências dos habitantes), eles mantêm sigilo em relação ao mundo exterior.  O debate centrou-se na questão de se Catherine era de fato “do mal” ou apenas uma vítima da maldade humana.  A ré foi acusada pela promotora Flora e amparada pela defensora pública de entidades sobrenaturais, Mayra.  Enquanto o representante da Sociedade Protetora dos Animais, Diego, não dava a mínima para os malefícios que a entidade praticava contra seres humanos, mas se arrepiava contra os maus-tratos contra cachorros, pavões e outros bichos.
A reunião se mantinha de vento em popa até às 15h55, quando, não sem certo pesar, obriguei-me a partir rumo ao estande da Draco.

Vórtice discutindo HexRenata Aquino, Flora Pinheiro,

Stella Rosemberg, Mayra Braga, ??, Ricardo França e Diego de Sousa.


Vórtice discutindo Hex: Diego, GL-R e Renata.
Museu da República ao fundo.





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Cheguei ao estande nº 57 às 16h00, lá encontrando Débora e Luiz Felipe.  Ao contrário de ontem, a feira de livros estava bombando.  O fita de concreto que percorre os jardins em seu comprimento maior estava inteiramente repleta de transeuntes, leitores, carrinhos de bebê, crianças correndo de um lado para outro, e demais obstáculos ao deslocamento célere deste autor já um bocado atrasado.
Mal cheguei à Draco, apareceram meu amigo de longa data, Ronaldo Fernandes, a esposa Simone e a filhinha Letícia que, aos cinco anos e meio me pareceu enorme.  A última vez que eu a vira foi na entrega do Prêmio Argos em 2016, quase dois anos atrás.
Enquanto Simone e Letícia foram passear pelos jardins do Palácio e pelos outros estandes da Primavera Literária, Ronaldo ficou conversando comigo e Felipe por mais de uma hora.  Falamos sobre política & eleições; ficção científica em geral e sobre a série The Expanse de James S.A. Corey (este é, na verdade, o pseudônimo de dois autores: Daniel Abraham & Ty Franck) em particular.  Ronaldo já leu os seis romances já escritos da série projetada de nove.  Embora eu tenha os seis livros em formato e-book, por enquanto, só conheço esse universo ficcional pelas três temporadas da série que assisti no Netflix.  Falamos também um bocado sobre os esforços para a reconstrução do Museu Nacional, pois Ronaldo é um dos hierarcas do departamento de herpetologia da instituição e tem se esforçando bastante nessa lida inicial de coligir recursos necessários para a reconstrução propriamente dita.  Contei-lhe sobre minhas perspectivas de aposentadoria e minha transferência da sede da Secretária Municipal de Fazenda para o posto de atendimento do Rio Sul.  O bate-papo com esse velho amigo estava tão animado que nem dei atenção ao que se passava à nossa volta no estande da Draco, embora estivéssemos os três dentro dele, junto com a Débora.  Felizmente, Felipe supriu minha deficiência momentânea com bravura inaudita.  Ronaldo adquiriu um exemplar da minha coletânea Histórias de Ficção Científica de Carla Cristina Pereira (Draco, 2012).
Um amigo que esteve no estande, mas com quem não tive tempo de conversar foi o Felipe Vina.  Mal consegui cumprimentá-lo.  Mais ou menos na mesma hora em que ele partia, chegaram o Flávio Lúcio Abal e Ricardo França, esse último, enfim emerso da reunião do Vórtice.

De volta ao estande da Draco: GL-R, Ronaldo Fernandes e Luiz Felipe Vasques.


*     *     *

Felipe, Abal e eu conversávamos animadamente sobre...  Adivinhem só?  Isto mesmo: política & eleições, quando chegaram André Orsolon, a esposa Flávia e a filha de dez anos, Chloe.  André chegou reclamando que não havia trazido bolsas, pois haviam combinado que não comprariam livro algum e, já nos dois primeiros estandes, as meninas haviam se locupletado com quatro volumes.  Colérico, esbravejou:
— Eu não vou carregar nada!
No entanto, a bravata se dissolveu no estande da Draco, pois compraram vários livros ali e, quando as meninas saíram para outros estandes, André permaneceu conosco, lépido e fagueiro, com uma sacola a tiracolo.  A tarde era uma criança e aquela sacola seria a primeira de muitas... J
Estávamos no bate-papo mais animado da Primavera Literária 2018, quando Felipe chegou com um exemplar do livro Bibliotecas do Mundo Antigo (Vestígio, 2018), de Lionel Casson.  Achei muito interessante e, quando ele falou que estava por vinte e dois reais, e a meros dois estandes de distância, saltei por cima do estande da Draco e corri até lá.  Só que, entre o nosso estande e meu objetivo, havia outro estande, onde tropecei num capa-dura lindíssimo: Bartolomeu Lourenço de Gusmão: o Padre Inventor (Andrea Jakobsson, 2011).  André e Abal, que seguiam na minha cola, também arregalaram os olhos gulosos em direção compêndio.  O safado do gerente do estande afirmou que só restava um exemplar para venda.  Bradei:
— É meu!
— Amanhã posso trazer mais uns dois ou três. — O vendedor ofereceu, com simpatia capitalista.
— Rapazes, o livro está na minha mão.  Peguei primeiro. — Argumentei. — Além disso, sou mais velho, alquebrado e não posso vir amanhã!
Vencida essa disputa de pênaltis renhida, num abuso flagrante de poder econômico, abri logo a carteira e paguei o livraço pela bagatela de sessenta reais, antes que qualquer aventureiro arrebatasse o compêndio das minhas mãos ávidas.
De volta ao estande da Draco, exultante com minhas aquisições, deparei-me com o amigo Adílson Júnior, acompanhado da namorada e da filha.  A menina estabelecia uma lista de desejos literários, para depois revisitar os estandes e concretizar suas compras.  Estratégia inteligente bolada pelo Adílson, que, aliás, agora faz parte do nosso clube de leitura em literatura fantástica, o Vórtice Rio.  Conversamos por uns bons quinze minutos sobre literatura fantástica e eleições, os dois temas mais quentes e corriqueiros desta Primavera Literária.
Outro amigo da velha guarda da ficção científica carioca que encontrei no estande da Draco foi o Ygor Silva, acompanhado pelo filhinho, cuja baby-sitter era nada mais, nada menos do que a jovem Letícia, a filhinha do Ronaldo Fernandes.
Um amigo bibliófilo e bibliófago que também apareceu lá na Draco foi o Dino Freitas.  Com o Dino, conversei muito mais sobre enologia do que sobre literatura fantástica.  Uma vez mais rememoramos a excelência do Trapiche Malbec 2015 que servi durante o lançamento do meu História do Vinho no Mundo Romano: Vita Vinum Est! (Mauad X, 2016), que lancei lá na Blooks em fins de outubro de 2016 — exatos dois anos atrás.

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Um velho amigo da Secretaria Municipal de Fazenda que encontrei no estande da Draco foi o Nelson Meirelles.  E foi justamente o Nelson que me falou que havia avistado exemplares da antologia Fractais Tropicais (SESI-SP, 2018), organizada por outro Nelson: o antologista Nelson de Oliveira.  Nem sabia que essa antologia já havia sido lançada, mas que o Nelson Meirelles identificou o exemplar no estande da SESI, informando, inclusive, que meu conto, “Coleira do Amor”, estava relacionado na Segunda Onda.  Depois fui lá conferir: não é que a capa e o acabamento ficaram supimpas mesmo.
Lá pelas 19h00, eu, Felipe, Abal, André, Flávia e a jovem e espevitada Chloe partimos em direção à cafeteria para aplacar nossas fomes.  O estabelecimento estava tão cheio quanto ontem, mas, também como ontem, logramos conquistar uma mesa, bravamente defendida pelas meninas, enquanto nós quatro assediávamos o guichê no encalço de nossos pedidos.  A conversa nessa mesa duramente conquistada foi a mais divertida desta Primavera.  Conversamos de tudo um pouco.  As implicâncias entre André e Chloe foram impagáveis.  André e Flávia esmiuçaram as atividades dos clubes literários que eles frequentam: declarações hilárias inacreditáveis, do tipo, autora de literatura vampírica declara que as narrativas mais profundas que assimilou antes de escrever seus próprios textos foram os romances de Anne Rice.  Senti uma pontada súbita de saudades da palestra de minha boa amiga Martha Argel, a maior especialista brasileira em narrativas vampíricas, ministrada na Casa Fantástica da FLIP 2018.  Bola quicando na pequena área, Felipe não resistiu em citar as boçalidades literárias de certo autor marqueteiro que se imagina capaz de escrever literatura fantástica.
Quando já estava quase na hora de lacrar os estandes, retornamos à Draco, para ajudar a Débora a fechar a casa.  Aproveitei o ensejo para presentear nossa gerente com um exemplar autografado da antologia Como Era Gostosa a Minha Alienígena! (Ano-Luz, 2002) e para comprar dois exemplares do meu romance curto de história alternativa, Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas (Draco, 2009), usando meu desconto de autor.  Felipe comprou um terceiro exemplar, que autografei para ele.  Aliás, também autografei o exemplar do A Guardiã da Memória (Draco, 2011) da Débora.  Enquanto o estande da Draco era fechado, na qualidade de astrofísico, fui convocado para dirimir uma grave questão de caráter planetológico: Chloe insistia que a Lua estava na fase crescente enquanto a mãe Flávia afirmava que era Lua Cheia.  Como nosso satélite natural estava quase no plenilúnio, salomonicamente, concedi a maior parte da razão à mãe em detrimento da filha, que ficou resmungando que eu não era astrônomo coisíssima alguma.  Criança adorável. J
Saímos todos juntos — eu, Felipe, Abal, André & Família, e Débora rumo à estação de metrô do Catete.  Débora desgarrou para uma comprinha rápida num mercado em frente ao Palácio, enquanto nós embarcávamos numa composição rumo ao Jardim Oceânico, conversando sobre política & eleições, como sempre.  Até a Chloe participou do debate.  Saltei na estação de Botafogo e peguei o ônibus da integração para o Jardim Botânico.  Leitura de bordo: o bom e velho The Practice Effect, do David Brin.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2018 (sábado).




