terça-feira, 24 de maio de 2022

 Dragão Mecânico e os Novos Rumos da FCB”:

Entrevista no EscritaCast

 

202205230900P2 – 22.599 D.V.

 

“É como se a ficção científica brasileira houvesse se tornado uma espécie de patinho feio da literatura fantástica nacional”.

 

“Eu nem sabia que existia ficção científica brasileira.”

[Daniel A. Freire]

 

“Você pode abordar as questões culturais brasileiras mesmo sem ter personagens humanos como protagonistas.”

 

Pouco antes da viagem até Alto Paraíso de Goiás, fui convidado para uma nova entrevista com Newton Nitro e Carlos Rocha no podcast EscritaCast, iniciativa também refletida no YouTube.  É a segunda vez que compareço a esse canal.  A primeira foi no mês passado, no “EscritaCast # 15: Como Escrever Ficção Científica”.

Enfim, às 20h00 dessa última sexta-feira, a entrevista foi ao ar e sua versão youtúbica já se encontra disponível.[1]

Chamada para a entrevista “Coleção Dragão Mecânico e a Nova FCB”.

*     *      *

 

Como em minha participação anterior, essa entrevista se deu através de uma videochamada do Skype, retransmitida com um atraso de cerca de trinta segundos para o Youtube.  Após uns dez ou quinze minutos de bate-papo offline, onde Carlos e Newton elogiaram o bom desempenho da campanha de financiamento da Coleção Dragão Mecânico na Catarse, entramos no ar.  À semelhança do que aconteceu da outra vez, abri uma segunda tela com a retransmissão para o YouTube, com intenção de acompanhar o chat da plateia, mas praticamente não consegui visitá-la até o fim dos oitenta e dois minutos da transmissão.

Finda essa transmissão, nós três ainda permanecemos em papo offline por cerca de quinze minutos.

*     *      *

Iniciada a transmissão, após breves palavras de apresentação, Nitro pediu que eu explicasse a Coleção Dragão Mecânico para os ouvintes e seguidores.  Falei que ela se inspirou noutra coleção da Editora Draco, a Dragão Negro, que lançou seis romances curtos de horror em hardcover, com grandes autores do gênero, como Oscar Nestarez; Larissa Prado; Marcelo Galvão; e Cirilo S. Lemos.  À semelhança da coleção que a inspirou, a Dragão Mecânico também lançará seis romances curtos em capa dura, só que agora serão narrativas de ficção científica.  Comentei que torço para que essa coleção de FC seja o arauto de uma ressurgência da ficção científica brasileira, tendo em vista que esse gênero da literatura fantástica se encontra algo escanteado nos últimos anos.


Autores da Coleção Dragão Mecânico.

 

Em seguida, apresentei um panorama resumido da coleção, que abre com meu romance curto pandêmico Pecados Terrestres e com o Paradoxo de Theseus do Alexey Dodsworth; em seguida, lançará o romance de colonização estelar Silêncios Infinitos da Nikelen Witter e a narrativa cyberpunk Rio 60 Graus do Fábio Fernandes; e se concluirá com os trabalhos Um Milhão de Mim do Cirilo S. Lemos e o Solitude do Erick Santos Cardoso.  Também esclareci que a campanha total dos seis livros se divide em três subcampanhas de dois livros cada.  Carlos comentou que a campanha está indo muito bem, já tendo superado os 270% de apoio e entrado da fase de metas estendidas.

Nesse ponto da entrevista, por volta dos catorze minutos de transmissão, Nitro passou o filmete que Raphael Fernandes preparou para a Draco, anunciando o lançamento da Dragão Mecânico, com direito a depoimentos meu e do Alexey Dodsworth falando um pouco dos nossos romances.

*     *      *

 

Concluída a exibição do filmete, Nitro me pediu para falar do Pecados Terrestres.

Comecei pela gênese desse romance, escrito a partir de uma solicitação da própria Editora Draco efetuada em 2019, oito meses antes da eclosão da Covid-19 e que acabou sendo escrito no ano I da Pandemia, caracterizando-se, portanto, como um romance pandêmico de ficção científica.  Afirmei que, firulas à parte, Pecados é a história do pobre menino rico Ricardo Mendonça.  Ou, como seus amigos preferem, “Ricky Cabeção”, um garoto que teria tudo a seu favor para desfrutar de uma existência plena e feliz.

Teria, se houvesse nascido em outra época.

