Mesa-Redonda
Solarpunk
na ALCIFF
202106112359P6 — 22.253 D.V.
“O solarpunk pode ser um
sopro de ar fresco no meio dessa realidade literária pessimista.”
[André Soares
Silva]
“Queremos mundos
melhores, não perfeitos.”
[Maurício
Bonham Almeida]
Participei esta
noite de uma mesa-redonda patrocinada pela Associación de Literatura de Ciencia Ficción
y Fantástica Chilena (ALCIFF), dentro do ciclo Charlas de Ecoespeculación
2021. Nossa mesa-redonda, “Solarpunk
desde el Amazonas”, foi veiculada pelo canal da entidade no YouTube, Transmissiones
Alciffianas[1]:
https://www.youtube.com/watch?v=ZR0emVj30zw&t=499s
.
O convite
inicial para a concretização dessa segunda mesa me foi apresentado por Juan P. Cifuentes
Palma, um dos diretores da ALCIFF. Ele me
pediu que, à medida do possível, eu estendesse tal convite à participação de
outros autores brasileiros associados ao subgênero solarpunk. Naturalmente, pensei nos outros autores que
participaram da antologia Solarpunk: Histórias ecológicas e fantásticas em
um mundo sustentável (Draco, 2012), que organizei quase uma década atrás. Porque, até onde eu sei, de lá para cá, não se
publicou muita coisa solarpunk no país.
Neste sentido,
convidei Carlos Orsi (autor da noveleta “Soylent Green is People!”);
Romeu Martins (conto “E Atenção: Notícia Urgente!”); Daniel Dutra (noveleta “Gary
Johnson”); e André Soares Silva (noveleta “Xibalba Sonha com o Oeste”).
Romeu não pôde
se engajar na mesa por questões de saúde familiar. Carlos topou, mas acabou não podendo
participar, porque sua esposa, Natalia Pasternak, foi convidada a depor hoje
cedo na CPI do Senado que tenta apurar as responsabilidades decorrentes de ações
e omissões no combate à pandemia Covid-19.
Daí, a escalação final da nossa mesa foi: André, Daniel e eu. A moderação ficou a cargo dos sócios da
ALCIFF Marcelo Novoa e Julio Maturana França, que também atuou como intérprete,
traduzindo nossas falas do português para o castelhano. Maturana é o responsável pelo canal do
Facebook, Salto Cuántico: el late de ciéncia ficción.
Como de
praxe, conectamo-nos vinte minutos antes do horário marcado (22h00 de Santiago;
23h00 pelo horário de Brasília), através do link do StreamYard que nos havia
sido previamente enviado via e-mail, a fim de possibilitar os testes e ajustes
habituais. Aproveitamos essa ocasião
para combinar a dinâmica da mesa-redonda com os dois moderadores.
Com duração de
oitenta e um minutos, o evento foi também veiculado no canal que a ALCIFF
mantém no Facebook:
* * *
Ao início dos
trabalhos, Marcelo falou de sua admiração pela pujança da literatura fantástica
brasileira. Declarou que, longe de ser
um mero subgênero da FC, o solarpunk também é um movimento cultural, ligado ao
ativismo ecológico. Em seguida nos provocou,
colocando que as propostas do solarpunk seriam, na verdade, muito antigas, por
se associarem às narrativas utópicas presentes na história e na literatura do
Ocidente desde a Renascença. Em minha
resposta, destaquei a diferença entre as propostas do movimento cultural e aquelas
do subgênero literário, pois esse, embora apresente narrativas em ambientes
autossustentáveis, precisa lidar com conflitos e dilemas inerentes à condição humana. Ou seja, narrativas otimistas, ma non
troppo. Ecotopia, sim. Utopia, não.
Em sua resposta, Daniel afirmou que o solarpunk chegou para fazer um contraponto
ao excesso de narrativas distópicas que se acumulou no imaginário literário e cinematográfico
nas últimas décadas. André concordou, colocando
que o solarpunk é uma lufada de ar fresco no cenário distópico reinante na literatura
fantástica atual e puxou o debate para a questão ecológica, afirmando que o ecoativismo
é uma questão de sobrevivência para a humanidade do século XXI.
Após cada uma
de nossas falas, Julio traduzia para o castelhano com proficiência e elegância.
Em seguida, Marcelo
trouxe a discussão do solarpunk em geral para as nossas narrativas publicadas
na antologia Solarpunk.
André falou
de “Xibalba Sonha com o Oeste”, uma bela história alternativa com temática instigante
e inovadora, ambientada numa linha histórica onde nossa civilização ocidental parece
ausente. Em plena Baía da Guanabara, ameríndios
tecnologicamente avançados, mas dependentes da civilização chinesa (navegantes
chineses teriam descoberto a América séculos atrás), exploram a energia dos relâmpagos
atmosféricos.
Daniel falou
de “Gary Johnson”, uma ficção científica de suspense, algo lovecraftiana e com
sabor de história alternativa ou, pelo menos, de história oculta, em que o padre
inventor brasileiro Roberto Landell de Moura desenvolve uma máquina capaz de
extrair energia vital dos seres humanos.
