quinta-feira, 25 de agosto de 2022

 Entrevista sobre FCB

ao Canal da Lu Evans

 

202208241630P4 – 23.692 D.V.

 

“Minha casa está parecendo um apartamento ucraniano.  É como se tivesse explodido uma bomba lá dentro.”

 

“Até que você fica mais bonito como Carla.”

[Marcelo Oliveira]

 

Ontem à tarde, por volta das 18h00, fui surpreendido por um zap da amiga Ana Lúcia Merege em que ela avisava à galera sobre uma live em que eu entraria no ar ontem à noite no canal de YouTube da autora e antologista Lu Evans.  Senti um arrepio de pânico.  Pois, ao que me constava, a data combinada para a entrevista referida seria na próxima sexta-feira, dia 26.

Entrei em contato com a Lu via Messenger do Facebook e ela confirmou:

— É hoje mesmo, daqui a menos de duas horas.

Corri até nossa troca de mensagens anterior e verifiquei que ela estava correta.  Corretíssima!  Minha entrevista foi marcada para ontem à noite e eu agendei o compromisso errado no calendário do smartphone.  Alegre e pimpão, julgava ainda ter três dias inteirinhos a fim de me preparar para o evento.

Enfim, o lado bom foi que eu não tinha qualquer compromisso inadiável e pude me preparar às pressas para entrar no ar.  Após uma barba-relâmpago, passei a mão no fone de ouvido e em tudo o que publiquei e que estivesse disponível aqui na casa da minha mãe, pois Lu havia combinado que eu poderia mostrá-los.  Preparar uma apresentação em PowerPoint?  Nem pensar.  Quanto muito, consegui postar o link do evento em meia dúzia de grupos do WhatsApp e no grupo da editora Histórias Incompletas no Telegram.  Também anunciei no Facebook e reinicializei meu micro, just in case.

Enfim, às 19h50 me conectei pelo link que a Lu havia enviado previamente pelo Messenger e lhe pedi mil desculpas pela confusão.  Percebi que ela se sentiu aliviada (e algo incrédula) por eu ter logrado comparecer a tempo de participar da entrevista.

Apesar da correria e do estresse, tudo acabou correndo bem.  Às 20h00 em ponto a entrevista foi ao ar e sua versão youtúbica já se encontra disponível.[1]

Claro que já não tenho tanto cabelo escuro quanto nessa foto antiga...😊

Chamada para a entrevista sobre Ficção Científica Brasileira no canal da Lu Evans.

*     *      *

 

Já em nossas primeiras palavras no ar, antes mesmo da minha apresentação, comentamos a confusão de horários que cometi.

Em verdade, essa entrevista é parte de um trabalho que Lu Evans tem feito em seu canal, convidando vários dos autores brasileiros que participarão da antologia Fator Morus, que ela organiza pelo selo Nebula.  Esta semana fui a bola da vez.  Essa é a segunda antologia organizada por Lu de que participo.  A anterior foi Não Existem Humanos Inteligentes (Nebula, 2021), na qual publiquei o conto escrito especialmente para a missão: “Macacos Nus”.[2]

Um ponto muito positivo em participar dessa live com a Lu foi sua atitude extremamente profissional de me enviar previamente um roteiro detalhado dos tópicos que deveríamos abordar.  Infelizmente, não tive tempo de relê-lo, uma vez que me equivoquei, julgando que a entrevista só se daria na sexta-feira.

A primeira pergunta da Lu foi sobre como comecei a escrever.  Respondi que, como sempre gostei de contar histórias, assim que me alfabetizaram comecei a registrar minhas aventuras infantis sob a forma de protocrônicas pessoais.  Até hoje registro em crônicas os fatos e acontecimentos marcantes da minha vida.  Em seguida, confessei que só me iniciei na ficção vários anos mais tarde, por volta dos treze anos.  A partir de uma pergunta feita por Saulo Adami, presente em nossa pequena, mas participativa, plateia virtual no YouTube, esclareci que comecei a escrever contos e não novelas ou romances, porque era o que se conseguia publicar nos fanzines na década de 1980.  Contos de ficção científica, pois esse era, sempre foi e será meu gênero literário favorito.

Em seguida, abordamos a paixão pelos livros, impressos e digitais, bem como a falsa dicotomia ou o falso dilema entre mídias físicas e digitais.  Esse tema de nossas paixões literárias ressurgiria diversas vezes ao longo da entrevista.

Aos dezesseis minutos (a live durou pouco mais de setenta minutos), Lu pediu que eu falasse e mostrasse meus livros.  No quesito antologias, limitei-me a mostrar a de contos eróticos fantásticos Como Era Gostosa a Minha Alienígena! (Ano-Luz, 2002), pois foi a única que consegui achar assim, de bate-pronto, aqui na casa da minha mãe.  Daí, passei às coletâneas de ficção curta, mostrando a Taikodom: Crônicas (Devir, 2009), com narrativas (inclusive duas novelas) ambientadas no universo ficcional homônimo, que criei para a Hoplon Infotainment; e a Histórias de Ficção Científica por Carla Cristina Pereira (Draco, 2012), na qual consegui reunir as narrativas originalmente escrita sob meu pseudônimo feminino “Carla Pereira”.[3]   Então, falei e exibi as capas dos romances que publiquei pela Draco, A Guardiã da Memória (2011); Aventuras do Vampiro de Palmares (2014); Estranhos no Paraíso (2015); e Octopusgarden (2017)[4].  Enfim, falei de meus dois livros de não-ficção: Vita Vinum Est!: História do Vinho no Mundo Romano (MauadX, 2016); e Cenários de História Alternativa (Amazon, 2019).  Lu elogiou bastante a bela capa psicodélica feita por Erick Cardoso para o Octopusgarden.  Quando ela falou que compraria esse romance, aproveitei o ensejo para explicar que ele se passa no mesmo U.F. Tramas de Ahapooka de A Guardiã da Memória e funciona como uma espécie de “prequela” do mesmo.  Afinal, a pré-adolescente Clara, que só aparece em “A Filha do Predador”, espécie de faixa-bônus presente no fim do Octopusgarden, ao se tornar adulta vira narradora e protagonista de A Guardiã da Memória.

Enquanto isso, na plateia virtual do YouTube, meus parceiros na Onde Não Mais, Thayane Dantas e Marcelo Oliveira estabeleciam uma tabelinha profícua e salutar com o intuito de reclamar que não eu explico direito meus enredos.😊

*     *      *

 

A pedido da anfitriã, falei mais uma vez sobre minhas motivações para criar aquela que talvez tenha sido a personagem mais convincente da minha carreira: Carla Cristina Pereira (1995-2009).  Revelei ter obtido a inspiração inicial para a criação da Carla num ensaio que li sobre a autora norte-americana Alice Sheldon, mais conhecida por seu pseudônimo masculino “James Tiptree, Jr.”[5].  Em realidade, a motivação principal para a existência da Carla foi escoar minha produção de ficção curta no fim da última década do século passado, sobretudo, nas antologias da Ano-Luz e da associação portuguesa de FC&F, a Simetria.  Da plateia, o amigo Gílson Cunha comentou que “pseudônimos são um bom meio de escrever livremente sem precisar morar num bunker”.  Mencionei que, enquanto viva, Carla foi agraciada com mais prêmios literários do que eu.  Contudo, não foi por despeito que resolvi exterminá-la, mas sim por conta do vil metal: assumi que fui ela quando precisei assinar um contrato de publicação de um romance curto que, em tese, ela teria escrito.[6]

Em seguida, Lu pediu que eu falasse um pouco sobre o subgênero da história alternativa.

