domingo, 20 de setembro de 2020

 

II Encontro de

Ficção Científica e Ensino de Ciências

(FIOCRUZ)

Dia 3

 

202009172359P5 — 21.986 D.V.

 

“A história acontece quando o escritor a escreve ou quando os leitores a leem?”

[Cirilo S. Lemos]

 

Hoje ocorreu a terceira sessão do II Encontro de Ficção Científica e Ensino de Ciências, um simpósio online patrocinado pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), coordenado pela equipe da professora Anunciata Sawada e do tecnólogo Adílson Júnior.

As apresentadoras de hoje foram Erika Mac Knight e Juliana Berlim.  A primeira é graduada em Ciências Sociais e Comunicação Social, blogueira e mestranda em Bioquímica Médica.  A segunda é escritora de literatura fantástica e professora do Colégio Pedro II, com mestrado em Língua Portuguesa.

Como moderadoras, em lugar do Adílson Júnior, tivemos as professoras Sheila Assis e Telma Temoteo.

Ao contrário das duas sessões anteriores, que começaram com pontualidade carioca, essa atrasou cerca de vinte minutos.

Dentre os mais de dois mil inscritos no site do II Encontro, em sua lotação máxima, havia cerca de trezentas e sessenta pessoas assistindo essa terceira sessão online.  Ao longo de coisa de duas horas de duração, pessoas entravam e saíam do evento a todo instante.  Ao fim, havia cento e quarenta expectadores, 270 likes e um único dislike.

A apresentação está disponibilizada no YouTube (https://www.youtube.com/watch?v=QOHW--N7Swo).

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Após Sheila Assis nos brindar com o currículo de Erika Mac Knight, essa iniciou sua apresentação “Representação da Mulher Cientista em Filmes de Ficção Científica”.  Como o próprio título indica Erika adotou um enfoque eminentemente cinematográfico.  Para tanto, valeu-se de sua especialização na área dos estudos de ficção científica, destacada no próprio título da palestra digital.

Erika abriu com os seis estereótipos da cientista nos filmes de FC, conforme apresentados pela pesquisadora Eva Flicker no ensaio “Between Brains and Breasts: Women Scientist in Fiction Film”: 1) cientista solteirona; 2) cientista masculinizada; 3) cientista ingênua; 4) cientista vilã; 5) cientista assistente (ou filha); e 6) cientista solitária.  Em seguida, exemplificou com personagens presentes em filmes de ficção científica conhecidos do grande público.

Daí, passou ao papel dos personagens femininos em geral, citando o ensaio de Susan George, “Science Fiction Film: Nineteenth and Twentieth Centuries”, publicado em Women in Science Fiction & Fantasy, uma antologia de ensaios organizada por Robin Anne Reid.

Erika mencionou a presença de personagens vampes ou femmes fatales nos filmes de FC, exemplificando com Barbarella (1968), dirigido por Roger Vadim e protagonizado por Jane Fonda, inspirado na HQ de ficção científica homônima do Jean Claude Forest.

A apresentadora analisou em detalhes seis filmes de ficção científica.  Para exemplificar a heroína durona, abordou Ellen Ripley, a protagonista de Alien: o Oitavo Passageiro (1979), de Ridley Scott, e suas sequências.  A cientista competente por excelência é Lindsey Brigman em O Segredo do Abismo (1989), do James Cameron.  Em seguida, falou de outra cientista ultracompetente,  Eleanor Arroway, astrofísica especializada em SETI (Search for Extra-Terrestrial Intelligence), que protagonizou Contato (1997), dirigido por Robert Zemeckis e baseado no romance homônimo (198?) do Carl Sagan.[1]  Os três exemplos de cientistas em filmes de FC do século XXI citadas por Erika foram: a bióloga Elsa Kast, que criou vida e inteligência numa trama embebida no Complexo de Frankenstein em Splice, a Nova Espécie (2009); a engenheira biomédica Ryan Stone, que se tornou náufraga espacial em Gravidade (2013); e a bióloga Lena, que explorou um ambiente alienígena incrustado na Terra em Aniquilação (2018), filme inspirado no romance homônimo (2014)[2] de Jeff Vandermeer, primeiro volume da trilogia Comando do Sul.

 

                                 
               

Em sua conclusão, Erika afirmou que na maioria dos enredos analisados e em muitos outros estudados por ela, quase sempre, a cientista ainda precisa ser salva pelo herói.  Colocou, com pertinência, que as cientistas são em geral discriminadas nas tramas de FC cinematográfica.  Exatamente como muitas cientistas se queixam de que ocorre no mundo real das comunidades científicas brasileira e internacional.

