segunda-feira, 14 de junho de 2021

 

Mesa-Redonda

Solarpunk

na ALCIFF

 

202106112359P6 — 22.253 D.V.


“O solarpunk pode ser um sopro de ar fresco no meio dessa realidade literária pessimista.”

[André Soares Silva]

 

“Queremos mundos melhores, não perfeitos.”

[Maurício Bonham Almeida]

 

Participei esta noite de uma mesa-redonda patrocinada pela Associación de Literatura de Ciencia Ficción y Fantástica Chilena (ALCIFF), dentro do ciclo Charlas de Ecoespeculación 2021.  Nossa mesa-redonda, “Solarpunk desde el Amazonas”, foi veiculada pelo canal da entidade no YouTube, Transmissiones Alciffianas[1]:

https://www.youtube.com/watch?v=ZR0emVj30zw&t=499s .

O convite inicial para a concretização dessa segunda mesa me foi apresentado por Juan P. Cifuentes Palma, um dos diretores da ALCIFF.  Ele me pediu que, à medida do possível, eu estendesse tal convite à participação de outros autores brasileiros associados ao subgênero solarpunk.  Naturalmente, pensei nos outros autores que participaram da antologia Solarpunk: Histórias ecológicas e fantásticas em um mundo sustentável (Draco, 2012), que organizei quase uma década atrás.  Porque, até onde eu sei, de lá para cá, não se publicou muita coisa solarpunk no país.

Chamada da mesa-redonda.

Neste sentido, convidei Carlos Orsi (autor da noveleta “Soylent Green is People!”); Romeu Martins (conto “E Atenção: Notícia Urgente!”); Daniel Dutra (noveleta “Gary Johnson”); e André Soares Silva (noveleta “Xibalba Sonha com o Oeste”).

Romeu não pôde se engajar na mesa por questões de saúde familiar.  Carlos topou, mas acabou não podendo participar, porque sua esposa, Natalia Pasternak, foi convidada a depor hoje cedo na CPI do Senado que tenta apurar as responsabilidades decorrentes de ações e omissões no combate à pandemia Covid-19.  Daí, a escalação final da nossa mesa foi: André, Daniel e eu.  A moderação ficou a cargo dos sócios da ALCIFF Marcelo Novoa e Julio Maturana França, que também atuou como intérprete, traduzindo nossas falas do português para o castelhano.  Maturana é o responsável pelo canal do Facebook, Salto Cuántico: el late de ciéncia ficción.

Como de praxe, conectamo-nos vinte minutos antes do horário marcado (22h00 de Santiago; 23h00 pelo horário de Brasília), através do link do StreamYard que nos havia sido previamente enviado via e-mail, a fim de possibilitar os testes e ajustes habituais.  Aproveitamos essa ocasião para combinar a dinâmica da mesa-redonda com os dois moderadores.

Com duração de oitenta e um minutos, o evento foi também veiculado no canal que a ALCIFF mantém no Facebook:

https://www.facebook.com/events/122098329996556?acontext=%7B%22event_action_history%22%3A[%7B%22surface%22%3A%22group%22%7D]%7D .

*     *      *

 

Ao início dos trabalhos, Marcelo falou de sua admiração pela pujança da literatura fantástica brasileira.  Declarou que, longe de ser um mero subgênero da FC, o solarpunk também é um movimento cultural, ligado ao ativismo ecológico.  Em seguida nos provocou, colocando que as propostas do solarpunk seriam, na verdade, muito antigas, por se associarem às narrativas utópicas presentes na história e na literatura do Ocidente desde a Renascença.  Em minha resposta, destaquei a diferença entre as propostas do movimento cultural e aquelas do subgênero literário, pois esse, embora apresente narrativas em ambientes autossustentáveis, precisa lidar com conflitos e dilemas inerentes à condição humana.  Ou seja, narrativas otimistas, ma non troppo.  Ecotopia, sim.  Utopia, não.  Em sua resposta, Daniel afirmou que o solarpunk chegou para fazer um contraponto ao excesso de narrativas distópicas que se acumulou no imaginário literário e cinematográfico nas últimas décadas.  André concordou, colocando que o solarpunk é uma lufada de ar fresco no cenário distópico reinante na literatura fantástica atual e puxou o debate para a questão ecológica, afirmando que o ecoativismo é uma questão de sobrevivência para a humanidade do século XXI.

Após cada uma de nossas falas, Julio traduzia para o castelhano com proficiência e elegância.

Em seguida, Marcelo trouxe a discussão do solarpunk em geral para as nossas narrativas publicadas na antologia Solarpunk.

André falou de “Xibalba Sonha com o Oeste”, uma bela história alternativa com temática instigante e inovadora, ambientada numa linha histórica onde nossa civilização ocidental parece ausente.  Em plena Baía da Guanabara, ameríndios tecnologicamente avançados, mas dependentes da civilização chinesa (navegantes chineses teriam descoberto a América séculos atrás), exploram a energia dos relâmpagos atmosféricos.

Daniel falou de “Gary Johnson”, uma ficção científica de suspense, algo lovecraftiana e com sabor de história alternativa ou, pelo menos, de história oculta, em que o padre inventor brasileiro Roberto Landell de Moura desenvolve uma máquina capaz de extrair energia vital dos seres humanos.