Participantes:
Adílson Júnior
Ana Lúcia Merege
André Orsolon
Chloe Orsolon
Daniel Russell Ribas
Débora Marinho
Diego de Sousa
Dino Freitas
Felipe Vina
Flávia Teresa Almeida
Flávio Lúcio Abal
Flora Pinheiro
Gerson Lodi-Ribeiro
Hamilton Kabuna
Letícia Fernandes
Luiz Felipe Vasques
Mayra Braga
Nelson Meirelles
Ricardo França
Renata Aquino
Ronaldo Fernandes
Simone Masruha Ribeiro
Stella Rosemberg
Ygor Silva




[1].  Na hora não lembrei o título de um artigo extremamente interessante que li recentemente e desejei comentar, sobre a autoconsistência e, sobretudo, sobre a falta dela, nas franquias Star Trek e Star Wars: “Hokey Religions: Star Wars and Star Trek in the Age of Reboots” do Gerry Canavan (in Extrapolation, volume 58, No. 2-3, Summer/Winter 2017).

terça-feira, 14 de agosto de 2018


Bate-e-Volta à Bienal SP 2018

201808112359P7 — 21.219 D.V.

Acordei hoje às 04h00 para tomar meu café da manhã sem pressa e me preparar com calma para a viagem de bate-e-volta para São Paulo a fim de comparecer ao estande da editora Draco na Bienal do Livro 2018.
Às 05h30 entrava no UBER rumo ao Santos Dumont.  Cidade escura e sem trânsito nesta manhã de sábado invernal.  Faria um dia ensolarado no Rio, só que eu iria para Sampa.  Menos de quinze minutos mais tarde, já estava no saguão de embarque do aeroporto.  Embora estivesse com o e-ticket da passagem no celular, just in case, como estava com tempo sobrando, extraí uma versão impressa do mesmo no totem de autoatendimento da Gol.  Daí, passei à área de embarque, ainda relativamente vazia e sossegada.  Sentei junto ao meu portão de embarque e coloquei o celular para recarregar numa porta USB.  Enquanto aguardava a chamada para embarcar, li dois capítulos do romance de ficção científica da Ann Leckie, laureado com o Hugo e o Nebula de 2014, Ancillary Justice (Orbit Books).  Enredo complexo e trama original.  Por enquanto, está do cacete.
O embarque se deu poucos minutos antes do horário marcado (07h00).  O voo G3 1005 decolou com alguns minutos de antecedência em relação ao horário previsto das 07h40 e se desenrolou sem percalços.  A Gol até distribuiu um minisanduíche aos passageiros, surpresa inesperada na classe econômica da ponte aérea Rio-São Paulo.  Leitura de bordo: romance de fantasia folclórica Araruama: o Livro das Sementes (Moinhos, 2017), do Ian Fraser.  Até agora estou gostando bastante.
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A aeronave pousou em Congonhas adiantada (o horário previsto era 08h40).  Caminhei até a área de desembarque.  Ainda cogitei chamar um UBER, mas achei melhor pagar um táxi do aeroporto até o Parque Anhembi, sede da edição 2018 da Bienal do Livro de São Paulo.  A viagem custou R$ 57,00 e transcorreu sem problemas.  Leitura de bordo: edição digital do jornal O Globo, que finalmente consegui baixar no táxi pelo 4G.
Cheguei ao Anhembi pouco depois das nove horas.  Para minha surpresa, embora já dispusesse da credencial de autor impressa e pendurada no pescoço, tive que amargar na fila durante quase uma hora, pois os portões ainda não haviam aberto para o público.  Nas Bienais do Livro do Rio de Janeiro, os portadores de credenciais impressas podem ingressar nos pavilhões antes da abertura oficial da feira às 10h00.  Pelo visto, em Sampa é diferente.  Fato que não observei na Bienal do Livro de 2016, pois então cheguei após a abertura dos portões.  Vou tentar me lembrar disso na Bienal de 2020.  Li mais um pouco do Ancillary Justice na fila e bati papo com um podcaster e blogueiro da área de métodos de educação.
Às 10h00, a fila começou a andar e daí a entrada no único pavilhão do evento se deu de forma rápida e sem maiores problemas.  Nem precisei mostrar um exemplar de livro de minha autoria para adentrar na Bienal.
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Dentro do pavilhão, caminhei pela rua B até o estande B-113, da editora Draco.  Lá encontrei os amigos Eduardo Massami Kasse e Raphael Fernandes.  Edu estava lançando seu romance histórico Vikings: Berserker (Draco, 2018), cujas tramas já havíamos discutido amiúde em encontros passados.  Por causa dessas conversas anteriores, estava ansioso para adquirir meu exemplar autografado desse livro.  De autoria do artista Erick Sama, que não é outro se não nosso grande amigo Erick Cardoso, publisher da Draco, a capa do livro ficou ainda mais bonita ao vivo e a cores do que as fotos de divulgação me fizeram supor.  Também adquiri os dois romances da duologia Metrópole, da Melissa de Sá: Metrópole: Despertar (Draco, 2016) e Metrópole: Caos (2018).  Conforme já havia combinado com a autora na Casa Fantástica da FLIP 2018, ela deixou meus exemplares autografados.

GL-R e Eduardo Kasse com o Vikings: Berserker.


Pouco depois, Erick chegou ao estande da editora, acompanhado pela mãe Isilda Cardoso e pelo filho Dudu.  Neste sábado, Erick estava de folga de seu trabalho na editora Panini e pôde permanecer no estande da Draco durante todo o tempo em que permaneci lá.  Enquanto Erick passeava com o Dudu pela Bienal, aproveitando que as ruas dessa feira literária ainda se encontravam parcialmente transitáveis, conversei bastante com Isilda sobre logística de armazenamento de livros, viagens a Portugal (pois ela e o marido estão planejando visitar a terrinha em breve) e, é claro, sobre nossos netos.  Avô coruja, mostrei para ela as fotos do Bernardo postadas no Instagram por minha nora Júlia.

Erick Cardoso, Dudu e Isilda Moraes.

Edu Kasse e seus fãs 1.

Edu Kasse e seus fãs 2.



Quando o Erick regressou ao estande, conversamos um bocado sobre a situação do mercado editorial brasileiro, com ênfase na situação crítica (pré-falimentar?) de duas das maiores cadeias de livrarias do país.  Uma delas está “prendendo” uma partida de exemplares de meu romance mais recente, Octopusgarden (Draco, 2017) há cinco meses: nem paga e nem devolve os livros.  Daí que não tinha esse título para vender na Bienal...L  Também conversamos um bocado sobre família, paternidade e relacionamentos.  Erick contou que está alugando cinco metros quadrados num depósito para armazenar o estoque de livros da editora.  O aluguel está saindo quatrocentos reais mensais, quantia que considerei módica em comparação com o aluguel de um imóvel inteiro para servir de depósito.
Pouco depois, chegava Antonio Luiz M.C. da Costa, que eu já havia encontrado na FLIP 2018.  Conversamos sobre os textos de ficção científica publicados por autores nacionais nos últimos anos.  Confessei-me algo decepcionado com o fim do romance As Águas-Vivas Não Sabem de Si (Rocco, 2016), da Aline Valek, incensado por diversos leitores e críticos, cuja leitura concluí menos de uma semana atrás.  Não sei se foi excesso de expectativa, mas suspeito de que esse romance seja do tipo “ficção científica para quem não gosta de ficção científica”.  Aliás, os dois livros que mais venderam neste sábado no estande da Draco, com exceção óbvia dos quadrinhos e romances gráficos da editora, foram o Vikings: Berserker do Edu Kasse e a obra de referência mais recente do Antonio Luiz, História do Dinheiro I: o valor das moedas, das coisas e do trabalho, da pré-história até o fim da Idade Média (Draco, 2018).  Os dois livros vendiam como sanduíches de tapioca preparados na hora nas feiras cariocas.
Ao contrário dos outros eventos literários dos quais participei nos últimos tempos, desta vez as antologias que organizei para a Draco venderam mais do que meus livros solo, sobretudo, os três livros que constituem a triantologia punk (Vaporpunk; Dieselpunk; e Solarpunk).  A campeã de vendas foi a Solarpunk: histórias ecológicas e fantásticas em um mundo sustentável, até então considerada o patinho feio das antologias punk da editora.  A situação parece ter mudado da água para o vinho depois dos anúncios e matérias sobre a compra dos direitos e a publicação desse livro pela editora World Weavers nos EUA.  Pelo visto, a notícia está convencendo os leitores brasileiros a conceder uma chance à antologia, a fim de conferir o conteúdo da edição original.J


Animação no estande da Draco: Erick,
Edu Kasse e Raphael Fernandes.

Pausa para descansar no estande da Draco:
Erick e Raphael 



Erick Cardoso e GL-R.