Erika Mac Knight fez uma apresentação a um só tempo instrutiva e divertida, escapando do enfoque literário predominante para o cinematográfico.

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Antes da primeira palestra começar e no intervalo entre a primeira e a segunda, observei a presença de vários amigos e conhecidos em nossa plateia virtual, dentre os quais destaco: o coorganizador Adílson Júnior; o escritor e roteirista de FC Alexey Dodsworth; a autora de fantasia Ana Lúcia Merege; a própria coordenadora do II Encontro, Anunciata Sawada; Rômulo Ferreira, que apresentou a primeira sessão deste Encontro junto comigo; a escritora gaúcha Nikelen Witter; e o escritor e professor Octavio Aragão, que coapresentou a sessão da semana passada.

Mais uma vez, a lista de presença só foi disponibilizada lá pelo meio da segunda palestra.  No meio dessa segunda apresentação, o YouTube congelou em meu micro, obrigando-me a reinicializar PC e WiFi.  Dez minutos mais tarde, estava de volta à segunda palestra, só que voltei atrás, abrindo mão da experiência ao vivo, para não perder parte da apresentação da minha amiga e colega Juliana Berlim.

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No papel de moderadora, a professora Telma Temoteo leu o currículo da Juliana, antes de lhe passar a palavra, para que apresentasse “Clube de Leitura Neuromancers: Relato de Experiência Pedagógica com o Gênero Ficção Científica no Colégio Pedro II”.

Ao contrário da apresentação anterior, a de Juliana teve um enfoque inteiramente literário.  Nem poderia ser doutro modo, visto se tratar de seu depoimento como mentora e organizadora de um clube de leitura de obras de literatura fantástica no âmbito do campus de uma das unidades cariocas do Colégio Pedro II.

 


 

Juliana explicou a inspiração para o nome do clube de leitura no romance Neuromancer (1984), do William Gibson.  O C.L. Neuromancers iniciou suas atividades em 2017, com a leitura e posterior análise de Admirável Mundo Novo (1932)[3], de Aldous Huxley.  Outras narrativas notáveis destrinchadas pelos alunos com a orientação da Juliana foram Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? (1968) de Philip K. Dick; 1984 (1949)[4], de George Orwell, eleito como um dos textos favoritos pelos alunos; O Conto da Aia (1985)[5], de Margaret Atwood; e Corrosão (2018), do autor brasileiro Ricardo Gondim, que, inclusive, compareceu à análise de seu romance.

Segundo Juliana, o objetivo primordial do C.L. Neuromancers é desenvolver o prazer da leitura e a justificativa do projeto se sustenta no tripé da proposta pedagógica do Pedro II: ensino, pesquisa e extensão.  O projeto do Clube de Leitura Neuromancers foi agraciado com o Prêmio Paulo Freire 2019 na categoria Ensino Médio.

Durante sua apresentação, Juliana citou o questionamento recente, singelo e brilhante do autor brasileiro Cirilo Lemos no Facebook, que tomo a liberdade abusada de transcrever no começo desta crônica.

O funcionamento do clube de leitura foi detalhado por Juliana, desde a escolha do livro, passando pela leitura mediada e orientada pela professora e concluído com a apresentação pública do romance trabalhado para a comunidade escolar como um todo.

Juliana concluiu sua apresentação com uma sessão de fotos recheada de histórias pessoais e insights do desenvolvimento acadêmico, mas não só, dos alunos.  Esse fecho enriqueceu a palestra com um toque afetivo e pessoal.  Aliás, quando paro para pensar nesse projeto, em todo o trabalho desenvolvido pela Juliana em prol da formação desses alunos, o primeiro termo que me vem à cabeça é “corrente de afeto”.

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Após a palestra da Juliana, as duas protagonistas puderam enfim interagir com sua plateia virtual sob a mediação de Telma e Sheila.  O início dessa interação foi marcado por dificuldades técnicas, sobretudo o retorno sonoro.

Erika aproveitou uma pergunta da plateia para aprofundar a questão do protagonismo feminino na versão cinematográfica de Aniquilação.

Uma questão relevante que veio à baila foi como estimular o interesse dos jovens e, sobretudo, das jovens, pela ciência.

Ao ser questionada sobre a recomendação da leitura do romance Laranja Mecânica (1962)[6], de Anthony Burgess, pelos alunos integrantes do Clube de Leitura Neuromancers, em relação à possibilidade de despertar impulsos de violência entre esses jovens (Ah, o velho receio do excesso de correção política), Juliana explicou que o alunato não conseguiu superar as dificuldades com o jargão da gangue e, por isto, o livro acabou não sendo selecionado.