Em minha vez,
delineei a trama da novela “Azul Cobalto e o Enigma”. Ambientada na linha histórica alternativa dos
Três Brasis, em que a República de Palmares não só sobrevive como nação independente
como se torna a maior potência da Terra no século XXI. A narrativa aborda o conflito entre o
operativo brasileiro Azul Cobalto, trajado com uma superarmadura que o
transforma de Homem-de-Ferro tropical, e Enigma, o agente secreto imortal que
atua há séculos em prol dos interesses de Palmares em vários pontos dos Brasis,
do mundo e agora, do Sistema Solar. A ação
se desenrola num presente de cunho futurista, pois a ciência e a tecnologia se
desenvolveram mais rápido nessa linha histórica.
* *
*
Ao longo dessa
mesa, questões pertinentes levantadas por nossa plateia virtual pipocaram em
nossas telas. Infelizmente, não houve oportunidade
e tempo hábil para discuti-las amiúde. No
entanto, Marcelo releu algumas delas para nós.
Um comentário
que me chamou particularmente a atenção foi o de Maurício Bonham Almeida: “Hoje
vejo mais do que necessário histórias utópicas, nosso momento é muito distópico. Queremos mundos melhores, não perfeitos.”
Claudia Readi
dedilhou a mesma tecla: “¡Que necesario es mirar el futuro de manera
positiva! Sospecho que seré adicta a ese
tipo de lecturas. De distopias tuve
suficiente.😊”
A mesma Claudia
indagou sobre autores e obras no subgênero solarpunk. Respondi que, embora nossa antologia seja
considerada o marco zero literário do movimento cultural solarpunk, muito pouco
se publicou em português no subgênero desde então. Falei das outras antologias temáticas solarpunk
publicadas pela World Weaver Press, editora responsável pela publicação da edição
norte-americana da Solarpunk (2018).
Citei ainda a antologia de FC climática Everything Change: An Anthology
of Climate Fiction (2016), publicada sob os auspícios da Arizona State University
Press, mas falhei em lembrar o título de uma outra, bem mais interessante: Loosed
upon the World: The Saga Anthology of Climate Fiction (2015), organizada
por John Joseph Adams, com contos de Robert Silverberg; Nancy Kress; Kim
Stanley Robinson; Gregory Benford; Margaret Atwood; Alan Dean Foster; Paolo
Bacigalupi; Karl Schroeder; Jean-Louis Trudel; Charlie Jane Anders e outras
feras da FC anglo-saxã. Em minha defesa,
termos de Cli-Fi, ao menos me lembrei de citar o romance New York
2140 (2017), do Kim Stanley Robinson.
Enfatizei que não há muita coisa em português dentro do subgênero e, tanto
quanto eu sei, tampouco em castelhano.
* *
*
Em conclusão,
Marcelo pediu que falássemos um pouco de nosso engajamento pessoal com as propostas
do movimento cultural solarpunk. Em termos
gerais, confessamos nossa falta de um envolvimento maior com o ativismo ecológico. Declarei que me limito a pequenas atitudes individuais,
como votar em candidatos comprometidos com a defesa do meio ambiente; adotar a
coleta de lixo seletiva; usar quase que exclusivamente transporte público;
procurar me locomover a pé; e, à medida do possível, não desperdiçar energia e
evitar comer carne, sobretudo bovina. Por
fim, confessei que nossa filha caçula Ursulla é bem mais engajada com a preservação
da biosfera terrestre do que eu.
Em suma, uma
mesa-redonda divertida e estimulante, onde pudemos divulgar um pouco da ficção científica
brasileira, do solarpunk como movimento cultural e subgênero da literatura fantástica,
e dos nossos trabalhos.
Torço para
que essas iniciativas da ALCIFF tenham prosseguimento. Pois elas parecem prenunciar o advento de uma
literatura fantástica genuinamente pan-americana.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 11 de junho de 2021 (sexta-feira).
Participantes:
A. D. Luca.
André Soares
Silva (participante).
Claudia Readi.
Cristóbal
Villegas de la Cuadra.
Daisy Lodi Ribeiro.
Daniel I.
Dutra (participante).
Eduardo Massami
Kasse.
Felipe Tapia.
Gerson Lodi-Ribeiro
(participante).
Juan P. Cifuentes
Palma (organizador).
Julio Maturana
França (moderador).
Luiz Felipe Vasques
(Clube de Leitores de Ficção Científica).
Marcelo
Novoa (moderador).
Maurício Bonham
Almeida.
Vilker Martins.
[1]. Participei de
uma outra mesa da ALCIFF nesse mesmo canal coisa de três semanas atrás, Latinoamerica
Editada, sobre as perspectivas passadas e presentes da publicação de literatura
fantástica na América Latina. Esse evento
anterior se desenrolou em três sessões semanais com três editores de países distintos
em cada sessão. Minha participação se deu
na terceira e última sessão, como (Ano-Luz, Brasil), em companhia de Monica
Marchesky (MMEdiciones, Uruguai) e Iván Prado (Supernova, Bolívia). A moderação esteve a cargo dos autores
chilenos Cristóbal Villegas de la Cuadra e Leonardo Espinoza Benavides, através
dos quais eu tomei conhecimento da existência dessa entidade chilena. Falei um pouco da situação atual do mercado
editorial brasileiro no que tange a publicação de literatura fantástica e da
minha experiência pessoal como sócio da editora Ano-Luz.