Por volta das 15h00, Cristina Lasaitis passou no estande da Draco para uma visita.  Conversamos sobre nossas experiências e participações na Casa Fantástica, por ocasião da FLIP 2018 há duas semanas.  Como eu, ela afirmou também ter curtido muito o ambiente informal daquele evento.  Mesas-redondas sem mesas!  Aliás, o Antonio Luiz comentou a mesma coisa, ao declarar que as mesas da Casa Fantástica foram em média muito mais interessantes do que as das antigas Fantasticons.  Tenho impressão de que todos que participaram da Casa Fantástica saíram de Paraty com um sentimento muito bom e o anseio de que o evento se torne anual.  Vamos torcer.
Conversei com o Erick sobre minhas perspectivas de carreira na Prefeitura do Rio de Janeiro para o ano vindouro, quando deverei decidir se me aposentarei no serviço público municipal ou se permanecerei mais alguns anos trabalhando com tarefas um pouco menos complexas do que meu cargo atual de titular da Gerência de Fiscalização e Revisão de Lançamentos do IPTU.
Cerca de meia hora antes da minha partida do Anhembi para o aeroporto, Ana Cristina Rodrigues pintou no estande da Draco.  Conversamos um bocado sobre a crise na Biblioteca Nacional, onde ela trabalha; oportunidades de residência, estudo e trabalho em Portugal; e sobre o tema recorrente da situação do mercado editorial brasileiro.  Também conversamos um pouco sobre a FLIP 2018.  Ela estava escalada para uma mesa sobre editoras independentes, mas não pôde comparecer por motivos de saúde.  Também falamos sobre o progresso de seu romance, ambientado no universo ficcional de Finisterra.  Ana Cris afirmou já ter cerca de quinze mil palavras escritas e estima que o romance deverá atingir pelo menos cem mil palavras.  Ana me detalhou a gênese do romance mainstream de Lucas Rocha, Você Tem a Vida Inteira (Galera Record, 2018), lançado nesta Bienal: uma história de amor entre portadores do HIV, inspirado no trabalho social que o autor realizou com soropositivos.  Lucas Rocha foi o autor da bela e pungente “Verdade sobre Raio Vermelho – Uma Biografia”, noveleta publicada na antologia Super-Heróis, que eu e Luiz Felipe Vasques organizamos para a Draco, lançada em 2012.
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Às 17h00, despedi-me dos amigos e atravessei a maré revolta de seres humanos rumo à saída do pavilhão.  Nunca vi uma Bienal do Livro tão lotada quanto essa que enfrentei na ocasião da minha partida.  Levei cerca de dez minutos para percorrer os cem ou cento e cinquenta metros de distância que separavam o estande da Draco da saída.
Uma vez fora do pavilhão, caminhei até o ponto de táxis do Anhembi.  A fila para os veículos credenciados estava enorme e o pior é que os táxis não apareciam.  Cheguei a pedir um UBER, mas o motorista se perdeu ou não conseguiu chegar, pois, depois de estar a dois minutos de alcançar minha posição, passou para quinze minutos e depois para dezessete...  A situação da fila só começou a se resolver quando o responsável por sua organização resolveu permitir que os táxis não credenciados, que chegavam ao Anhembi para deixar passageiros, atendessem ao pessoal da fila.  A nova estratégia resultou, a fila começou a andar e logo pude embarcar num táxi rumo ao aeroporto.
A viagem de táxi de rua saiu mais barata do que o pré-pago da ida, embora tenha consumido mais tempo.  Cheguei ao aeroporto em torno das 18h00.  Novamente, embora possuísse o e-ticket no celular, imprimi a passagem por paranoia (a.k.a. “motivo de segurança”).  Passei logo para a área de embarque e, enquanto aguardava a hora de embarcar, recarreguei meu celular, concluí a leitura d’O Globo e li mais um pouco do Ancillary Justice.
O embarque no voo G3 1054 da Gol se deu no horário previsto das 19h30 e a decolagem ocorreu pontualmente às 20h10.  Mantive o romance da Ann Leckie como leitura de bordo.  A empresa aérea serviu outro minisanduíche e a viagem se efetuou sem problemas.
Ao desembarcar no Santos Dumont às 20h55, cruzei o aeroporto inteiro a pé até alcançar o fim do exterior à área de embarque, ponto em que os veículos da UBER pegam seus passageiros.  A operação dessa empresa no aeroporto pareceu mais organizada do que da última vez que usei o serviço ali.
Antes das 21h30, cheguei em casa, cansado e verde de fome.  Mais uma expedição exaustiva, mas divertida e proveitosa.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2018 (sábado).


Participantes:
Ana Cristina Rodrigues
Antonio Luiz M.C. da Costa
Cristina Lasaitis
Eduardo Chervezan Cardoso
Eduardo Massami Kasse
Erick Cardoso
Fernando Barone
Gerson Lodi-Ribeiro
Isilda Moraes
Marcelo Galvão
Raphael Fernandes
Sílvio Lélis
Tiago P. Zanetic




terça-feira, 31 de julho de 2018


Casa Fantástica
na FLIP 2018:


Dia 01 — 201807251525P4 — 21.201 D.V.

“Partiu, Paraty!”

Acordei hoje às 04h00 a fim de malhar um pouco na ergométrica e tomar o café da manhã com calma antes de me deslocar até a rodoviária para viajar a Paraty, para assistir e participar das mesas-redondas, palestras e eventos que ocorrerão nos próximos dias sob os auspícios da Casa Fantástica, por ocasião da décima-sexta Feira Literária Internacional de Paraty, a FLIP 2018.
Neste meu primeiro dia de gozo da licença especial, peguei um UBER no mesmo sítio em que sempre pego para ir à sede da Prefeitura.  Apesar da breve sensação desagradável de dejà-vu, a viagem se deu sem maiores problemas, com alguma retenção apenas na vizinhança imediata da Rodoviária Novo Rio.
Uma vez no terminal rodoviário, dirigi-me ao guichê da empresa Costa Verde e retirei a passagem Rio-Paraty que já havia adquirido no fim da primeira quinzena de julho pela internet.  Daí, passei para a área de embarque e esperei por quase uma hora até embarcar no ônibus das 10h00.
A jornada de cerca de duzentos e cinquenta quilômetros até Paraty também se deu sem percalços.  O ônibus era climatizado e o ar-condicionado estava funcionando a pleno vapor, um pouco frio demais para o meu gosto.  Leitura de bordo: capítulos 14 a 18 da obra de referência Fantástico Brasileiro: o insólito literário, do Romantismo ao Fantasismo (Arte & Letra, 2018), de Bruno Anselmi Matangrano e Enéias Tavares.  Também li O Globo de hoje, que tomei o cuidado de baixar ainda em casa, durante o desjejum e ainda houve tempo para retomar a leitura da novela “Monitored Dreams & Strategic Cremations”, do Bernard Wolfe, publicado na antologia Again, Dangerous Visions (Open Road, 1972, 2014), organizada pelo legendário Harlan Ellison.  Tempo para tudo.  Afinal de contas, a viagem durou quatro horas e meia!
Desembarquei no terminal rodoviário de Paraty às 14h30 e, após recobrar minha mala, enfrentei uma fila na bilheteria do guichê local da Costa Verde para retirar as passagens de regresso ao Rio no domingo.  Ao contrário do que aconteceu na Novo Rio, aqui não havia terminal de autoatendimento.  Daí, foi preciso aguardar na fila.
Enquanto aguardava, ativei o aplicativo Maps.Me e descobri que estava a setecentos metros de distância do hostel em que ficaremos até domingo.  Preocupado, ao me lembrar que o centro histórico desta cidadezinha possui ruas com calçamento de paralelepípedos ou vias ainda mais antigas, com calçamento (se é que podemos chamá-lo assim) de pedras roladas, resolvi gastar vinte e cinco reais para tomar um táxi neste percurso ridiculamente curto, para não arriscar quebrar as rodas da minha mala repleta de livros que eu trouxe para pôr à venda na Casa Fantástica.
Chegando ao hostel, fiz o check-in com a funcionária Rafaela e verifiquei as condições do quarto nº 2, situado no segundo piso desta casa de colonial, com as vantagens e desvantagens inerentes à escolha que fiz mais de dois meses atrás.  Pelo menos, o sinal de WiFi parece bom.

Nosso quarto no hostel Be-Happy.

*     *      *

Por volta das 16h00 saí do hostel para uma caminhada pelo centro histórico a fim de localizar a Casa Fantástica, que se situa na Rua Doutor Samuel da Costa Nº 32, próximo ao Largo do Rozário, que abriga a igreja homônima.  A sede e pátria-mãe da literatura fantástica brasileira na FLIP está tão perto do hostel, mas tão perto, que eu não acreditei e passei direto sem entrar na rua em que deveria entrar.  Segundo o Maps.Me, estou a cento e noventa metros da Casa Fantástica, mas, pelo cômputo dos meus passos, é pouco mais da metade disso.
Uma vez na Casa Fantástica, travei contato pessoal com Priscilla Lhacer, a organizadora do evento, com quem eu já trocara diversos e-mails e mensagens pelo Facebook.  Estabelecido esse contato inicial, regressei ao hostel para pegar os livros que colocarei à venda durante a FLIP e levá-los até a casa.  Enquanto ajudava Priscilla a catalogar os livros, ela me informou que meu amigo Fábio Fernandes não poderá comparecer pessoalmente à mesa-redonda da qual participaremos juntos no sábado e atuará conosco por videoconferência.  Dedos cruzados para que o processo dê certo.
Antes da abertura dos trabalhos ainda regressei uma vez mais ao hostel para pegar os óculos e câmera fotográfica.  Pois, no afã de levar a livralhada ao estande de vendas da Casa Fantástica, acabei esquecendo a mochila no quarto do hostel.