Capa da coletânea da “Carla”.  Reparem quem aparece de ponta-cabeça!

*     *      *

 

Comecei pela pergunta do Saulo Adami sobre as origens da história alternativa.

A título de preâmbulo, conceituei brevemente a narrativa de H.A. dentro do âmbito da ficção científica, procurando distinguir as vertentes ficcional (histórias alternativas propriamente ditas) da não ficcional (ucronias ou histórias contrafactuais).  Falei que a origem das contrafactuais talvez esteja na própria História de Roma, de Tito Lívio, ao passo que a origem ficcional se deu com a publicação em francês em 1836 do romance The Napoleon Apocryphal – duas obras que destrincho pormenorizadamente em meu Cenários de História Alternativa.😉

Ainda no âmbito da história alternativa, delineei um romance curto, Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas (Draco, 2009), cuja capa não pude mostrar, pois não o encontrei aqui na casa da minha mãe.  Frisei que as primeiras narrativas dentro dessa linha histórica alternativa foram publicadas sob o pseudônimo de Carla Pereira.

Em seguida, Lu me pediu dicas para escrever dentro desse subgênero.  Aproveitei para pincelar os conceitos de ponto de divergência, LHA, passados alternativos e presentes alternativos.  Também comentei brevemente sobre os pecadilhos, armadilhas e falácias que devem ser evitados por autores que almejam se aventurar no subgênero.

Durante esse trecho da entrevista, em que falamos sobre histórias alternativas, Saulo Adami declarou da plateia que essa foi uma das melhores entrevistas que ele assistiu e não apenas no canal da Lu Evans.  Minha mãe depois comentaria que eu ruborizava sempre que recebia um elogio.  Mãe é mãe, né?😊

Ao ser questionado pelo Gílson Cunha sobre qual seria meu romance de história alternativa favorito, saquei da manga o magnífico The Guns of the South (1992) do Harry Turtledove, salientando, entretanto, que se perguntado daqui a uma semana ou um mês, a resposta talvez fosse diferente, dada a quantidade imensa de narrativas excelentes dentro do subgênero.

*     *      *

 

Mudando de assunto, Lu pediu que eu comentasse sobre o conto “Macacos Nus”, publicado na Não Existem Humanos Inteligentes.  Relatei que a maioria dos personagens dessa ficção curta não são humanos, embora sejam primatas racionais oriundos de outras Terras, situadas em linhas históricas alternativas.  Nesse sentido, o conto possui elementos de história natural alternativa, ainda que eu não o classifique como H.A.

Em seguida, falamos um pouco sobre a antologia Fator Morus, prestes a ser publicada no selo Nebula.  Comentei que, conquanto não haja personagens humanos em meu conto “Aula Prática”, a humanidade é tópico de uma aula de história galáctica ministrada numa universidade alienígena.  Mencionei a semelhança circunstancial entre essa narrativa e o conto de história natural alternativa “The Genetics Lecture” (2005) do Turtledove, publicado originalmente na revista Analog e mais tarde republicado nas coletâneas do autor, Atlantis and Other Places (Roc Books, 2010) e The Best of Harry Turtledove (Subterranean Press, 2021).[7]  Sem revelar qualquer spoiler, Lu confessou que o fim do “Aula Prática” tem uma pegada que a deixou algo revoltada.  Torço para que os leitores se sintam tão chocados quanto ela!

*     *      *

 

Enfim, já perto do término da entrevista (63 minutos), a partir de uma pergunta da Lu sobre a presença de elementos de história alternativa em muito do que eu escrevo, comentei o romance curto distópico Pecados Terrestres, uma narrativa infantojuvenil sem tatibitate que será publicado pela Draco nas próximas semanas.  Após uma pincelada célere por alguns dos U.F. em que venho trabalhando nos últimos anos[8], falo do romance pandêmico em si, onde tudo dá errado para a civilização global terrestre, numa narrativa apresentada por Ricardo Mendonça, vulgo “Cabeção”, e ambientada no U.F. Humanosfera.  Comentei ainda que a maioria dos contos, noveletas e romances que escrevo é ambientada em universos ficcionais extensos, que acabei revisitando várias vezes ao longo da carreira literária.


Capa de Pecados Terrestres.

 

Resumo da ópera: mais uma live divertida em que pude abordar vários dos meus assuntos favoritos: ficção científica; história alternativa; paixão pelos livros; atividade & carreira literárias e outros bichos mais.

Tudo graças à amiga Lu Evans.

Tijuca, Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2022 (quarta-feira).

 


Participantes:

Ana Lúcia Merege.

Daisy Lodi Ribeiro.

Gerson Lodi-Ribeiro.

Gílson Luís Cunha (Café Neutrino).

Lu Evans (Anfitriã).

Marcelo Oliveira (Histórias Incompletas).

Matheus Lima.

Rafael Bertozzo Duarte.

Rubens Angelo.

Saulo Adami.

Thayane Dantas (Histórias Incompletas).



[1]https://www.youtube.com/watch?v=zOsBoK4ueas .  À época da conclusão desta crônica estava com trinta e sete visualizações.

[2].  Lu Evans alcançou a marca surpreendente de 24 (vinte e quatro!) antologias organizadas ou coorganizadas entre 2019 e 2022.

[3].  Nesse trecho da live, Marcelo Oliveira, meu parceiro na antologia Onde Não Mais, que deverá ser lançada pela editora Histórias Incompletas em 2023, comentou que fiquei mais bonito como Carla, referindo-se à capa da coletânea, elaborada por meu amigo, o publisher da Draco, Erick Cardoso.

[4].  Ao falar do Octopusgarden, mencionei que a maioria dos personagens desse romance não são humanos, mas sim dolfinos (mamíferos racionais gengendrados pela humanidade a partir dos genomas de golfinhos terrígenas) e cefalópodes alienígenas (nativos do planeta oceânico cedido por nossa espécie aos dolfinos).

[5].  Siegel, Mark: “Love Was the Plan, the Plan Was…  A True Story About James Tiptree, Jr.”, in Foundation 44 (Inverno, 1989).

[6]. À guisa de perdão pela “morte” da Carla, segue a dedicatória na coletânea supracitada: “Para todos(as) aqueles(as) que curtiram os trabalhos da Carla, para aqueles(as) que se afirmaram atraídos(as) por ela e, sobretudo, para aqueles(as) poucos(as) que souberam manter o segredo, com minhas desculpas por ter enfim decidido acabar com ela...”

[7].  Nessa narrativa do papa do subgênero, cujo ponto de divergência se situa mais de quinhentos milhões de anos atrás, moluscos terrígenas evoluem para ocupar os nichos ecológicos que em nossa linha natural foram ocupados por nós, vertebrados.  Aliás, em meio à aula, o Professor Cthulhu admoesta seu discípulo Nyarlathotep ao afirmar que considera bastante improvável que qualquer outro filo zoológico que não o dos moluscos evoluísse até a racionalidade.

[8].  Sobretudo, o Tramas de Ahapooka; o Três Brasis (Vampiro de Palmares); e o Xochiquetzal.

terça-feira, 24 de maio de 2022

 Dragão Mecânico e os Novos Rumos da FCB”:

Entrevista no EscritaCast

 

202205230900P2 – 22.599 D.V.

 

“É como se a ficção científica brasileira houvesse se tornado uma espécie de patinho feio da literatura fantástica nacional”.

 

“Eu nem sabia que existia ficção científica brasileira.”