 


 

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Este Dia 3 do II Encontro foi diferente em quase tudo das duas sessões anteriores.  Em minha opinião, essas diferenças foram para melhor.  Aguardo com ansiedade o que assistirei nas duas próximas quintas-feiras.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2020 (quinta-feira).

 


Participantes:

Adílson Júnior.

Alexey Dodsworth.

Ana Lúcia Merege.

Anunciata Sawada (coordenadora).

Erika Mac Knight (apresentadora).

Francisco Rômulo Monte Ferreira.

Gerson Lodi-Ribeiro.

Juliana Berlim (apresentadora).

Nikelen Witter.

Octavio Aragão.

Sheila Assis (moderadora).

Telma Temoteo (moderadora).

 



[1].  Nanorresenha do meu bunker de dados: “Mensagem alienígena é decodificada.  A partir da interpretação do seu teor, um veículo é construído e o contato é realizado em enredo cientificamente perfeito.  Descrições técnicas soberbas e colocação de um primeiro contato que consegue fugir de todos os clichês do gênero.  Excelente!  Sagan inspirou sua protagonista, Eleanor Arroway, na pesquisadora SETI legendária, mas real, Jill Tarter.”  Mais detalhes em: https://en.wikipedia.org/wiki/Jill_Tarter.

[2].  Outra nanorresenha: “Primeiro romance da trilogia Comando Sul.  Narrativa de mais uma expedição encetada à Área X, para estudar o fenômeno anômalo que se abateu sobre uma região extensa (aparentemente no sul dos EUA), provocando mutações extensas na fauna e na flora, e resistindo a todos os métodos de análise humanos aplicados para investiga-lo ao longo das décadas.  Dentro desse cenário, bióloga da décima segunda ou enésima quarta expedição começa enfim a desvendar parte do mistério que se abateu sobre a Área X.”

[3].  Nanorresenha: “Mais do que um simples romance de FC, o texto de Huxley é um manifesto filosófico de alerta aos perigos das aplicações sociais da manipulação genética e do condicionamento cultural.  O trabalho impressiona pela implicações profundas na sociedade atual, ainda mais quando lembramos que o original foi escrito quase uma década antes da Segunda Guerra.”

[4].  Nanorresenha: “Crítica pungente ao totalitarismo em todas as suas formas.  Num futuro não muito remoto, o Estado controla não só as expressões sociais e culturais, como o próprio pensamento e vontade humanos.  Essa edição da Easton Press abre com o prefácio de James Gunn.”

[5].  Nanorresenha: “Futuro próximo onde a sociedade norte-americana renega a ciência e cria uma cultura que segue os preceitos bíblicos literalmente. Na República de Gilead, o conhecimento está restrito a uma pequena parcela da população e o único valor que as mulheres possuem é o poder de gerar filhos e de servir aos homens.  A narrativa é apresentada do ponto de vista de uma Aia, mulher fértil designada para morar na mansão de um Comandante e sua Esposa com fins meramente procriativos.”

[6].  Outra nanorresenha do bunker: “Clássico da ficção científica britânica.  Near future distópico.  Alex, líder de uma gangue de adolescentes cruéis é preso e então selecionado para um tratamento radical de extirpação das tendências violentas inatas do ser humano para transformá-lo de psicopata em cidadão socialmente produtivo.”  A edição que tenho aqui em casa é a da Aleph (2014), com tradução brilhante de Fábio Fernandes.

Um comentário:

  1. Depois de acompanhar fielmente os três dias (só na segunda quinta que dormi antes e acordei faltando menos de meia hora pra acabar, tendo que dar um rewind no vídeo pra pegar as palestras em si) acabei achando realmente muito interessante a ideia de sempre contrapor dois palestrantes com visões e apresentações bem distintas. Esperemos que a candente exposição do exemplo da Juliana seja multiplicado por vários outros estabelecimentos de ensino.

    Um inevitável senão é o fato penoso da partição da atenção entre as apresentações e o chat, até porque a lista de presença tem aparecido em momentos aleatórios e fica fechada após o término do vídeo (justo por isso perdi a lista no segundo dia, com o Octávio, mesmo tendo visto boa parte da etapa de perguntas e respostas em tempo real). Como tenho visto os vídeos na smart pra aproveitar mais o conteúdo dos slides, tenho ficado com um notebook velho aberto no mesmo canal pra tentar ver algo das discussões paralelas no chat e "pescar" o momento que surge a lista, pois o scroll muito ativo do chat rapidamente o retira das mensagens visualizáveis. Já o mero interagir implicava em aumentar ainda mais o risco em perder a informação preciosa colocada nas apresentações e nos comentários dos palestrantes.

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