Porque Cabeção veio ao mundo em plena hecatombe ambiental, um futuro próximo em que a elevação do nível dos oceanos alagou a cidade do Rio de Janeiro; a Terceira Guerra Mundial arrasou o que restava da Amazônia; pragas diversas dizimam as colheitas de cereais; e a Covid-91 ameaça extinguir a vida humana na Terra.  O segmento da humanidade que emigrou para o Espaço já considera nosso planeta um caso perdido.

Como seus irmãos e a maioria dos seus amigos, Ricky recebeu um tratamento pré-natal que incrementou sua inteligência.  Nada que se compare aos recursos da gengenharia disponíveis às elites espaciais que floresceram acima das nossas cabeças.  Mas, de todo modo, um incremento.

Daí, como garoto inteligente que é, Ricky começa a desconfiar que os espaciais estão certos: esta crise global é uma parada grande demais para seus pais e a civilização terrestre superarem.

Anúncio de Pecados Terrestres na Coleção Dragão Mecânico.

Com essa deixa, Nitro indagou sobre as nuances e dificuldades em se trabalhar com personagens extremamente inteligentes, como Ricky e seus amiguinhos.  Expliquei que, conquanto muito inteligentes, os personagens juvenis de Pecados Terrestres não representaram um desafio muito grande quando comparados a outros que criei em algumas tramas de futuro remoto.  Sugeri que o personagem de uma hiperentidade hipotética talvez devesse falar de um jeito algo genérico, a fim de não denunciar a falta de genialidade extrema do autor.😉  Neste sentido, a superinteligência se expressaria mais como um filósofo do que como um cientista.  Nitro aproveitou a oportunidade para apresentar os diversos tipos de inteligência sobre-humana disponíveis aos autores de ficção científica.


Capa de Pecados Terrestres.

Ele também perguntou sobre até que ponto escrever durante a pandemia da Covid-19 influenciou a narrativa.  Confessei que influenciou bastante, inclusive, fazendo-me criar a Covid-91, uma moléstia virótica tão infecciosa quanto o sarampo e tão letal quanto o ebola.

Carlos comentou acreditar que a Dragão Mecânico constituirá uma bela porta de entrada para os leitores interessados em conhecer um pouco mais sobre a ficção científica brasileira.

*     *      *

 

Aos trinta e seis minutos de transmissão, Newton Nitro indagou sobre minha visão sobre os rumos da FCB, recomendando aos interessados em saber mais sobre a história dos eventos de gênero da literatura fantástica no Brasil a consulta a meu blogue de eventos, Crônicas da Ficção Científica Brasileira (http://alternative-highwayman.blogspot.com).

Daí, meio de brincadeira, meio a sério, apresentei um apanhado histórico resumido, inspirado na evolução da vida na Terra.

Neste sentido, não comecei com a origem da vida da Terra, mas sim no período dos autores pré-cambrianos, como Jeronymo Monteiro; André Carneiro; Rubens Teixeira Scavone etc.  Daí, passei aos autores do Período Triássico da FCB: Bráulio Tavares; José dos Santos Fernandes; Jorge Luiz Calife etc.  Então, a minha própria época geológica, os autores jurássicos, Fábio Fernandes; Roberto de Sousa Causo; Carlos Orsi Martinho; Gerson Lodi-Ribeiro etc.  Depois, veio a garotada sauriana do Cretáceo: Octavio Aragão; Nikelen Witter; Flávio Medeiros; Cristina Lasaitis etc.  Finda a Era Mesozoica, também conhecida como Idade dos Dinossauros, ingressamos nos autores modernos ou, em termos geológicos, a Terra Mamífera: Cirilo S. Lemos; Alexey Dodsworth; Lady Sybylla; Ricardo Labuto Gondim; Jean Gabriel Álamo etc.  E, finalmente, os autores contemporâneos do Pleistoceno: autores da FCB que vêm publicando em revistas, como a Trasgo, a Mafagafo e a Escambanáutica.

*     *      *

 

Aos quarenta um minutos de transmissão, começamos a falar de temas e modos da ficção científica brasileira.  Comentei que a FCB atual tende a ambientar suas narrativas mais na Terra do que no Espaço, embora essa tendência seja contrariada em vários títulos da própria Dragão Mecânico.

Em seguida, falamos do emprego das temáticas brasileiras em geral e da questão da brasilidade em particular.  Argumentei que parece mais fácil abordar temáticas brasileiras de maneira explícita em narrativas de futuro próximo.  No entanto, também é possível abordá-las em futuros remotos, desde que o autor adote estratégias narrativas mais sutis.  Exemplifiquei com as histórias do meu universo ficcional Tramas de Ahapooka, nas quais as culturas estelares humanas que articulam o “looson” (derivado do português) se miscigenam mais com as culturas alienígenas do que as culturas humanas que têm o “ânglico” como vernáculo principal.  Afirmei que é possível abordar a questão cultural brasileira em futuros remotos e fui mais longe, ao advogar que é possível abordá-la até mesmo em narrativas em que não haja protagonistas humanos.