[Daniel A. Freire]

 

“Você pode abordar as questões culturais brasileiras mesmo sem ter personagens humanos como protagonistas.”

 

Pouco antes da viagem até Alto Paraíso de Goiás, fui convidado para uma nova entrevista com Newton Nitro e Carlos Rocha no podcast EscritaCast, iniciativa também refletida no YouTube.  É a segunda vez que compareço a esse canal.  A primeira foi no mês passado, no “EscritaCast # 15: Como Escrever Ficção Científica”.

Enfim, às 20h00 dessa última sexta-feira, a entrevista foi ao ar e sua versão youtúbica já se encontra disponível.[1]

Chamada para a entrevista “Coleção Dragão Mecânico e a Nova FCB”.

*     *      *

 

Como em minha participação anterior, essa entrevista se deu através de uma videochamada do Skype, retransmitida com um atraso de cerca de trinta segundos para o Youtube.  Após uns dez ou quinze minutos de bate-papo offline, onde Carlos e Newton elogiaram o bom desempenho da campanha de financiamento da Coleção Dragão Mecânico na Catarse, entramos no ar.  À semelhança do que aconteceu da outra vez, abri uma segunda tela com a retransmissão para o YouTube, com intenção de acompanhar o chat da plateia, mas praticamente não consegui visitá-la até o fim dos oitenta e dois minutos da transmissão.

Finda essa transmissão, nós três ainda permanecemos em papo offline por cerca de quinze minutos.

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Iniciada a transmissão, após breves palavras de apresentação, Nitro pediu que eu explicasse a Coleção Dragão Mecânico para os ouvintes e seguidores.  Falei que ela se inspirou noutra coleção da Editora Draco, a Dragão Negro, que lançou seis romances curtos de horror em hardcover, com grandes autores do gênero, como Oscar Nestarez; Larissa Prado; Marcelo Galvão; e Cirilo S. Lemos.  À semelhança da coleção que a inspirou, a Dragão Mecânico também lançará seis romances curtos em capa dura, só que agora serão narrativas de ficção científica.  Comentei que torço para que essa coleção de FC seja o arauto de uma ressurgência da ficção científica brasileira, tendo em vista que esse gênero da literatura fantástica se encontra algo escanteado nos últimos anos.


Autores da Coleção Dragão Mecânico.

 

Em seguida, apresentei um panorama resumido da coleção, que abre com meu romance curto pandêmico Pecados Terrestres e com o Paradoxo de Theseus do Alexey Dodsworth; em seguida, lançará o romance de colonização estelar Silêncios Infinitos da Nikelen Witter e a narrativa cyberpunk Rio 60 Graus do Fábio Fernandes; e se concluirá com os trabalhos Um Milhão de Mim do Cirilo S. Lemos e o Solitude do Erick Santos Cardoso.  Também esclareci que a campanha total dos seis livros se divide em três subcampanhas de dois livros cada.  Carlos comentou que a campanha está indo muito bem, já tendo superado os 270% de apoio e entrado da fase de metas estendidas.

Nesse ponto da entrevista, por volta dos catorze minutos de transmissão, Nitro passou o filmete que Raphael Fernandes preparou para a Draco, anunciando o lançamento da Dragão Mecânico, com direito a depoimentos meu e do Alexey Dodsworth falando um pouco dos nossos romances.

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Concluída a exibição do filmete, Nitro me pediu para falar do Pecados Terrestres.

Comecei pela gênese desse romance, escrito a partir de uma solicitação da própria Editora Draco efetuada em 2019, oito meses antes da eclosão da Covid-19 e que acabou sendo escrito no ano I da Pandemia, caracterizando-se, portanto, como um romance pandêmico de ficção científica.  Afirmei que, firulas à parte, Pecados é a história do pobre menino rico Ricardo Mendonça.  Ou, como seus amigos preferem, “Ricky Cabeção”, um garoto que teria tudo a seu favor para desfrutar de uma existência plena e feliz.

Teria, se houvesse nascido em outra época.

Porque Cabeção veio ao mundo em plena hecatombe ambiental, um futuro próximo em que a elevação do nível dos oceanos alagou a cidade do Rio de Janeiro; a Terceira Guerra Mundial arrasou o que restava da Amazônia; pragas diversas dizimam as colheitas de cereais; e a Covid-91 ameaça extinguir a vida humana na Terra.  O segmento da humanidade que emigrou para o Espaço já considera nosso planeta um caso perdido.

Como seus irmãos e a maioria dos seus amigos, Ricky recebeu um tratamento pré-natal que incrementou sua inteligência.  Nada que se compare aos recursos da gengenharia disponíveis às elites espaciais que floresceram acima das nossas cabeças.  Mas, de todo modo, um incremento.

Daí, como garoto inteligente que é, Ricky começa a desconfiar que os espaciais estão certos: esta crise global é uma parada grande demais para seus pais e a civilização terrestre superarem.

Anúncio de Pecados Terrestres na Coleção Dragão Mecânico.

Com essa deixa, Nitro indagou sobre as nuances e dificuldades em se trabalhar com personagens extremamente inteligentes, como Ricky e seus amiguinhos.  Expliquei que, conquanto muito inteligentes, os personagens juvenis de Pecados Terrestres não representaram um desafio muito grande quando comparados a outros que criei em algumas tramas de futuro remoto.  Sugeri que o personagem de uma hiperentidade hipotética talvez devesse falar de um jeito algo genérico, a fim de não denunciar a falta de genialidade extrema do autor.😉  Neste sentido, a superinteligência se expressaria mais como um filósofo do que como um cientista.  Nitro aproveitou a oportunidade para apresentar os diversos tipos de inteligência sobre-humana disponíveis aos autores de ficção científica.


Capa de Pecados Terrestres.

Ele também perguntou sobre até que ponto escrever durante a pandemia da Covid-19 influenciou a narrativa.  Confessei que influenciou bastante, inclusive, fazendo-me criar a Covid-91, uma moléstia virótica tão infecciosa quanto o sarampo e tão letal quanto o ebola.

Carlos comentou acreditar que a Dragão Mecânico constituirá uma bela porta de entrada para os leitores interessados em conhecer um pouco mais sobre a ficção científica brasileira.

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Aos trinta e seis minutos de transmissão, Newton Nitro indagou sobre minha visão sobre os rumos da FCB, recomendando aos interessados em saber mais sobre a história dos eventos de gênero da literatura fantástica no Brasil a consulta a meu blogue de eventos, Crônicas da Ficção Científica Brasileira (http://alternative-highwayman.blogspot.com).

Daí, meio de brincadeira, meio a sério, apresentei um apanhado histórico resumido, inspirado na evolução da vida na Terra.

Neste sentido, não comecei com a origem da vida da Terra, mas sim no período dos autores pré-cambrianos, como Jeronymo Monteiro; André Carneiro; Rubens Teixeira Scavone etc.  Daí, passei aos autores do Período Triássico da FCB: Bráulio Tavares; José dos Santos Fernandes; Jorge Luiz Calife etc.  Então, a minha própria época geológica, os autores jurássicos, Fábio Fernandes; Roberto de Sousa Causo; Carlos Orsi Martinho; Gerson Lodi-Ribeiro etc.  Depois, veio a garotada sauriana do Cretáceo: Octavio Aragão; Nikelen Witter; Flávio Medeiros; Cristina Lasaitis etc.  Finda a Era Mesozoica, também conhecida como Idade dos Dinossauros, ingressamos nos autores modernos ou, em termos geológicos, a Terra Mamífera: Cirilo S. Lemos; Alexey Dodsworth; Lady Sybylla; Ricardo Labuto Gondim; Jean Gabriel Álamo etc.  E, finalmente, os autores contemporâneos do Pleistoceno: autores da FCB que vêm publicando em revistas, como a Trasgo, a Mafagafo e a Escambanáutica.