Sede da Casa Fantástica (Rua Doutor Samuel da Costa Nº 32).

Uma das três mesas de livros.

Nosso quadro convocatório.

*     *      *

Cheguei à Casa Fantástica para assistir os eventos desta noite de quarta-feira às 18h00.  Aproveitei para conversar um pouco mais com a Priscilla Lhacer, confirmando que ela é sócia da editora Presságio, que está iniciando uma linha de literatura fantástica e que publicou o Extemporâneo de Alexey Dodsworth em 2017.  Ela também me contou alguns detalhes sobre o planejamento desta brava iniciativa de caráter literário e cultural que constitui a Casa Fantástica.
Pouco mais tarde chegava Antonio Luiz M.C. Costa com sua esposa, Berenice Young.  Conversei com ele a respeito de vários assuntos, dentre esses, a mesa-redonda sobre história alternativa de que participarei na manhã de sábado e do livro digital Cenários de História Alternativa, que estou disponibilizando no blogue homônimo.
Às 19h00, Priscilla abriu a Casa Fantástica falando para uma plateia de cerca de trinta pessoas sobre o esforço para criar esse conjunto de mesas-redondas e palestras off-FLIP.  Em seguida, Antonio Luiz proferiu sua palestra “História da Literatura Fantástica no Brasil”, apresentando uma visão panorâmica das diferentes fases e ondas dos diversos gêneros da literatura fantástica nacional, comparando-as com a evolução deste supergênero no exterior e explicando-as com insights sobre a história política brasileira e mundial.  Finda a palestra em si, Priscilla passou a palavra à plateia.  A partir da questão de um rapaz chamado Israel, propondo associar a relativa falta de interesse pela ficção científica entre os leitores mais jovens às deficiências no ensino da ciência no Brasil, opinei que a ignorância científica crescente não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, mas antes, uma tendência de âmbito mundial.

Priscilla Lhacer abre a Casa Fantástica.

Antonio Luiz M.C. Costa: "História da Literatura Fantástica no Brasil".


Encerrada a participação da plateia, conversei mais um pouco com Priscilla, Antonio Luiz, Alexey Dodsworth e com Clinton Davisson, atual presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica.  Falamos um pouco sobre os problemas de tradução de unidades de medida e da insistência norte-americana em se aferrar em seu sistema de medidas arcaico.  Por volta das 20h30, ao perceber que a chuva que caía de surpresa à noite (contrariando a previsão climática) dera uma estiada, despedi-me dos amigos e empreendi uma retirada célere para o hostel.  No entanto, a chuva voltou a engrossar, surpreendendo-me no meio do caminho e me obrigando a buscar abrigo numa sorveteria na esquina da Rua Marechal Deodoro, onde se situa o hostel.  Ali, aproveitei o ensejo para experimentar o sorvete artesanal da casa, degustando uma bola de chocolate com pimenta e outra de capim-limão. Sabores diferentes e interessantes.
De volta ao quarto do hostel, voltei à carga na novela “Monitored Dreams & Strategic Cremations”, mas não resisti nem quinze minutos antes de cair no sono.
Hostel Be-Happy, Paraty, 25 de julho de 2018 (quarta-feira).


Dia 02 — 201807260600P5 — 21.202 D.V.

“Nunca li a trilogia Senhor dos Anéis, mas, por favor, não espalhem para ninguém.”
[Priscilla Lhacer]

Nesta quinta-feira de manhã acordei às 05h30 e, enquanto aguardava o início do desjejum aqui no Be-Happy, que só começaria às 08h00, baixei a edição digital d’O Globo para o tablet.  Com o sinal de WiFi pífio, o download, que levaria uns vinte ou trinta segundos lá em casa, demandou coisa de cinco minutos.
Da leitura do jornal, em meio a crises econômicas e incertezas políticas, a notícia mais relevante foi a descoberta de um lago subterrâneo sob a calota de gelo aquoso existente no polo sul de Marte.  Sob um quilômetro e meio de profundidade, existe água em estado líquido em regime permanente; água salobra e rica em percloratos.  Mas, mesmo assim, água em estado líquido, um dos pré-requisitos para o surgimento e a sobrevivência da vida “tal como nós a conhecemos”.J
O desjejum no Be-Happy não é farto e maravilhoso, mas é correto e, de todo modo, atendeu minhas necessidades alimentares após a véspera em que almocei duas tangerinas às 15h00 e jantei duas bolas de sorvete artesanal.  Daí, hoje às 08h00 na sala comum do hostel: xícaras e xícaras de café preto, enquanto acabava de ler o jornal no tablet, acompanhadas por dois sanduíches de mozarela e presunto que preparei no grill, duas fatias de melão e um tasco cúbico de bolo de canela.  A atendente chegou a me perguntar se eu queria um ovo mexido, mas, embora eu tenha dito que sim, ela acabou se esquecendo do assunto e, para falar a verdade, não a lembrei por já estar saciado.
Antes de dar a hora de rumar para a Casa Fantástica, concluí a leitura da novela bem escrita, porém demasiado pretenciosa e, portanto, interminável, de Bernard Wolfe, “Monitored Dreams & Strategic Cremations”.
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A primeira mesa-redonda desta quinta-feira foi “Editoras Independentes: limites e possibilidades no mercado editorial brasileiro”, com a presença de três publishers: o paraense Filipe Laredo (Empíreo); Mário Bentes (Lendari); e Priscilla Lhacer (Presságio).  A quarta participante dessa mesa, Ana Cristina Rodrigues (Aquário Editorial), avisou ontem à noite que não poderia comparecer.  Os dois publishers mais experientes, Filipe e Mário, falaram das histórias de sucesso de suas editoras.  Falas mais intimistas e pessoais, mas contando, em essência, a mesma história já ouvida em mesas com temáticas semelhantes nas Fantasticons e Odisseias Fantásticas da vida.  Sem reclamações.  Boas histórias de êxitos e fracassos são como as boas histórias: não vejo o menor problema em ouvir, assistir ou ler várias vezes.

Mesa Editoras Independentes:
Mário Bentes, Priscilla Lhacer e Fábio Laredo.

Panorama da sala das mesas.



Entre a primeira mesa-redonda e a segunda deveria haver um intervalo para o almoço.  A questão é que a primeira se prolongou para além de seu horário regulamentar e o intervalo de almoço foi espremido, reduzindo-se a meros vinte minutos.  Ocorrência que se tornaria algo comum nos dias seguintes.  Como havia metabolizado um desjejum substancial e não conhecia um restaurante próximo que dispusesse de sistema a quilo ou serviço ultrarrápido, acabei dispensando a refeição.  Como a maioria não pôde ou não se dispôs a fazer o mesmo, a primeira mesa-redonda vespertina atrasou um bocado em relação ao cronograma.  Porém, nada que prejudicasse a vibe positiva que se espalhou pelos presentes neste primeiro dia completo de Casa Fantástica.
Como não saí para almoçar, aproveitei para conversar um pouco com as amigas Cristina Lasaitis e Camila Fernandes, que chegaram no meio da mesa-redonda da manhã.  Também travei conhecimento pessoal com Santiago Santos, pois só o conhecia de Facebook.  Ele me contou que já havia lido meu romance curto de história alternativa Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas (Draco, 2009) e que havia escrito um outro romance fantástico cujo protagonista é um quíchua imortal.  Decidi que precisava adquirir esse livro.



Bate-papos nos intervalos:
Santiago Santos, João Beraldo, Ana Lúcia Merege, GL-R e Diego Guerra.


Bate-papos nos intervalos:

Santiago Santos, João Beraldo, Ana Lúcia Merege, Diego Guerra e Mário Bentes.




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A segunda mesa-redonda do dia (primeira da tarde) foi “A Jornada dos Mil Heróis: coletivos literários, literatura colaborativa e formação de leitores”, com os autores Clinton Davisson; Jana P. Bianchi; e Renata Oliveira do Prado.  O quarto participante dessa mesa, Jim Anotsu não compareceu.  Embora a química entre os três autores e a plateia tenha feito dessa mesa uma das mais dinâmicas e participativas que já assisti em convenções de literatura fantástica, a verdade é que se falou pouco de coletivos literários e de literatura colaborativa.  Palestrantes e plateia concentraram as rajadas de seus termolasers no quesito formação de leitores e esse único tópico já deu pano para mangas.
Após essa mesa, conversei um pouco com o Beraldo, o Santiago Santos e o Diego Guerra, que eu ainda não conhecia pessoalmente, sobre estratégias de hospedagem, deslocamento e sobrevivência ao longo da FLIP 2018.

Mesa Coletivos Literários e Formação de Leitores:
Renata Oliveira do Prado, Clinton Davisson e Jana P. Bianchi.

Mesa Coletivos Literários e Formação de Leitores:
A Fala de Jana.

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A segunda mesa-redonda da tarde, “Para Além da Muralha: os segredos da criação de cenários fantásticos”, com os autores Fábio Kabral; João M. Beraldo; Lu Ain-Zaila; Oscar Nestarez; e Rosana Rios.  Os cinco autores descreveram as estratégias adotadas para a criação de seus universos ficcionais.  Dos cinco, os conjuntos das obras que eu já conhecia são os de Beraldo e Rosana.  Os outros três se revelaram novidades instigantes.  Estou particularmente interessado em adquirir o primeiro romance de Lu Ain-Zaila, pois a sinopse que ela apresentou pareceu um bocado legal.
O ônibus de Fábio Kabral se atrasou e ele só logrou chegar no finzinho da mesa-redonda.  Mas, conseguiu se integrar no clima do evento sem dificuldades.