Carlos indagou sobre como ambientar protagonistas brasileiros num cenário de futuro próximo, quando sabemos ou sentimos que nós brasileiros não somos e, provavelmente, não seremos protagonistas do progresso tecnológico.  Defendi a existência de várias soluções para o dilema da Periferia do Império, que é como a comunidade de ficção científica portuguesa batizou esse fenômeno.  A solução mais óbvia é o emprego de cenários de história alternativa.  Uma solução forçada foi a que adotei no romance Estranhos no Paraíso (Draco, 2015): um cenário pós-holocausto em que os brasileiros saem por cima, por assim dizer.  Outra solução é ambientar a narrativa futurista na referida periferia do império.  Ainda outra é propor a existência de um pequeno enclave brasileiro numa futura colônia humana em Marte ou em Alpha Centauri.

Nitro indagou sobre o papel da ficção científica em inspirar ou estimular a paixão pela ciência nos espíritos dos jovens.  Argumentei que, mesmo excluindo aquelas visões vernianas e gernbackianas ingênuas do início do século passado, ainda há espaço para se empregar a ficção científica como ferramenta para despertar o interesse do jovem pela ciência.  Aliás, essa é uma proposta acadêmica séria já adotada em vários países, inclusive, o Brasil.

*     *      *

 

Na categoria de dicas e sugestões aos aspirantes a escritores de ficção científica, advoguei que não é necessário ao autor de FC – mesmo de FC hard – ser doutorado pelo M.I.T. ou pós-graduado em Física de Partículas em Princeton.  Em primeiro lugar, porque nem toda FC é hard.  Meu autor favorito, Clifford D. Simak, por exemplo, não escrevia FC hard.  Em segundo lugar e mais importante, cabe ao autor em potencial fazer seu dever de casa, por assim dizer, dentro da temática que pretende abordar, além de se tornar consumidor frequente de publicações de divulgação científica e documentários científicos, tanto na TV a cabo quanto no YouTube.  A título de exemplo, recomendei o canal Ciência Todo Dia.

Em seguida, a título de exemplo, citei um ou dois errinhos mais ou menos óbvios que autores de FC hard deveriam evitar cometer.  Lembrar que ambientes diferentes estão submetidos a campos gravitacionais de intensidades diferentes, levando os personagens a se movimentar de maneiras distintas, a depender da gravitação reinante na cena descrita; lembrar que explosões no espaço interplanetário são necessariamente silenciosas; e por aí vai...😊

Rememorando os clássicos como Duna de Frank Herbert e Neuromancer de William Gibson, Nitro, Carlos e eu concordamos que, não obstante as roupagens e ambientações futuristas, o escritor de FC escreve para o público da sua própria época.  Comentei sobre a conveniência de se escrever tramas com várias camadas narrativas, não só para agradar diversos tipos de leitores como também a fim de conseguir resistir melhor ao desafio da passagem do tempo, que tende a tornar as obras literárias obsoletas.

Quase ao fim da entrevista, aos setenta e nove minutos de transmissão, comentamos sobre a acessibilidade dos autores de ficção científica e o bom diálogo que eles costumam manter com os leitores.  Boa relação essa que constitui uma tradição dentro da comunidade de ficção científica em âmbito mundial e não mero fenômeno sociológico restrito ao fandom local.

*     *      *

 

No papo offline que rolou após o fim da entrevista, aventamos a possibilidade de um novo EscritaCast para falar sobre a história da FCB.

Vamos ver se rola.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 23 de maio de 2022 (segunda-feira).

 


Participantes:

Ayahuasca Baixada Santista.

Bunddermeyer RPG.

Carlos Rocha (EscritaCast).

Cláudia Quevedo Lodi.

Daniel A. Freire.

Eduardo Massami Kasse.

Eduardo Torres.

E.F.G. Parise.

Elaine Dungeon.

Fairplay.

Gerson Lodi-Ribeiro.

Gílson Luís Cunha (Café Neutrino).

Hidemberg Alves da Frota.

Iniciativa RPG.

Lilian Abrahão.

Lucas Rosalem.

Maria SOP.

Mono no Aware.

Newton Nitro (EscritaCast).

Nih Ramoss.

Roberto de Sousa Causo.

Vitor Schmidt.



[1]https://www.youtube.com/watch?v=BMriY8eKKUM  À época da conclusão desta crônica está com cento e dezenove visualizações.