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Aos quarenta um minutos de transmissão, começamos a falar de temas e modos da ficção científica brasileira.  Comentei que a FCB atual tende a ambientar suas narrativas mais na Terra do que no Espaço, embora essa tendência seja contrariada em vários títulos da própria Dragão Mecânico.

Em seguida, falamos do emprego das temáticas brasileiras em geral e da questão da brasilidade em particular.  Argumentei que parece mais fácil abordar temáticas brasileiras de maneira explícita em narrativas de futuro próximo.  No entanto, também é possível abordá-las em futuros remotos, desde que o autor adote estratégias narrativas mais sutis.  Exemplifiquei com as histórias do meu universo ficcional Tramas de Ahapooka, nas quais as culturas estelares humanas que articulam o “looson” (derivado do português) se miscigenam mais com as culturas alienígenas do que as culturas humanas que têm o “ânglico” como vernáculo principal.  Afirmei que é possível abordar a questão cultural brasileira em futuros remotos e fui mais longe, ao advogar que é possível abordá-la até mesmo em narrativas em que não haja protagonistas humanos.

Carlos indagou sobre como ambientar protagonistas brasileiros num cenário de futuro próximo, quando sabemos ou sentimos que nós brasileiros não somos e, provavelmente, não seremos protagonistas do progresso tecnológico.  Defendi a existência de várias soluções para o dilema da Periferia do Império, que é como a comunidade de ficção científica portuguesa batizou esse fenômeno.  A solução mais óbvia é o emprego de cenários de história alternativa.  Uma solução forçada foi a que adotei no romance Estranhos no Paraíso (Draco, 2015): um cenário pós-holocausto em que os brasileiros saem por cima, por assim dizer.  Outra solução é ambientar a narrativa futurista na referida periferia do império.  Ainda outra é propor a existência de um pequeno enclave brasileiro numa futura colônia humana em Marte ou em Alpha Centauri.

Nitro indagou sobre o papel da ficção científica em inspirar ou estimular a paixão pela ciência nos espíritos dos jovens.  Argumentei que, mesmo excluindo aquelas visões vernianas e gernbackianas ingênuas do início do século passado, ainda há espaço para se empregar a ficção científica como ferramenta para despertar o interesse do jovem pela ciência.  Aliás, essa é uma proposta acadêmica séria já adotada em vários países, inclusive, o Brasil.

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Na categoria de dicas e sugestões aos aspirantes a escritores de ficção científica, advoguei que não é necessário ao autor de FC – mesmo de FC hard – ser doutorado pelo M.I.T. ou pós-graduado em Física de Partículas em Princeton.  Em primeiro lugar, porque nem toda FC é hard.  Meu autor favorito, Clifford D. Simak, por exemplo, não escrevia FC hard.  Em segundo lugar e mais importante, cabe ao autor em potencial fazer seu dever de casa, por assim dizer, dentro da temática que pretende abordar, além de se tornar consumidor frequente de publicações de divulgação científica e documentários científicos, tanto na TV a cabo quanto no YouTube.  A título de exemplo, recomendei o canal Ciência Todo Dia.

Em seguida, a título de exemplo, citei um ou dois errinhos mais ou menos óbvios que autores de FC hard deveriam evitar cometer.  Lembrar que ambientes diferentes estão submetidos a campos gravitacionais de intensidades diferentes, levando os personagens a se movimentar de maneiras distintas, a depender da gravitação reinante na cena descrita; lembrar que explosões no espaço interplanetário são necessariamente silenciosas; e por aí vai...😊

Rememorando os clássicos como Duna de Frank Herbert e Neuromancer de William Gibson, Nitro, Carlos e eu concordamos que, não obstante as roupagens e ambientações futuristas, o escritor de FC escreve para o público da sua própria época.  Comentei sobre a conveniência de se escrever tramas com várias camadas narrativas, não só para agradar diversos tipos de leitores como também a fim de conseguir resistir melhor ao desafio da passagem do tempo, que tende a tornar as obras literárias obsoletas.

Quase ao fim da entrevista, aos setenta e nove minutos de transmissão, comentamos sobre a acessibilidade dos autores de ficção científica e o bom diálogo que eles costumam manter com os leitores.  Boa relação essa que constitui uma tradição dentro da comunidade de ficção científica em âmbito mundial e não mero fenômeno sociológico restrito ao fandom local.

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No papo offline que rolou após o fim da entrevista, aventamos a possibilidade de um novo EscritaCast para falar sobre a história da FCB.

Vamos ver se rola.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 23 de maio de 2022 (segunda-feira).

 


Participantes:

Ayahuasca Baixada Santista.

Bunddermeyer RPG.

Carlos Rocha (EscritaCast).

Cláudia Quevedo Lodi.

Daniel A. Freire.

Eduardo Massami Kasse.

Eduardo Torres.

E.F.G. Parise.

Elaine Dungeon.

Fairplay.

Gerson Lodi-Ribeiro.

Gílson Luís Cunha (Café Neutrino).

Hidemberg Alves da Frota.

Iniciativa RPG.

Lilian Abrahão.

Lucas Rosalem.

Maria SOP.

Mono no Aware.

Newton Nitro (EscritaCast).

Nih Ramoss.

Roberto de Sousa Causo.

Vitor Schmidt.



[1]https://www.youtube.com/watch?v=BMriY8eKKUM  À época da conclusão desta crônica está com cento e dezenove visualizações.

quinta-feira, 28 de abril de 2022

 

"História Alternativa":

Live no Café Especulativo

 

202204232359P7 – 22.569 D.V.

 

“Portugal publicou mais obras de história alternativa do que o Brasil, porém, o Brasil publicou mais narrativas de história alternativa escritas por autores lusófonos do que Portugal.”

[Aos 29 minutos da live]

 

“Alguns dos meus detratores, estudiosos de ficção científica, diziam que a Carla escrevia melhor do que eu”

[Aos 150 minutos da live]

 

“Não tenho nada contra spoiler.  Eu até gosto!”

[Paola De Marco, aos 173 minutos da live]

 

Acabo de sair da live “História Alternativa” no canal Café Especulativo, mantido por meu amigo, o filósofo e estudioso de ficção científica, Edgar Smaniotto, com apoio de outros dois amigos, Paulo Elache Duarte e Carlos Relva.  Conforme o planejado, o evento se iniciou às 21h00 deste sábado e se prolongou por mais de três horas divertidas e gratificantes, porque não é todo dia que tenho oportunidade de conversar sobre FC, processo criativo e literatura em geral com sujeitos que, além de bons amigos, são especialistas com muita leitura no e sobre o assunto.

 

Chamada para a live “História Alternativa”.

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Ao longo da live, fiz-me acompanhar por uma garrafa de Boscato Cave Merlot 2019.  Porém, com a animação do bate-papo, confesso não ter passado da primeira taça.

Segue abaixo, o link do YouTube para quem não pôde assistir ao vivo e desejar dar uma conferida, ou para aqueles que quiserem rever um ou outro trecho da live:

https://www.youtube.com/watch?v=kwAh2dz5LLk

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Embora nosso bate-papo tenha abarcado uns poucos tópicos alheios às histórias alternativas, tentamos, à medida do possível, manter o foco nas narrativas e nuances do subgênero, com graus de sucesso variáveis ao longo dos cento e oitenta e um minutos do evento.