Mesa Criação de Cenários Fantásticos: João M. Beraldo e Lu Ain-Zaila.

Mesa Criação de Cenários Fantásticos: Rosana Rios e Oscar Nestarez.

Criação de Cenários Fantásticos: mesa completa com a chegada de Fábio Kabral.

Mesa Criação de Cenários Fantásticos: Lu Ain-Zaila e o afrofuturismo de Sankofia.


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A terceira mesa vespertina foi “Três Não é Demais: sagas e trilogias na literatura fantástica nacional”, com os autores Ana Lúcia Merege; Marcelo Pascoalin; e Diego Guerra.  Os três autores discorreram com rara pertinência sobre universos ficcionais estendidos, partindo dos exemplos clássicos das sagas da Terra Média de J.R.R. Tolkien e da Canção de Gelo e Fogo, de George R.R. Martin, para a estruturação de seus próprios universos ficcionais, todos com mais de dois romances e muito mais por vir.  Do meu ponto de vista, esta foi de longe a mesa mais interessante desta quinta-feira.  Infelizmente, não pude assisti-la e comentá-la até o fim.

Mesa Universos Ficcionais Estendidos:
Marcelo Pascoalin, Ana Lúcia Merege e Diego Guerra.


Aliás, pouco antes de sair da Casa Fantástica, Priscilla me convidou a participar da última mesa-redonda da tarde, que começaria às 18h30: “Criaturas Sombrias: vampiros na literatura made in Brazil”, com Martha Argel; Ju Land; e Pietra Von Bretch, pois as duas últimas não compareceriam ao evento.  Nem é preciso dizer o quão entusiasmado fiquei em aceitar o convite.  Mas eu digo assim mesmo!J
A propósito, minha defecção ao fim da terceira mesa aconteceu por um motivo nobre.  Saí da Casa Fantástica às 17h30 (a mesa dos universos ficcionais estendidos começara oficialmente às 16h00, na prática meia hora mais tarde) e rumei a pé até a rodoviária para buscar a Cláudia, que chegaria no ônibus da Costa Verde Rio-Paraty das 18h30.  Paranoico como sempre, superestimei as distâncias e dificuldades para alcançar o terminal rodoviário.  A passos rápidos e sob as indicações corretas de um guarda municipal, acabei chegando à rodoviária às 17h45 e isto após passar no hostel para desovar minha mochila com notebook, tablet e livros.
Com tempo sobrando, conversei com minha amada ainda em trânsito pelo WhatsApp e li boa parte do afterword pomposo do Bernard Wolfe, em que o autor desanca o gênero da ficção científica ao fim da sua novela que, conquanto bem escrita, não diz ao que veio numa antologia que se prometia romper com os tabus e preconceitos do gênero.  Até agora só cheguei à metade da antologia, mas, até aqui, Again, Dangerous Visions está soando um bocado datada.  Como os vinhos que causam impacto quando lançados, mas que, definitivamente, não envelhecem bem, essa antologia cult me cheira cada vez mais a vinagre…
O ônibus da Cláudia chegou sete minutos adiantado em relação ao horário previsto (18h30).  Tomamos um táxi até nosso hostel para deixar a mala dela e daqui seguimos a pé até a Casa Fantástica.
Para minha alegria, a mesa-redonda vampiresca ainda não havia começado.  Priscilla informou que Rosana Rios e Ana Lúcia Merege também participariam da mesa.  Pedi à Cláudia que assumisse nossa câmera digital.
Sagrada comandante de nossa mesa por nossa líder, Priscilla Lhacer, Martha Argel passou a palavra a Rosana Rios, que se apresentou e falou de dois contos com temáticas vampirescas que escreveu sob encomenda, pois, segundo ela, jamais pensaria em abordar a temática de moto próprio.  Em seguida, Ana Merege falou de um conto que escreveu em seu principal universo de fantasia, no qual abordava um personagem vampiro.  Daí, falei da gênese dos filhos-da-noite, meus vampiros científicos (no sentido de serem desprovidos de elementos sobrenaturais) que inseri na linha histórica alternativa dos Três Brasis em 1994, a partir de um convite do editor francês Jean-Pierre Moumon para escrever um trabalho para uma edição especial da revista de ficção científica Antàrés que versaria sobre a temática vampírica.
Em seguida, na qualidade de maior especialista em temáticas vampíricas na literatura fantástica nacional, Martha apresentou um histórico empolgado, instigante e extenso, quase exaustivo, do seu tema predileto na literatura e no cinema, desde a novela O Vampiro, de John Polidori, escrito na segunda década do século XIX, até os vampiros luminosos, tipo fadinhas, da saga Crepúsculo, da Stephenie Meyer.
Daí, Rosana detalhou seus dois contos vampíricos, inclusive, lendo trechos de uma das narrativas.  Ana Merege voltou a comentar seu conto vampírico e se lembrou de um outro, no qual abordava a mesma temática.  De posse da palavra, detalhei a origem dos filhos-da-noite (meus vampiros darwinianos), mencionei que me inspirara nos vampiros científicos delineados no romance Fome de Viver (Record, 1984), do Whitley Strieber, e falei en passant do papel de Dentes Compridos como agente secreto da República de Palmares, de sua atuação ao influenciar Bram Stoker na escrita de seu romance vampírico emblemático, e de seu envolvimento com Jack o Estripador.

Mesa Vampiros Brasileiros:
GL-R, Martha Argel, Ana Lúcia Merege e Rosana Rios.

Mesa Vampiros Brasileiros:
GL-R advoga a favor do vampirismo científico sob o crivo da expert Martha Argel.


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Finda a última mesa-redonda desta quinta-feira, eu e Cláudia cogitamos jantar na própria Casa Fantástica, mas acabamos optando por abrir mão dos dois eventos derradeiros previstos para esta noite (o lançamento da tradução de um romance estrangeiro e o coquetel de uma editora) em prol de um passeio a pé pelo centro histórico de Paraty, coisa que já havíamos feito diversas vezes durante o dia, mas nunca sob a Lua Cheia.  Em seguida, regressamos ao nosso quarto no Be-Happy e degustamos de um Salton Desejo 2012, acompanhado por um honesto queijo padrão adquirido no bom e velho Queijeiro da Muda.
Hostel Be-Happy, Paraty, 26 de julho de 2018 (quinta-feira).


Dia 03 — 201807270630P6 — 21.203 D.V.

“Você até que escreve bem, mas não tão bem quanto imagina.”

Acordamos nesta sexta-feira por volta das 06h30 e, enquanto não dava a hora do desjejum, baixei a edição digital do jornal e transferi as fotos e filmes da nossa câmera para o disco rígido externo do notebook.  Os filmes que a Cláudia fez com a câmera sobre minhas participações na mesa-redonda dos vampiros brasileiros ficaram bons.  Porém, o segundo, com mais de sete minutos e 1,1 GB, ofereceu forte resistência para se deixar transferir.  Quando percebi que o problema era a dificuldade do software da câmera em gerenciar um arquivo tão grande, consegui efetuar a transferência, retirando o cartão de memória e inserindo-o direto na porta apropriada do notebook.
O café da manhã foi semelhante ao do dia anterior.  Desta vez também tinha iogurte, item de que senti falta ontem.
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Só conseguimos sair do hostel às 11h15, quarenta e cinco minutos após o início da mesa-redonda “Literatura e Afrofuturismo: a força do lado negro”, com Fábio Kabral; Glória Celeste de Brito; Lu Ain-Zaila; e Waldson de Souza.  Essa parece ter sido a mesa mais concorrida da Casa Fantástica até agora.  Chegando atrasados, não conseguimos permanecer sequer na área de exposição de livros, situada na varanda atrás do salão das mesas.  Daí, migramos para o jardim aos fundos da casa, onde encontramos Santiago Santos e Ian Fraser, que eu ainda não conhecia pessoalmente.  Pouco depois chegaram João Beraldo, Alexandre Mandarino e a namorada Leandra Lambert; Cristina Lasaitis; Camila Fernandes; e Ana Rusche.
Enquanto conversávamos sobre inclusividade na literatura fantástica, antologias brasileiras e gringas, eróticas ou não, e as pretensas propensões etílicas de Hilda Hilst (e a indignação de Ana Rusche com esse boato infame), a grande homenageada desta FLIP 2018, nossa comandante suprema, Priscilla Lhacer, informou-me que eu havia sido escalado para a próxima mesa-redonda, sobre antologias, em função do não comparecimento de Gianpaolo Celli e Marina Ávila.
Ciente e propenso. Missão dada, missão aceita e, quem sabe, missão cumprida.

Bate-papos nos intervalos:
Oscar Nestarez, GL-R , Ian Fraser e Diego Guerra.

Bate-papos nos intervalos:
Santiago Santos, Camila Fernandes, Rodrigo Van Kampen e GL-R.


Bate-papos nos intervalos:
Santiago Santos, Andriolli Costa, GL-R, Cristina Lasaitis e Rodrigo Van Kampen.