Em minha vez, delineei a trama da novela “Azul Cobalto e o Enigma”.  Ambientada na linha histórica alternativa dos Três Brasis, em que a República de Palmares não só sobrevive como nação independente como se torna a maior potência da Terra no século XXI.  A narrativa aborda o conflito entre o operativo brasileiro Azul Cobalto, trajado com uma superarmadura que o transforma de Homem-de-Ferro tropical, e Enigma, o agente secreto imortal que atua há séculos em prol dos interesses de Palmares em vários pontos dos Brasis, do mundo e agora, do Sistema Solar.  A ação se desenrola num presente de cunho futurista, pois a ciência e a tecnologia se desenvolveram mais rápido nessa linha histórica.

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Ao longo dessa mesa, questões pertinentes levantadas por nossa plateia virtual pipocaram em nossas telas.  Infelizmente, não houve oportunidade e tempo hábil para discuti-las amiúde.  No entanto, Marcelo releu algumas delas para nós.

Um comentário que me chamou particularmente a atenção foi o de Maurício Bonham Almeida: “Hoje vejo mais do que necessário histórias utópicas, nosso momento é muito distópico.  Queremos mundos melhores, não perfeitos.”

Claudia Readi dedilhou a mesma tecla: “¡Que necesario es mirar el futuro de manera positiva!  Sospecho que seré adicta a ese tipo de lecturas.  De distopias tuve suficiente.😊

A mesma Claudia indagou sobre autores e obras no subgênero solarpunk.  Respondi que, embora nossa antologia seja considerada o marco zero literário do movimento cultural solarpunk, muito pouco se publicou em português no subgênero desde então.  Falei das outras antologias temáticas solarpunk publicadas pela World Weaver Press, editora responsável pela publicação da edição norte-americana da Solarpunk (2018).  Citei ainda a antologia de FC climática Everything Change: An Anthology of Climate Fiction (2016), publicada sob os auspícios da Arizona State University Press, mas falhei em lembrar o título de uma outra, bem mais interessante: Loosed upon the World: The Saga Anthology of Climate Fiction (2015), organizada por John Joseph Adams, com contos de Robert Silverberg; Nancy Kress; Kim Stanley Robinson; Gregory Benford; Margaret Atwood; Alan Dean Foster; Paolo Bacigalupi; Karl Schroeder; Jean-Louis Trudel; Charlie Jane Anders e outras feras da FC anglo-saxã.  Em minha defesa, termos de Cli-Fi, ao menos me lembrei de citar o romance New York 2140 (2017), do Kim Stanley Robinson.  Enfatizei que não há muita coisa em português dentro do subgênero e, tanto quanto eu sei, tampouco em castelhano.

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Em conclusão, Marcelo pediu que falássemos um pouco de nosso engajamento pessoal com as propostas do movimento cultural solarpunk.  Em termos gerais, confessamos nossa falta de um envolvimento maior com o ativismo ecológico.  Declarei que me limito a pequenas atitudes individuais, como votar em candidatos comprometidos com a defesa do meio ambiente; adotar a coleta de lixo seletiva; usar quase que exclusivamente transporte público; procurar me locomover a pé; e, à medida do possível, não desperdiçar energia e evitar comer carne, sobretudo bovina.  Por fim, confessei que nossa filha caçula Ursulla é bem mais engajada com a preservação da biosfera terrestre do que eu.

Em suma, uma mesa-redonda divertida e estimulante, onde pudemos divulgar um pouco da ficção científica brasileira, do solarpunk como movimento cultural e subgênero da literatura fantástica, e dos nossos trabalhos.

Torço para que essas iniciativas da ALCIFF tenham prosseguimento.  Pois elas parecem prenunciar o advento de uma literatura fantástica genuinamente pan-americana.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 11 de junho de 2021 (sexta-feira).

 


Participantes:

A. D. Luca.

André Soares Silva (participante).

Claudia Readi.

Cristóbal Villegas de la Cuadra.

Daisy Lodi Ribeiro.

Daniel I. Dutra (participante).

Eduardo Massami Kasse.

Felipe Tapia.

Gerson Lodi-Ribeiro (participante).

Juan P. Cifuentes Palma (organizador).

Julio Maturana França (moderador).

Luiz Felipe Vasques (Clube de Leitores de Ficção Científica).

Marcelo Novoa (moderador).

Maurício Bonham Almeida.

Vilker Martins.

 



[1].  Participei de uma outra mesa da ALCIFF nesse mesmo canal coisa de três semanas atrás, Latinoamerica Editada, sobre as perspectivas passadas e presentes da publicação de literatura fantástica na América Latina.  Esse evento anterior se desenrolou em três sessões semanais com três editores de países distintos em cada sessão.  Minha participação se deu na terceira e última sessão, como (Ano-Luz, Brasil), em companhia de Monica Marchesky (MMEdiciones, Uruguai) e Iván Prado (Supernova, Bolívia).  A moderação esteve a cargo dos autores chilenos Cristóbal Villegas de la Cuadra e Leonardo Espinoza Benavides, através dos quais eu tomei conhecimento da existência dessa entidade chilena.  Falei um pouco da situação atual do mercado editorial brasileiro no que tange a publicação de literatura fantástica e da minha experiência pessoal como sócio da editora Ano-Luz.