Ao me apresentar, Edgar falou sobre meu livro de não ficção, Cenários de História Alternativa (Amazon, 2019), que tive oportunidade de citar diversas vezes ao longo da live, e Carlos saudou a plateia com o “vida próspera e longa”, gesto e saudação vulcanas alternativas, se duvidar, oriundas do universo-espelho criado no episódio “Mirror, Mirror” da série original de Jornada nas Estrelas.

Ao longo de toda a live, quase que sem querendo, ironizamos a questão dos spoilers.  Só um pouquinho.

A pedido do anfitrião, delineei o início da minha carreira literária, primeiro como leitor ávido de ficção científica, associando meus primeiros escritos publicáveis às submissões que apresentei aos boletins do saudoso Clube de Ficção Científica Antares e para o Somnium, fanzine (hoje uma revista digital) do Clube de Leitores de Ficção Científica.  Com isto, pude falar também dos fanzines da década de 1980.  Então, passei à minha estreia profissional com a publicação do conto de FC “Xenopsicólogos na Fase Crítica” na revista francesa Antàres e a estreia no Brasil com a publicação das noveletas “Alienígenas Mitológicos” (julho de 1991) e “A Ética da Traição” (janeiro de 1993) da edição brasileira da Asimov’s.  Daí, falei sobre a motivação para escrever essa segunda noveleta, que acabou sendo a primeira narrativa de história alternativa que publiquei em minha carreira.  Nesse instante, Paulo Elache mostrou a capa da Isaac Asimov Magazine 25, inspirada em “A Ética da Traição”, cuja ação se passa inteiramente a bordo de uma barcaza nuclear paraguaia.[1]  Enfim, procurei distinguir história alternativa de história contrafactual, conceituando a primeira como a expressão ficcional da especulação histórica, ao passo que a última é a expressão não ficcional.  Isto posto, procurei distinguir os ensaios contrafactuais propriamente ditos dos contos de história alternativa escritos sob a forma de pseudofactuais e exemplifiquei com o conto clássico “If Lee Had Not Won the Battle of Gettysburg”, de Winston Churchill.  Concluí essa fala inicial citando Ab Urb Condita do Tito Lívio e The Napoleon Apocryphal (Black Coat Press, 2016)[2], de Louis Geoffroy, como textos seminais das histórias contrafactuais e alternativas, respectivamente.

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Ao contrário de várias outras lives de que participei, o Café Especulativo exibe uma postura informal que considero altamente positiva, que é a de submeter questões da plateia virtual assistindo ao evento aos participantes ao longo das falas desses e não apenas ao fim de suas participações formais.

Dessa forma, o pesquisador Alexander Meireles, responsável pelo canal Fantasticursos, indagou-me sobre qual seria o pecado principal na escrita do subgênero.  Em primeiro lugar, pelo fato de já estar com a mão na massa, por assim dizer, citei o pecado cometido por Veiga em A Casca da Serpente: o autor não deve mudar a personalidade da figura histórica envolvida com a divergência, ou seja, Antônio Conselheiro não pode se tornar um democrata convicto e um ateu de mente aberta, para além de um líder bonachão e libertário.  Outro pecado ou roubalheira que citei foi a persistência de figuras históricas quase idênticas às existentes em nossa linha temporal séculos após o ponto de divergência.  Uma terceira roubalheira mencionada foi o emprego de personagens da literatura criados por outros autores como se fossem figuras históricas alternativas, prática que acaba contaminando a narrativa de história alternativa com aromas e sabores mais típicos da ficção alternativa.  Nesse ponto, aos vinte e quatro minutos de gravação, aproveitei o ensejo para conceituar brevemente o subgênero da ficção alternativa.  E, finalmente, o quarto pecado, que é empregar mais de um ponto de divergência numa mesma narrativa de história alternativa, citando o exemplo de Harry Harrison, no romance A Transatlantic Tunnel, Hurrah! (Ballantine-Del Rey, 1991).[3]  Após essa citação, Paulo Elache mostrou as capas de vários livros de história alternativa publicados em português, dentre os quais a antologia Phantastica Brasiliana (Ano-Luz, 2000)[4], que organizei com Carlos Orsi para a editora de que éramos sócios.  Comentei que, embora não fosse uma antologia de história alternativa stricto sensu, cinco das onze narrativas constituem, sim, H.A.

 

Capa aberta da antologia Phantastica Brasiliana, elaborada por Cesar R.T. Silva.

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Do chat da plateia, Alexander indagou sobre as obras fundamentais do subgênero.  Atendo-me ao que existe publicado em português, comecei falando sobre o que foi publicado em Portugal, citando o clockpunk (protosteampunnk em que os avanços tecnológicos precoces se dão no Renascimento) A Invenção de Leonardo (Saída de Emergência, 2005)[5], de Paul J. McAuley; e O Dilema de Shakespeare (Saída de Emergência, 2006)[6], de Harry Turtledove.  Edgar se lembra do romance fix-up desse mesmo autor, Agent of Byzantium (Worldwide, 1988), publicada em Portugal no bojo da Coleção Argonauta e que, em sua essência, mostra seis histórias de contraespionagem bizantina protagonizadas pelo agente secreto do Império Romano Oriental, Basil Argyros, num passado alternativo onde o Islamismo jamais existiu e Constantinopla reconquistou todos os territórios romanos perdidos para os bárbaros.

Dentre as narrativas publicadas no Brasil, citei os romances de Segundas Guerras Alternativas O Homem do Castelo Alto (Brasiliense, 1985) de Philip K. Dick e Pátria Amada (Record, 1993)[7] de Robert Harris.  O primeiro virou a série homônima na Amazon Prime e o último virou o filme de história alternativa Nação do Medo (1994).

Após as citações mencionadas, Elache me pediu para conceituar as diferenças entre mundos paralelos e linhas históricas alternativas.  Expliquei que, embora uma LHA possa eventualmente se situar num planeta Terra de uma “dimensão” paralela à nossa, isto não precisa necessariamente ocorrer.  Para corroborar esse ponto, citei o romance Ring Around the Sun (1953) do meu autor favorito, Clifford D. Simak , como exemplo de mundos paralelos sem história alternativa, e também o romance de portais dimensionais, Cowboy Angels (Gollancz, 2008)[8], de Paul J. McAuley, então, especulei que esse último autor talvez se tivesse inspirado na série que congrega as narrativas da Paratime, do H. Beam Piper.

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Retomando a vertente dos subgêneros punk, Carlos Relva lembrou que havia escrito um conto de clockpunk, “Franksteam & Electrônia”, publicado na antologia Erótica Steampunk (Ornitorrinco, 2013), organizada pela Tatiana Ruiz, trabalho que comentei em meu Cenários de História Alternativa.  Relva indagou se steampunk sempre é história alternativa e eu respondi que “quase sempre, sim”.  Aproveitei o ensejo para, num exercício notável de contrapropaganda, recomendar a aquisição da edição em e-book do meu livro (vinte reais), em detrimento da edição impressa (acima de duzentos reais).

Em seguida, Carlos elogiou um site antigo que eu mantinha na finada (?) Geocities, Plausibilidade Científica e Literária.  Daí, lembrei que ele era mantido pelo Hidemberg Alves da Frota que, inclusive, estava presente na plateia virtual.  Bola levantada, ingressamos num debate sobre se o site ainda estaria ou não no ar.  Hidemberg ainda mencionou que esse site teria ajudado a pesquisadora norte-americana Mary Elizabeth “Libby” Ginway a conhecer melhor a FCB.  Bem, aos interessados na arqueologia da FCB, o endereço atual do site é: https://members.tripod.com/~gerson_lodi/.