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Desta forma, por volta de 13h15, começou a mesa-redonda “Coletâneas no Brasil: oportunidades e desafios das edições colaborativas”, com os membros originais Rodrigo van Kampen, editor da Trasgo, e Mário Bentes, publisher da Lendari; e os membros convocados: eu e Jana P. Bianchi.  Rodrigo e Jana falaram das revistas digitais que editam, Trasgo e Mafagafo, respectivamente, enquanto eu e Mário falamos das antologias que organizamos.  Em comum, a rejeição sem apreciação do mérito de originais mal escritos, daqueles que não observam as guidelines e dos escritos de autores que se consideram os gênios da raça, quando, na verdade, tudo o que se exigia deles era que fossem contadores de histórias razoáveis.
Quando o assunto alcançou a questão de como tratar com autores talentosos com egos hiperinflados, não resisti a resgatar uma velha máxima que já não emprego há quase quinze anos: “Você até que escreve bem, mas não tão bem quanto imagina”.

Mesa Antologias & Revistas:
Rodrigo Van Kampen, Jana P. Bianchi, GL-R e Mário Bentes.

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No intervalo entre a primeira e a segunda mesas vespertinas, adquiri um exemplar do romance Na Eternidade é Sempre Domingo (Carlini & Caniato, 2016), de Santiago Santos, pago junto com um café expresso consumido ontem e uma capivodka duca preparada pelo Eduardo, parça da Priscilla.  Santiago adquiriu um exemplar autografado do meu romance de ficção científica e história alternativa, Estranhos no Paraíso (Draco, 2015).
Daí, quando regressei à sala das mesas para assistir a “Do Conto ao Livro: experiências de escrita e desenvolvimento do texto”, com Alexandre Mandarino; Camila Fernandes; Priscilla Matsumoto; e Santiago Santos, as cadeiras, assentos e sofás do aposento já estavam totalmente ocupadas.  No entanto, como a mesa se revelava pedaçuda, comecei a assisti-la em pé lá no fim da sala, até que plotei um espaço vago em plena fila do gargarejo e, segundo Mandarino, me teletransportei para lá.  Essa mesa de autores abordando seus processos criativos se revelou uma das mais interessantes desta sexta-feira.

Mesa Desenvolvimento do Texto:
Panorama geral.

Mesa Desenvolvimento do Texto:
Alex Mandarino, Camila Fernandes, Priscilla Matsumoto e Santiago Santos.


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A mesa-redonda mais compenetrada, com menor público presente (não que houvesse assentos vagos, mas é que foi a única em que não houve uma multidão de pé em volta da sala) e, no entanto, a mais instigante desta tarde de sexta-feira, foi “Cidadania Fantástica: formação política na ficção científica e na fantasia”, com moderação de Sabine Mendes Moura e participação de Antonio Luiz M.C. Costa; Ana Rusche; Cláudia Pucci Abrahão; e Nikelen Witter.  A melhor mesa da tarde falou desde o mito de Gilgamesh e a Ilíada (Antonio) até o emprego de Frankenstein e O Senhor dos Anéis em sala de aula (Nikelen); das preocupações políticas com o futuro da nação, passando por colocações pertinentes, engajadas e pungentes de Ana Rusche e Cláudia Abrahão.
Pouco antes do fim dessa terceira mesa-redonda vespertina, ausentei-me da Casa Fantástica para vagar brevemente para um lado e outro da Rua Doutor Samuel da Costa, em busca de um avistamento da Lua Vermelha, fenômeno típico do eclipse lunar que ocorreu no fim desta tarde na região sudeste do Brasil.  Por volta das 17h40, ao caminhar pelas vizinhanças da Casa Fantástica, não avistei a efeméride astronômica.

Mesa Cidadania Fantástica:
Antonio Luiz M.C. Costa, Ana Rusche, Cláudia Pucci Abrahão e Nikelen Witter.

Mesa Cidadania Fantástica:
Moderadora Sabine Mendes Moura.


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Após a terceira mesa-redonda, me reencontrei com Cláudia com o intuito tácito de tentar observar o auge do eclipse lunar.  Em companhia de Ana Lúcia Merege, João Marcelo Beraldo e Clinton Davisson, seguimos até a praia pela Samuel da Costa e, à beira de um manguezal, gozamos do privilégio de contemplar um belo eclipse lunar, com Lua Vermelha e tudo o que tínhamos direito.
No regresso às cercanias do Largo do Rozário, paramos numa barraquinha para comprar um escondidinho de carne-seca para mim, pois eu não comera nada desde o café da manhã.
Daí, passamos direto pela Casa Fantástica, rumo ao nosso hostel para atender certos chamados da natureza.  Quando enfim regressamos a nossa casa máter, a quarta e última mesa-redonda vespertina, “Saindo do Papel: os caminhos da publicação”, com Anna Martino; Charlene Santos; Gisele Mirabai; a jovem autora draconiana Karen Álvares; e Má Matiazi.  Infelizmente, devido ao excesso de público, não foi possível se aproximar da sala das mesas para assistir esse evento.

Eclipse lunar sobre o manguezal 1.


Eclipse lunar sobre o manguezal 2.


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Após a última mesa-redonda, deu-se a tão aguardada noite de autógrafos da Casa Fantástica.  Confesso que não estava lá muito animado para o evento, pois, tendo acordado às 06h30 e só tendo comido o tal escondidinho desde o desjejum, sentia-me um tanto combalido.
Contudo, do meu ponto de vista, o que salvou o evento, foi a ideia simples, do tipo ovo de Colombo, da jovem autora Carolina Mancini de convocar os autores para uma mesa informal para falar dos seus trabalhos que estavam sendo (re)lançados na Casa Fantástica da FLIP 2018.
Assim, eu, João M. Beraldo; Melissa de Sá; Camila Fernandes; Filipe Laredo; Carolina Mancini; e o jovem autor Daniel Renatini falamos dos nossos trabalhos que se encontravam à disposição dos leitores na Casa Fantástica.  Melissa, Camila, Carolina e Daniel optaram por ler trechos de seus últimos livros.  Desses, o que mais me impressionou foi o romance da Melissa.  Decidi comprá-lo junto com o segundo e último romance dessa narrativa ficcional no início de agosto, quando comparecer ao estande da Draco por ocasião da Bienal do Livro de São Paulo dentro em duas semanas.
Eu e Beraldo preferimos não ler trechos de nossos trabalhos.  Filipe Laredo escalou Oscar Nestarez para ler um trecho de seu livro.  No meu caso, falei dos dois romances ambientados no universo ficcional Tramas de Ahapooka: A Guardiã da Memória (Draco, 2011) e Octopusgarden (Draco, 2017).  Tentei detalhar em poucas palavras a dinâmica ficcional do planeta Ahapooka e os enredos dos romances em si.  Em seguida, falei muito brevemente da coletânea Contos de Ficção Científica por Carla Cristina Pereira (Draco, 2012) e das motivações de Carla; do romance fix-up, Aventuras do Vampiro de Palmares (Draco, 2014); das antologias Como Era Gostosa a Minha Alienígena (Ano-Luz, 2002) e Solarpunk (Draco, 2012); do meu romance de ficção científica & história alternativa, Estranhos no Paraíso (Draco, 2015); e de meu trabalho não-ficcional, História do Vinho no Mundo Romano (MauadX, 2016).

Mesa Lançamentos:
GL-R, Daniel Renatini, Camila Fernandes, Melissa de Sá, João Beraldo e Carolina Mancini.

Mesa Lançamentos:
Camila Fernandes se assusta com as Tramas de Ahapooka.


Um pouco de Tramas de Ahapooka.


GL-R e Alexey Dodsworth na varanda da Casa Fantástica.

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Após essa mesa-redonda de lançamento, seguimos para o jardim da casa, onde se daria o lançamento em si.  Ali vendi outro exemplar do Estranhos no Paraíso, para o Ian Fraser, que ainda me presenteou com um exemplar autografado de seu romance Araruama: o Livro das Sementes (Moinhos, 2017).  Prioridade triplo zero na fila de leitura.
Tirei algumas fotos não só com o Ian, mas também com o Alexey Dodsworth, e conversei bastante com Ana Merege.  Revi o autor Jim Anotsu, que só conseguiu chegar hoje à noite.  Amanhã de manhã, ele deverá se integrar à mesa-redonda sobre história alternativa e romances históricos da qual participarei às 10h30.
Por volta das 22h00, despedi-me dos amigos chegados e declinei do convite para jantar em prol do regresso célere ao hostel para trabalhar nesta crônica e descansar nossas carcaças cansadas.  Claro que, como ninguém é de ferro, degustamos um La Roncaia Fusco 2015, com um queijo padrão que trouxemos do Rio.  Daí, lembrei-me da Cláudia Fusco, outra participante da mesa de história alternativa amanhã.
Hostel Be-Happy, Paraty, 27 de julho de 2018 (sexta-feira).


Dia 04 — 201807282240P7 — 21.204 D.V.

“Não é que seu conto seja politicamente incorreto.  Ele está cientificamente incorreto.”