Também voltou à baila a questão de se as narrativas de Randall Garrett ambientadas na linha histórica alternativa que ele criou para o romance Too Many Magicians (1966) seria ou não história alternativa.  Advoguei que tramas históricas alternativas que admitem a existência de elfos ou dragões, ou ainda, defendem a possibilidade da magia e da feitiçaria funcionarem se passam em verdade em universos paralelos com leis físicas diferentes das reinantes em nosso próprio universo, onde, sabidamente, a magia, a astrologia e a homeopatia não funcionam.

Edgar perguntou se a invasão alienígena em plena Segunda Guerra Mundial, proposta por Harry Turtledove em sua série WorldWar e a invasão dos marcianos de Wells durante a Primeira Guerra Mundial exibida no filme pseudofactual A Grande Guerra Marciana seriam história alternativa.  Defendi que os romances de Turtledove na WorldWar são H.A. bona fide, ao passo que o filme da invasão marciana alternativa é ficção alternativa.  Elache aproveitou a oportunidade para citar o mockmentário C.S.A.: The Confederate States of America, que baixei enquanto escrevo esta crônica.

Rodrigo Fernandes indagou se “universo alternativo não seria simplesmente ficção”?  Repliquei que, em certa medida, toda ficção está embutida em seu próprio universo ficcional, que pode ser mais ou menos semelhante ao “nosso universo real”, seja lá o que essa última expressão signifique.

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Por volta dos setenta e cinco minutos de transmissão, confirmamos que o universo-espelho da franquia Jornada nas Estrelas é realmente ficção alternativa.  Da série Enterprise, dentro dessa mesma franquia, lembramos do conceito de Guerra Fria Temporal e, dali para as patrulhas temporais – clássicas como a do Poul Anderson e alternativas, como as do Fred Saberhagen e do John Brunner – foi um pulo!  Procurei diferenciar esses dois tipos de patrulha temporal: a primeira luta para manter nossa linha histórica enquanto a última se esforça para manter uma linha alternativa qualquer que não a nossa.  Das PT, mencionamos os enredos de guerra temporal, com destaque para o romance A História é Outra (Expressão e Cultura, 1973)[9] do Fritz Leiber e a novela É Assim que se Perde a Guerra do Tempo (Companhia das Letras, 2020)[10] de Amal El-Mohtar & Max Gladstone.

Daí, rediscutimos até que ponto uma informação é spoiler ou não e a possibilidade de que enredos de ficção científica com elementos datados acabem parecidos com histórias alternativas.  Estabeleci um paralelo com os romances históricos.  Escrava Isaura, por exemplo, não é um romance histórico.  Porque, na época em que foi escrito, havia escravidão no Brasil.  Era um romance ambientado em sua própria época, lido e apreciado, inclusive, por Dom Pedro II.

Aos oitenta e sete minutos do certame, Elache mostrou outros romances de história alternativa publicados em português, como o presente alternativo Associação Judaica de Polícia (Companhia das Letras, 2009) do Michael Chabon; a história natural alternativa A Oeste do Eden (Gradiva, 1986) do Harry Harrison; e A Máquina Diferencial (Aleph, 2015) de William Gibson & Bruce Sterling.

Então, Elache me instigou a falar sobre minhas próprias histórias alternativas ao exibir a capa da Isaac Asimov Magazine # 25, edição que publicou minha noveleta “A Ética da Traição”.  Falei um pouco sobre a gênese dessa narrativa de presente alternativo, escrita em 1990 para o Concurso Jeronymo Monteiro, certame patrocinado pela Record, a editora responsável pela IAM, e enfim publicada em janeiro de 1993, com ênfase ao mapa da América do Sul que desenhei para melhor estabelecer essa linha histórica alternativa.  Frisei que, ao contrário de “A Ética da Traição”, a noveleta “Crimes Patrióticos”, ambientada na mesma LHA, constitui uma narrativa de passado alternativo.  Carlos comentou que, embora escrita há mais de trinta anos, “A Ética da Traição” permanece bastante atual em seu questionamento do racismo.

E-book A Ética da Traição.

Mapa da América do Sul da linha histórica alternativa PAX PARAGUAYA,
 

A partir de uma pergunta do Hidemberg, falamos um pouco sobre as narrativas de Impérios do Brasil Alternativos.  Citei en passant os trabalhos dos autores brasileiros que já abordaram essa subtemática, como Ataíde Tartari em “Folha Imperial” e Carlos Orsi em “Não Mais”, ambos publicados na antologia Phantastica Brasiliana; Cirilo Lemos em “Auto de Extermínio” e Sid Castro em “Cobra de Fogo”, ambos publicados em Dieselpunk: Arquivos confidenciais de uma bela época; Eric Novello em “”, publicado em Vaporpunk: Relatos steampunk publicados sob as ordens de Suas Majestades; e este que aqui escreve, em “Primos de Além-Mar”, publicado em A República Nunca Existiu!.  Questionei se essa não estaria prestes a se tornar a preferência nacional brasileira, assim como as Inglaterras Católicas são a preferência nacional dos autores britânicos e as Guerras de Secessão Alternativas constituem a dos norte-americanos.

Carlos Relva indagou se meu conto “Terra Brasilis”, publicado na antologia 2013: Ano Um (Ornitorrinco, 2012), organizada por Alícia Azevedo & Daniel Borba, seria história alternativa.  Expliquei que não era o caso e, aos cento e três minutos de transmissão, acabei ventilando um pouco do projeto da coletânea escrita a quatro mãos com Luiz Felipe Vasques com contos e noveletas ambientados nesse universo ficcional.  Delineei as premissas básicas desse enredo, que se baseiam no desaparecimento de todos os sinais da presença humana na Terra fora das fronteiras brasileiras.  Também afirmei que o enigma do desaparecimento do resto da humanidade não será desvendado nessa antologia.

Da plateia, Paola De Marco indaga se Douglas Adams já havia escrito algo em termos de história alternativa.  Respondi que, tanto quanto eu saiba, não.  Mais tarde, ela perguntaria o mesmo sobre a Ursula K. Le Guin.  Outra negativa.  Comentei que a maioria das narrativas de ficção científica dessa autora foi ambientada no universo ficcional dos Ekumen, que propõe uma origem comum extraterrestre para todas as espécies humanoides de nossa vizinhança galáctica, proposição segundo a qual a própria Terra não passaria de uma colônia perdida.[11]  Isto nos levou ao conceito de “ansível”, criado pela Le Guin, além de outros conceitos compartilhados na FC, como os de “hiperespaço” e “Três Leis da Robótica”.

Neste ponto, aos cento e nove minutos, divagamos e começamos a falar de seriados japoneses das décadas de 1960 e 1970, com ênfase em National Kid; Goldar: os Vingadores do Espaço; Ultraman; e Robô Gigante.[12]  Para tentar nos trazer de volta, se não ao tema da live, pelo menos à literatura de ficção científica, Elache mostrou a capa da Isaac Asimov Magazine # 15, inspirada em minha noveleta de FC hard escrita sob a forma de artigo de divulgação científica, “Alienígenas Mitológicos”.  Comentei que, embora à primeira vista não parecesse, essa narrativa é ambientada no universo ficcional Tramas de Ahapooka, o mesmo dos romances A Guardiã da Memória e Octopusgarden, e da noveleta “A Filha do Predador”.

Capa da Isaac Asimov Magazine # 15 inspirada em “Alienígenas Mitológicos”.

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Bastante ativo e animado nesta live, Hidemberg indagou se, na linha histórica alternativa Pax Paraguaya, ainda existiria um sentimento de brasilidade nos territórios anteriormente pertencentes ao Império que haviam sido incorporados à Gran República del Paraguay.  Confessei que essa questão foi abordada muito de passagem, quando mencionei em “A Ética da Traição” que no Protetorado del Mato Grueso ainda haveria cidadãos que teimavam em falar português em vez do castelhano.  Porém, ventilei que a questão da brasilidade era mais bem abordada no conto inédito escrito nessa LHA, “Se o Brasil Houvesse Vencido a Guerra do Paraguay”, protagonizado pelo mesmo professor nobelista, Albuquerque Vieira, do presente alternativo original.

Hide também perguntou se a novela de passado alternativo “O Vampiro de Nova Holanda” se inseriria na linha histórica alternativa Pax Paraguaya.  Esclareci que as aventuras do filho-da-noite Dentes Compridos se inserem noutra LHA, a Três Brasis.  Nessa oportunidade, aos cento e trinta e seis minutos, aproveitei para falar das diferenças entre as duas edições da minha coletânea de história alternativa, a Outros Brasis.  A edição da Papel & Virtual (2000) além de dois trabalhos da Três Brasis, “O Vampiro de Nova Holanda” e “Assessor para Assuntos Fúnebres” e das duas noveletas da Pax Paraguaya supracitadas, contém uma quinta narrativa, a noveleta de futuro alternativo “O Preço da Sanidade”, com um enredo com elementos de debunking ufológico, cujo ponto de divergência é a vitória de Lula na eleição presidencial que disputou contra Fernando Collor de Mello em 1989.  Hide, inclusive, lembrou de algo que eu havia momentaneamente esquecido: “O Preço da Sanidade” foi publicada profissionalmente em Portugal, no bojo da minha coletânea, Outras Histórias... (Editorial Caminho, 1997).

Aos cento e quarenta e cinco minutos, Hide indagou se eu ainda continuava escrevendo sob o pseudônimo feminino de Carla Cristina Pereira, ou se a “moça” se aposentara.  Expliquei meus motivos pragmáticos para tê-la “descontinuado”.  Basicamente, exterminei-a a fim de incorporar seus trabalhos e premiações ao meu currículo profissional.  Falei um pouco sobre “os tempos em que fui Carla” que, aliás, é o título de um ensaio que usei como introdução da minha coletânea Histórias de Ficção Científica por Carla Cristina Pereira (Draco, 2012).  Também confessei que minha esposa e minha irmã costumavam afirmar que eu escrevia melhor como Carla do que como Gerson.  Enfim, lembrei que Carla escreveu uma noveleta para o U.F. Intempol, “Clandestina Candente de Cosa”, uma espécie de crossing-over entre a patrulha temporal criada por Octavio Aragão e a do Poul Anderson.  O manauara ainda provocou, indagando sobre o irmão da Carla, Daniel Alvarez, meu pseudônimo masculino que escrevia FC hard e que também auferiu um prêmio com a noveleta “A Filha do Predador”, publicada originalmente em seu nome.  Carlos Relva advogou a existência de uma linha histórica alternativa em que a escritora Carla Cristina Pereira administra um pseudônimo masculino de Gerson Lodi-Ribeiro.


Capa da coletânea Histórias de Ficção Científica por Carla Cristina Pereira.


Quando Elache exibiu a edição da Asimov’s brasileira que publicou a noveleta magnífica de Frederik Pohl, “Esperando os Olimpianos”, rememoramos uma série de narrativas alternativas inspiradas em Estados Romanos Mundiais e sua subtemática, os Romanos na América.  Relva aproveitou o ensejo para falar de sua coletânea, Sete Mundos, que devo adquirir nos próximos dias.  Elache me pediu para classificar o romance clássico de L. Sprague de Camp, Lest Darkness Fall (1939)[13] pela taxonomia que leva em conta a distância entre o ponto de divergência e a ação narrativa.  Expliquei que, em vez de um simples passado alternativo, o romance em questão pertence a uma terceira categoria, mais rara: a narrativa da geração do próprio ponto de divergência, ou seja, da eclosão da linha histórica alternativa.  Quando começamos a falar das mudanças no passado histórico criando linhas alternativas, acabamos abordando a questão da elasticidade do continuum espaçotemporal e de sua resistência às mudanças que cronoterroristas eventuais almejam lhe impor.

Então, enfim voltamos à questão dos spoilers.  Destaco a frase da Paola De Marco, selecionando-a como uma das epígrafes desta crônica.  Hide também falou que não ligava aos spoilers.  Há quem advogue que essa preocupação excessiva com os spoilers seja só uma característica psicológica dos millenniums.

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Ao fim desta crônica, o bate-papo “Café Especulativo 27: História Alternativa” já havia alcançado 126 visualizações.

Após o fim da transmissão pelo YouTube ainda permanecemos batendo papo por uns quinze ou vinte minutos, ocasião em que cogitamos novas participações, de repente, para discutir as características principais da FC hard; a temática de neandertais na ficção científica; ou destrinchar o romance O Barco de Um Milhão de Anos, do Poul Anderson.  Vamos ver se rola.

De todo modo, foi uma oportunidade divertida ímpar de conversar sobre ficção científica e outros bichos mais com amigos altamente perceptivos.  Já me sinto ansioso por repetir a dose.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 23 de abril de 2022 (sábado).

 


Participantes:

Alexander Meireles (Fantasticursos).

Carlos Relva (Café Especulativo).

Ciça Ribeiro Autora.

*Cláudia Quevedo Lodi.

*Daisy Lodi Ribeiro.

Edgar Smaniotto (Café Especulativo).

Eduardo Torres.

Gerson Lodi-Ribeiro.

Helil Neves.

Hidemberg Alves da Frota.

Mister Dovah.

Paola De Marco.

Paulo Elache Duarte (Café Especulativo).

Ricardo Eduardo Mendonça.

Rodrigo Fernandes.

 



[1].  Citei brevemente o papel do fantasista José J. Veiga como percursor do subgênero da história alternativa no Brasil, pincelando um pouco sobre seu romance A Casca da Serpente (Bertrand Brasil, 1989), cujo ponto de divergência é a sobrevivência de Antônio Conselheiro após a destruição do Arraial dos Canudos, apresentando minhas ressalvas sobre essa obra.

[2].  Nanorresenha do meu bunker de dados: Napoléon et la Conquête du Monde, 1812-1832, Histoire de la Monarchie Universelle (The Apocryphal Napoleon) – clássico seminal do subgênero da história alternativa (1836), cuja primeira edição foi publicada meros quinze anos após a morte de Napoleão Bonaparte em Santa Helena.  O autor é claramente um bonapartista.  Ponto de divergência: exércitos imperiais franceses tomam São Petersburgo em 1812 e subjugam o Império Russo.  Após a conquista da Inglaterra, Napoleão se torna o virtual soberano da Europa e avança a passos largos para unificar a Terra da primeira metade do século XIX sob o seu comando.  Para tanto, demole o Império Otomano, conquista a Ásia e a África e recebe as Américas de mãos beijadas das antigas colônias, ora independentes.  A tradução para o inglês ficou a cargo do autor e estudioso de ficção científica Brian Stableford.