Acordamos às 07h00 neste sábado em Paraty sob a égide da deusa FLIP.  Fizemos o desjejum e em seguida regressei ao nosso quarto para reler a versão impressa do PowerPoint da minha participação na mesa-redonda de história alternativa, pois já sabia que não seria possível projetá-la na sala das mesas da Casa Fantástica.
Cheguei à casa às 09h20, em tese vinte minutos atrasado para a palestra “Uma Odisseia no Tempo e no Espaço: Arthur Clarke e a ficção científica como um exercício ético de antecipação”, a ser proferida por Alexey Dodsworth.  Para minha surpresa, encontrei a casa fechada.  Algo preocupado (autor de FC nessas horas sempre fica pensando se não foi parar numa realidade alternativa qualquer onde a ocorrência de uma Casa Fantástica em Paraty continuava sendo uma impossibilidade física), bati à porta e, após algum tempo, uma Cris Lasaitis igualmente surpresa vem abri-la para mim, convidando-me a entrar.  Por sua fisionomia alerta, percebi que, felizmente, não a havia acordado.  Perguntei pela palestra e ela respondeu que achava que ela havia sido cancelada ou transferida.
Minutos mais tarde, Priscilla acordava e confirmava o cancelamento da palestra.
Não lamentei o desencontro.  Pois, com o tempo livre inesperado, resolvi dar uma última lida na cópia do PowerPoint da minha apresentação.
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Dos outros participantes da mesa matutina, “História Alternativa e Ficção Histórica: recriar o passado, reinventar o futuro”, Fábio Fernandes já confirmara a ausência (a estratégia da teleconferência caiu por terra face à debilidade do WiFi) e o historiador Miguel Sanches Neto não deu sinais de vida.  A pesquisadora de ficção científica Cláudia Fusco chegou às 10h20.  Como havia mencionado, Priscilla havia escalado Jim Anotsu para compor a mesa, mas até o início da mesma, ele não havia dado as caras na Casa Fantástica.
Pontualmente às 10h30, eu e Cláudia nos apresentamos à plateia e começamos a falar sobre história alternativa.  Desde o começo, rolou uma química muito legal entre a Cláudia e eu.  Inicialmente, conceituamos a história alternativa como um subgênero da ficção científica.  Em seguida, apresentamos os três tipos de narrativas que se confundem com a história alternativa sem de fato sê-lo: as ficções científicas com pinceladas e insinuações de H.A.; as histórias ocultas e as ficções alternativas.  Daí, falamos sobre os precursores do subgênero na literatura lusófona e então apresentamos um panorama sumário dos trabalhos de história alternativa publicados no Brasil e em Portugal nas últimas duas décadas.  Enfim, falamos de steampunk e, como não podia deixar de ser, abordamos a gênese e a natureza da triantologia punk da Draco (Vaporpunk; Dieselpunk; e Solarpunk).
Ao longo da nossa apresentação, a plateia interveio com perguntas e comentários para lá de pertinentes.  De vez em quando, quando uma ou outra questão derivava para as H.A. de outros países, respondíamos a dúvida pontual e tentávamos trazer o assunto de volta para as narrativas lusófonas.  Quase ao fim da mesa, Jim Anotsu apareceu e deu o seu recado, falando de um romance de história alternativa que está escrevendo, cujo ponto de divergência seria a derrota das forças portuguesas na Revolta dos Malês em Salvador em 1835, que resulta no advento de um estado islâmico utópico em uma ilha do litoral do Brasil.
Esta mesa pedaçuda durou quase duas horas.  Ao término da mesa-redonda, comprometi-me a fazer o download do PDF da apresentação que preparava e do arquivo digital de meu livro Cenários de História Alternativa.


Mesa Histórias Alternativas: Cláudia Fusco e GL-R.

Mesa Histórias Alternativas: Panorama geral.

Mesa Histórias Alternativas: Cláudia Fusco, GL-R e Jim Anotsu.

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Após essa mesa primeira mesa de sábado, eu e Cláudia Quevedo saímos para almoçar num restaurante próximo, acompanhados pela Ana Lúcia Merege.  Caminhamos pela Doutor Samuel da Costa até a esquina da Tenente Francisco Antônio, onde dobramos à esquerda, rumo ao restaurante a quilo em que Cláudia havia almoçado ontem, mas, ao chegar lá, deparamo-nos com uma fila imensa.  Então, recuamos pelo caminho que havíamos percorrido e encontramos o Ristorante Corto, um estabelecimento de cozinha italiana com preços razoáveis.  Cláudia e Ana Merege dividiram um prato de carne e massa, enquanto eu pedi um spaghetti alla carbonara, regado por um Trapiche Malbec, cuja sobra da garrafa eu levaria de volta para o hostel.  A conversa durante o repasto girou em torno das revisões de textos, nossos e alheios, e sobre os enredos de uma série de contos interligados que a Ana escreveu num universo ficcional em que um comandante de uma nau cartaginesa e seu belo efebo grego viajam no tempo sobre os auspícios de uma clepsidra mágica.  Infelizmente, por conta desse almoço mais slow-food do que pretendíamos, perdemos a primeira mesa vespertina deste sábado, “Não Verás Futuro Nenhum: distopia como metáfora do hoje e do amanhã”.

Regresso do almoço no Ristorante Corto.


De volta do almoço, assistimos a mesa-redonda das 14h30, “Estereótipos, Representatividade e Voz: a construção da personagem fantástica”, com Carol Chiovatto; Clara Madrigano; Débora Hepp; e Johann Heyss.  O quinto participante dessa mesa, Eduardo Peret, não compareceu.  Valendo-se de suas próprias experiências como leitores, autores e, em alguns casos, como editores, os quatro participantes da mesa apresentaram suas visões da questão da representatividade nas narrativas fantásticas.  Mais uma mesa cuja riqueza temática daria assunto para um seminário inteiro.  A plateia participou ativamente, porém, a animação era tamanha que, em certas ocasiões, acabou dominando a fala, praticamente negando a palavra aos integrantes da mesa.  No entanto, nada que atrapalhasse demasiado o andamento da conversa.  Embora cada mesa tenha sua dinâmica própria e a Casa Fantástica tenha assumido desde o início, de forma mais ou menos tácita, a postura de informalidade salutar, com as mesas-redondas sem mesa e a plateia acomodada em sofás, cadeiras de plástico ou almofadas espalhadas pelo chão (e, quando a coisa bombava, o resto da multidão de pé ao fundo da sala ou enfiando os pescoços janelas adentro), bem mais condizente ao clima desta cidadezinha histórica e pitoresca, do que o clima sisudo e algo acadêmico relatado em outras Casas, essa mesa em particular foi uma das mais animadas dentre as que consegui assistir e/ou participar.  Em termos de diversidade e inclusão social, não se limitou aos lugares-comuns das inclusões racial, feminina e das minorias sexuais, falando também, ainda que por instigação da plateia, da inclusão de personagens portadores de deficiência física e até dos canhotos.
No intervalo entre essa mesa e a seguinte, aproveitando a proximidade entre nosso hostel e a Casa Fantástica, demos um pulinho até lá para deixar a mochila e fazer um pipi técnico.

Mesa Representatividade: Johann Heyss, Clara Madrigano, Débora Hepp e Carol Chiovatto.


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Regressei ainda no início da mesa que em tese começaria às 16h00, “Do Dragão à Mula Sem Cabeça: literatura fantástica à brasileira”, com Andriolli Costa; Felipe Castilho; Sarah Helena; Ian Fraser; e João M. Beraldo.  Uma mesa que destacou a importância do folclore como fonte de narrativas fantásticas.  Capitaneada por Andriolli e Castilho, mas com participações cruciais dos outros três membros e manifestações relevantes da plateia, em minha opinião, essa mesa conseguiu provar seu ponto principal: folclore é coisa séria e precisa ser encarado com tal.
Destaque especial para Felipe Castilho, sempre um magnífico contador de histórias, na descrição de uma experiência real de Cacá, uma criança esquálida de um acampamento do MTST da periferia da capital paulista (mas poderia ter sido perfeitamente de uma favela carioca ou de um vilarejo desolado da caatinga nordestina), que incorporou o espírito xamânico do contador de histórias primordial para distrair e iluminar os outros meninos de sua comunidade.  Fantasia inspiradora da vida real.
Ao fim dessa mesa, autografei um exemplar do Aventuras do Vampiro de Palmares para o Jim Anotsu.

Mesa Folclore e Fantasia:
Andriolli Costa, Sarah Helena, Felipe Castilho, Ian Fraser e João Beraldo.