[3].  Outra nanorresenha do bunker: A Transatlantic Tunnel, Hurrah! (1972) – romance de história alternativa sui generis pelo simples fato de possuir dois pontos de divergência: o primeiro em 1212, consistindo na derrota cristã para os mouros na Batalha de Navas de Tolosa; e o segundo, em 1780, o malogro da Revolução Americana.  Em consequência, as Treze Colônias permanecem britânicas até os dias de hoje.  No presente, o engenheiro americano Augustine Washington, descendente longínquo do desprezível George Washington, enforcado por alta traição, decide limpar o nome da família na metrópole e nas colônias, chefiando a construção de um túnel transatlântico ligando New York à costa oeste da Inglaterra.  Romance de ideias interessantes, mas escrito de forma algo desajeitada e com os personagens muito chapados.  Mais tarde, o autor alegou que se tratava de um infantojuvenil...

[4].  Nanorresenha: Phantastica Brasiliana: 500 Anos de Histórias Deste e Doutros Brasis – antologia lançada pela editora Ano-Luz para comemorar o quinto centenário do Descobrimento do Brasil.  Contém 12 trabalhos: “História Alternativa” (ensaio), de James Rittenhouse; “Folha Imperial” de Ataíde Tartari; “Não Mais” de Carlos Orsi Martinho; “Boto” de Daniel Tércio; “Xochiquetzal e a Esquadra da Vingança” de Carla Cristina Pereira; “Sereia dum Mar Sem Fim” de António de Macedo; “Trevo” de Octavio Aragão; “Capitão Diabo das Gerais” de Gerson Lodi-Ribeiro; “O Salvador da Pátria” de Roberto de Sousa Causo; “Kupe-Dyeb” de Adriana Simon; “Preste João no Ano do Elefante” de David L. Freitag; e “Primeiro de Abril” de Roberval Barcellos.

[5].  Bunker: Pasquale’s Angel (1994) no original – A divergência se situa circa 1470, quando o gênio de Leonardo da Vinci, o Grande Engenheiro, propicia o advento da revolução industrial com três séculos de antecedência.  A ação se desenrola na Florença de 1518, quando o artista Pasquale e o jornalista Niccolo Machiavelli investigam o assassínio de um pintor da entourage de Rafael, grande artista e emissário papal, enviado na tentativa de estabelecer a paz duradoura entre Florença e os Estados Pontifícios.  Quando o próprio Rafael é envenenado e seu cadáver desaparece, aumentam os riscos de guerra contra Roma dos Papas e a Espanha, cuja Armada do Almirante Hernán Cortez já veleja ao largo da Península Italiana.  Tradução de João Barreiros.

[6].  Bunker: Ruled Britannia (2002) no original – romance de história alternativa solo, considerado por muitos como a obra-prima de Turtledove, o maior cultor do gênero.  POD = 1588: Armada Espanhola triunfa e Filipe II conquista a Inglaterra.  No décimo ano da ocupação castelhana em Londres, William Shakespeare se vê entre a cruz e a espada quando é simultaneamente contratado pela Resistência Inglesa (para escrever uma peça patriótica que incite a plebe à rebelião) e pelos dons espanhóis (para escrever uma peça de elegia ao moribundo Rei Filipe II de Espanha).  Numa reconstituição histórica belíssima, digna de seu gênio, o autor nos revela as intrigas e contraintrigas que conduzem à elaboração das duas peças, com personagens inesquecíveis, como Shakespeare em si, o oficial-dramaturgo espanhol Lope de Vega; o grande rival de Shakespeare, Christopher Marlowe; os atores Richard Burbage e Will Kemp; a feiticeira Cicely Sellis e o alcaide Walter Strawberry.  Turtledove absolutamente em seu melhor!  Tradução de alta qualidade de Jorge Candeias.

[7].  Bunker: Fatherland (1992) no original – vitória nazista na Segunda Guerra Mundial.  O romance se passa em 1964, durante a semana de comemoração do 75º aniversário de Adolf Hitler.  Investigador da polícia criminal da SS descobre o cadáver de um membro proeminente do Partido e aos poucos desvenda um segredo que poderá comprometer os esforços de paz do Império Alemão com os EUA governados por Joseph Kennedy.  Passado alternativo excepcionalmente bem urdido.  Um romance impossível de largar!  Tradução de A.B. Pinheiro de Lemos.

[8].  Bunker: Cowboy Angels (2007) – agência secreta norte-americana de outra linha temporal luta para manter o poder numa década de 1980 alternativa onde a “América Real” controla uma Organização Pan-Americana, uma espécie de ONU composta por Estados-clientes, EUA de outras linhas históricas.  Dentro desse background, agente renegado descobre meio de voltar no tempo e pretende consertar os erros do passado, envolvendo a filha e o melhor amigo na trama temporal e dimensional.  Enredo instigante e movimentado desse autor britânico com mais do que uma ponta de sátira ao nacionalismo exacerbado dos norte-americanos.  O romance deixa um pouco a desejar na exploração das outras linhas históricas: só parece existir dois tipos de LHA: aquelas que divergiram no último sessenta ou setenta anos e aquelas onde os seres humanos nunca chegaram à América.

[9].  Bunker: The Big Time (1961) no original – duas civilizações alienígenas em guerra temporal, pintam e bordam na história humana, utilizando humanos e alienígenas como agentes e alterando passado, presente e futuro a seu bel prazer.  Toda a narrativa se desenrola numa estação de repouso em que os operativos temporais recobram suas forças e tônus emocionais entre uma missão e a seguinte.  Integrantes da primeira equipe de operativos, composta por três humanos (um romano; um britânico do século XIX; e um alemão de uma linha histórica alternativa em que os nazistas conquistaram o mundo) entram em conflito com os seis membros da estação extratemporal e com os três integrantes de uma segunda equipe (uma guerreira cretense; um lunar, inteligência selenita de um bilhão de anos atrás; e um venusiano de um bilhão de anos no futuro) por conta de (a) surto desenfreado de paixonite entre a hospedeira Lili e o operativo britânico metido a poeta, Bruce, e (b) bomba atômica trazida pela segunda equipe.  Tradução de José Sanz.

[10].  Bunker: This is How You Lose the Time War (2019) no original – duas operativas de linhas temporais distintas, Red, da Agência, e Blue, do Jardim, travam um duelo milenar pelos meandros da história humana na Terra e periferia galáctica afora.  Ao longo do processo, acabam se apaixonando uma pela outra e colocando as causas se suas culturas a perder em nome desse amor.  O processo de aproximação romântica começa com a troca de cartas e mensagens de provocação, iniciada sob a forma de um desafio entre a civilização hipertecnológica de Red e a cultura de Blue, cuja tecnologia se apoia em princípios das ciências biológicas.  Embora bem escrito (e bem traduzido), o despertar da paixão & amor entre indivíduos de culturas extremamente díspares não foi mostrado de maneira convincente.  Tradução de Natália Borges Polesso.

[11].  Também lembramos que explicações similares sobre a origem das diferentes espécies humanoides são dadas na saga de Perry Rhodan e na própria Jornada nas Estrelas (a partir da Nova Geração), para além de noutros universos ficcionais menos cotados.

[12].  Até me dei ao desplante de contar o incidente trágico-familiar da morte do Robô Gigante.

[13].  Bunker: Lest Darkness Fall – Padway, um historiador especializado em História de Roma, é transportado para a época da queda do Império Romano Ocidental e ali tenta evitar o advento da Idade das Trevas através de algumas invençõezinhas muito espertas.