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A última mesa-redonda deste sábado e também de toda a Casa Fantástica foi a de 18h30, “Ficção Científica e Inovação Tecnológica: a relação entre a imaginação e a ciência”, com Alexey Dodsworth; Cristina Lasaitis; Lady Sybylla; e Lídia Zuin.  Segundo Priscilla Lhacer falou na apresentação dessa mesa, a proposta inicial foi reunir ficcionistas que também são ou foram produtores de conteúdo científico ou tecnológico.  Neste sentido, por suas formações, carreiras e militâncias literárias na ficção científica dita “hard”, creio que os quatro participantes atenderam e superaram as expectativas da plateia.  Lídia se apresentou como profissional na área de futurologia empresarial; Sybylla possui formação em biologia e trabalha com fósseis de plantas do Mesozoico; Cristina é biomédica com segunda graduação em letras; e Alex é mestre em filosofia e doutorando na área do transumanismo.  Conheço boa parte da produção literária dos dois últimos autores e, portanto, posso atestar sua qualidade, colocando a mão no fogo sem luva de amianto ou receio de me queimar.  Da Lídia, não conheço tanta coisa assim, mas selecionei os contos “Santíssima Magdalena”, publicado na antologia Erótica Fantástica 1 (Draco, 2013) e “Ad Finem Fidelis”, que será publicado na antologia de histórias alternativas que organizei essa mesma editora, A História é Outra…  Da Sybylla ainda não li nada, mas remediarei esta lacuna nos próximos dias e semanas.
Os participantes da mesa enfatizaram que a ficção científica não tem o papel de prever ou profetizar o futuro, não obstante o fato de, como Lídia bem frisou, vários escritores, como Bruce Sterling e Allen Steele, atuarem como consultores da NASA ou de empresas produtoras de conteúdo tecnológico.  Alexey falou dos perigos e possibilidades dos avanços científicos e tecnológicos na área biomédica, exemplificando com seu caso pessoal de correção de catarata precoce.  Sybylla insistiu na necessidade de um patamar mínimo de plausibilidade científica nas narrativas de FC, citando, inclusive, alguns exemplos de erros crassos hilários, identificados em submissões que passaram por seu crivo.
Para mim essa foi a mesa-redonda mais legal, porque os participantes externaram preocupações e ideias que eu comungo e pelas quais já me bati em inúmeras campanhas gloriosas e inglórias.  Também, pelo fato de os componentes dessa mesa escreverem justamente o tipo de literatura fantástica que eu mais gosto de ler e que mais aprecio escrever.
A plateia participou com entusiasmo da apresentação da mesa, com perguntas e intervenções pertinentes e inspiradas.  Quando Sybylla falou das marcas de urina fósseis produzidas pela micção de um dinossauro, o assunto da “saurologia” dominou inteiramente os espíritos da mesa e da plateia, culminando no ponto alto da noite, em que um garoto de uns oito ou dez anos levantou uma questão técnica sobre as diferenças nos formatos e posições dos quadris de dinossauros ornitisquianos (cintura pélvica semelhante à das aves) e saurisquianos (cintura pélvica semelhante à dos répteis), dúvida que Sybylla não só esclareceu com competência, como ainda explicou o cerne da questão para o restante da plateia.
Ao fim da mesa, Alexey prestou um agradecimento a Priscilla Lhacer em nome de todos os participantes e espectadores que circularam ou viveram na Casa Fantástica nestes últimos quatro dias.  Não sei quanto aos outros, mas me senti um pouco triste com o fim desta experiência mágica que vivenciei nestes dias no centro histórico dessa simpática cidadezinha praiana do sudoeste fluminense.

Mesa FC & Inovação Tecnológica:
panorama geral.

Mesa FC & Inovação Tecnológica:
Alexey Dodsworth, Cristina Lasaitis, Lady Sybylla e Lídia Zuin.


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Finda a última mesa-redonda, os presentes na Casa Fantástica se dirigiram ao jardim traseiro onde se daria a festa a fantasia.  Nesta hora, eu e Cláudia saímos rumo ao restaurante Banana da Terra, situado na própria Doutor Samuel da Costa, já próximo ao manguezal costeiro, onde havíamos assistido o eclipse lunar na véspera.
Como o restaurante superrecomendado por nossos amigos Vívian Araújo & Lissandro da Rocha estava lotado e com fila de espera estimada em cinquenta minutos, batemos retirada para um estabelecimento mais simples, onde jantamos frango (Cláudia) e bife (eu).
De volta à Casa Fantástica, batemos mais um papo com alguns amigos, tirei fotos com a Jana Bianchi, fantasiada de astronauta, e com a Cláudia Fusco, fantasiada de hobbit, recolhemos os livros que eu levara e nos despedimos dos presentes, retornando então para o hostel.  Em meio às despedidas, vendi um exemplar do A Guardiã da Memória e um do Octopusgarden à Ana Rusche, que recebeu um exemplar da Como Era Gostosa a Minha Alienígena! de cortesia.  Também aproveitei o ensejo para conversar um pouquinho com a Lady Sybylla, que, inclusive me contou qual é o seu nome de verdade.  Naturalmente, não divulgarei tal informação, exceto para revelar que gosto desse nome a ponto de já ter batizado uma protagonista com ele!J
Ao recensear os livros que pusera à venda no estande da Casa Fantástica, descobri que as vendas haviam sido muito melhores do que eu esperava em meus sonhos mais otimistas.  Vendi onze livros ao todo: um exemplar da coletânea Histórias de Ficção Científica por Carla Cristina Pereira; dois da antologia Solarpunk; dois do romance fix-up Aventuras do Vampiro de Palmares; dois do romance de FC erótica A Guardiã da Memória; três do romance de FC & história alternativa Estranhos no Paraíso; e o único exemplar do romance de FC Octopusgarden que levei.  Só não compraram exemplares do meu livro não ficcional, História do Vinho no Mundo Romano.  Três exemplares da antologia de contos eróticos fantásticos Como Era Gostosa a Minha Alienígena! (Ano-Luz, 2002) foram ofertados como cortesia para quem comprou mais de um exemplar dos outros sete títulos.  Estoque esgotado no evento: Solarpunk; Aventuras do Vampiro de Palmares; e Octopusgarden.  Voltei com a mala muito menos pesada do que cheguei a Paraty.
Hostel Be-Happy, Paraty, 28 de julho de 2018 (sábado).


Dia 05 — 201807291715P1 — 21.205 D.V.

“Chegamos pra ficar e pode meter seu ego no rabo.”
[João Marcelo Beraldo]

Acordamos hoje às 07h00, descemos para o último desjejum no Be-Happy e voltamos ao quarto nº 2 para concluir a arrumação das malas e nos prepararmos para a viagem de volta para o Rio.
Descemos às 10h00 e pedimos à Rafaela que ligasse para o ponto de táxi da rodoviária, solicitando um veículo para nós.  Fizemos isto, mais por causa das nossas malas, pois, como já havia comprovado na quinta à tarde, a rodoviária dista menos de dez minutos a pé do hostel.  O táxi chegou em dez minutos e em outros cinco desembarcávamos no terminal rodoviário.
Às 10h40 embarcamos em nosso ônibus e partimos pontualmente às 10h50, só para regressar à rodoviária às 11h00 para pegar uma senhorinha que chegara um minuto atrasada e perdera o ônibus.  Enfim, foi por uma boa causa.  Partimos outra vez e fizemos uma viagem tranquila.  A parada de praxe se deu numa lanchonete de beira de estrada no município de Itacuruçá, onde comi um salgado de salsicha empanada apetitoso mas nem um pouco saudável e Cláudia se satisfez com uma porção de pães de queijo.
Leitura de bordo: edição digital de sexta-feira de O Globo e os capítulos 19, 20 e 21 da Fantástico Brasileiro: o insólito literário, do Romantismo ao Fantasismo.
Às 15h20 chegávamos sem problemas à Rodoviária Novo Rio.  Dali tomamos um táxi pré-pago para casa.  Mais caro, porém com garantia antibandalha.  Quinze minutos mais tarde, chegávamos ao nosso doce lar.
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Epopeia concluída com êxito, é chegado o momento de fazer um balanço da minha experiência pessoal nesta conquista heroica de Paraty pela comunidade de literatura fantástica brasileira, operação militar bem-sucedida graças ao empenho de muitos, mas, sobretudo, ao denodo e à visão de nossa generala, Priscilla Lhacer.
Em primeiro lugar, a hospedagem: situado cerca de cem metros da Casa Fantástica, em termos de localização, o hostel Be-Happy se revelou a estratégia perfeita, a ponto de, quando os banheiros da casa estavam ocupados, nós dávamos um pulinho lá no hostel para um pipi-stop e, cinco minutos depois, já estávamos, lépidos e faceiros, de volta às pistas, quero dizer, à lida literária.
A experiência de levar a literatura fantástica brasileira em geral e a ficção científica e a história alternativa brasileiras em particular à FLIP 2018 representou a concretização de um velho sonho para mim e, aposto, para muitos de nós.
O clima informal e o alto astral dos participantes e da plateia foram fundamentais para o êxito do evento.  Do meu ponto de vista, posso afirmar tranquilamente sem o menor exagero que foi a melhor convenção de literatura fantástica que já assisti e participei no Brasil ou no exterior, tanto pela intensidade da interação entre as pessoas quanto pelos temas abordados nas mesas-redondas e, sobretudo, os novos enfoques apresentados pelos participantes dessas mesas.  O bom-humor, a tolerância e o empenho para que tudo desse certo, foram as tônicas dessa primeira Casa Fantástica.
Se muitos não puderam comparecer ou chegar a tempo, por falta de passagens, ou porque não encontraram hospedagem (alguns se sacrificaram em viagens de bate-e-volta, chegando em Paraty pela manhã e partindo à tardinha), outros, convocados por nossa líder, ergueram-se para ocupar seus lugares.
Agora, é torcer para que no ano que vem haja mais e que o evento se torne anual.  No que depender de mim, em julho de 2019 estarei lá.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 29 de julho de 2018 (domingo).


Participantes:
Alexandre Mandarino
Alexey Dodsworth
Ana Lúcia Merege
Ana Rusche
Andriolli Costa
Antonio Luiz M.C. Costa
Barbara Prince
Berenice Young
Camila Fernandes
Carol Chiovatto
Carolina Mancini
Clara Madrigano
Cláudia Fusco
Cláudia Pucci Abrahão
Cláudia Quevedo Lodi
Clinton Davisson
Cristina Lasaitis
Daniel Renatini
Débora Happ
Diego Guerra
Fábio Kabral
Felipe Álvares
Felipe Castilho
Filipe Laredo
Gerson Lodi-Ribeiro
Ian Fraser
Jana P. Bianchi
Jim Anotsu
João M. Beraldo
Johann Heyss
Karen Álvares
Kyanja Lee
Lady Sybylla
Leandra Lambert
Lídia Zuin
Lu Ain-Zaila
Marcelo Pascoalin
Mário Bentes
Martha Argel
Melissa de Sá
Nikelen Witter
Oscar Nestarez
Priscilla Lhacer
Priscilla Matsumoto
Renata Oliveira do Prado
Rosana Rios
Sabine Mendes Moura
Santiago Santos
Sarah Helena