Beraldo in Rio:
Império de Diamante no Vórtice Rio.
201908032359P7 — 21.575 D.V.
“Quando o
monarca imortal do Império de Diamante é ferido em batalha, a situação se
desintegra e a maior potência de Myambe, o continente original da humanidade,
recolhe-se dentro de si mesma, propiciando revoltas por todo o império. Neste cenário de crise, um quarteto de
mercenários desempenha várias façanhas, sempre visando o lucro, porém,
inadvertidamente, influindo de forma decisiva no futuro do império.”
Hoje foi dia
da reunião mensal do grupo de discussão especializado em literatura fantástica Vórtice
Rio. Só que não foi uma reunião normal,
mas sim nossa homenagem anual ao autor fantástico brasileiro.[1]
João Beraldo aceitou
nosso convite para falar um pouco de seu romance premiado Império de
Diamante. Embora tenha sido
realizada hoje, por conveniência de datas e horários, esta foi a nossa reunião mensal
de julho. No fim do mês nos reuniremos
de novo para discutir outro texto do fantástico nacional.
* *
*
Tomei um busão
aqui em casa e saltei na livraria Travessa, junto à estação de metrô Botafogo,
para me encontrar com o amigo Luiz Felipe Vasques. Dali pedimos um UBER que nos deixou na rodoviária
Novo Rio com uma bela meia hora de antecedência em relação ao horário estimado
para a chegada do Beraldo. Enquanto aguardávamos
o autor homenageado, conversamos sobre corrupção nas esferas municipal e
federal, dando nomes aos bois, e analisamos as questões científicas inovadoras
subjacentes nos enredos dos romances Blindsight (2006) e Echopraxia
(2014), ambos do Peter Watts, que constituem a duologia Firefall. Concordamos
que, embora as ideias desse autor sejam geniais — de vampiros
científicos que evoluem e se extinguem pelas leis da seleção natural, só para
serem recriados pelas artes da gengenharia de fins do século XXI até o primeiro
contato traumático da humanidade com alienígenas inteligentes, mas desprovidos
de autoconsciência — o andamento das duas narrativas
é um tanto arrastado.
Beraldo desembarcou
na Novo Rio dez minutos antes do horário previsto de 13h00. Dali caminhamos por uns cinquenta ou setenta
metros, até a estação Rodoviária do VLT e embarcamos na linha com destino ao
aeroporto Santos Dumont. Coisa de meia
hora mais tarde, após um passeio aprazível e algo turístico (não obstante o
tempo feioso) por regiões antigas (algumas das quais revitalizadas) do Rio, desembarcávamos
na Avenida Rio Branco, próximo ao Edifício Avenida Central. Ao longo dessa viagem, conversamos sobre as séries
fantásticas Penny Dreadful, As Crônicas de Frankenstein e a
sensacional minissérie britânica de ficção científica política, Years and
Years, que estou assistindo e recomendo com o máximo empenho, pois é atualíssima
em relação aos últimos acontecimentos políticos brasileiros, britânicos e norte-americanos.
Dirigimo-nos
ao Avenida Central sob uma chuvinha fina nesta tarde nublada de inverno. Lá encontramos o esperado restaurante ainda
aberto em plena tarde de sábado, ocorrência relativamente incomum no Centro da
Cidade. Depois de uma análise acurada
das opções gastronômicas do cardápio, nós três acabamos resolvendo pelo mesmo prato,
espaguete à parisiense (com molho branco, frango desfiado, bacon, champignon e
gratinado), que se revelou simples, saboroso e na quantidade certa. Ainda no quesito coincidências, eu e Felipe
descobrimos que estávamos com o mesmo título em nossas mochilas, A
Verdadeira História da Ficção Científica (Pensamento-Cultrix, 2018), do
Adam Roberts. Conversamos um bocado
sobre as teses heterodoxas desse autor e estudioso quanto à origem histórica do
gênero e a qualidade da tradução presente para o português. Tópicos candentes que nos levaram à própria definição
do que seria ficção científica. Também especulamos
sobre as prováveis diferenças cognitivas existentes entre neandertais e humanos
anatomicamente modernos e sobre as contribuições genéticas que herdamos desses
nossos primos extintos.
Saímos do
restaurante rumo ao Centro Cultural da Caixa Econômica Federal, um quarteirão distante
do Avenida Central, por volta das 14h45, pois Ricardo França e Juliana Berlim haviam
postado que já se encontravam no local.
* *
*
Foi um evento
em petit committee, pois vários membros tradicionais assíduos — como
Renata Aquino, Flora Pinheiro, Adilson Júnior e Diego de Souza — não pudessem
comparecer. Mesmo assim, como todas as reuniões
do Vórtice em que se discutiu a obra com o autor presente, esta reunião de
julho em agosto para abordar Império de Diamante, do J.M. Beraldo, foi
de alto nível e uma das mais saborosas de que participei nestes últimos quatro anos.
Demos início
aos trabalhos assim que Mayra Braga chegou ao CC-CEF. Embora Beraldo já fosse conhecido da maioria
dos presentes, como rezam as tradições da vorticidade, falei um pouco do autor,
lembrando a ocasião em que o conheci, durante a Semana Jules Verne, patrocinada
pela PUC-RJ em 2005; da época em que trabalhávamos juntos no departamento de
universo ficcional da Hoplon Infotainment, na elaboração do jogo massivo online
Taikodom; de seus romances de ficção
científica Véu da Verdade (Eridanus, 2005)[2]
e Taikodom: Despertar (Devir, 2008)[3];
e do universo ficcional de fantasia que se iniciou com o romance abordado este mês.
Com a palavra,
Beraldo delineou os passos para o estabelecimento desse U.F. Reinos Eternos, caminhada iniciada no
fim da década passada, época em que ele ainda residia em Florianópolis e
trabalhava na Hoplon. Falou do mapa
instigante que ilustra a edição impressa do romance. Neste ponto, Mayra lamentou que o mapa não se
expandia legal na edição em ebook do seu Kindle. Beraldo também destacou os estudos da historiografia
dos povos africanos que precisou empreender para escrever o romance, bem como
os elementos indianos e asiáticos presentes nas narrativas desse U.F. Ainda deu uma palinha sobre os dois romances
que se seguem a esse primeiro, Último Refúgio (Draco, 2016), finalista
ao Argos 2017 na categoria melhor romance, e o terceiro livro, ainda sem título
definitivo, no prelo da mesma editora. Embora
ainda não tenha lido esses dois romances, por conversas com o autor, tanto em
certames anteriores quanto hoje à tarde, percebi que, ao contrário do que
ocorre em Império de Diamante, nessas narrativas a ação é ambientada noutros
continentes que não Myambe.
Em sua primeira
participação no Vórtice, Luiz Felipe conduziu o papo para um de seus objetos de
estudo favoritos, a questão do worldbuilding, aplicada ao Reinos Eternos. Provocação que nos levou a comparar esse
universo ficcional a vários outros da fantasia, dentre os quais a Terra Média,
de J.R.R. Tolkien, e a Canção de Gelo e Fogo, do George R.R.
Martin. Tais comparações nos levaram a
abordar o paradigma do iceberg em termos de conteúdo do universo ficcional:
nove décimos dos elementos desenvolvidos para enriquecer a narrativa deveriam
ser mantidos não só no background, mas, de preferência, fora no texto
publicado.
Beraldo nos
contou sobre seus trabalhos passados e atuais na indústria de jogos digitais,
falou-se um bocado de RPG, Dungeons &
Dragons e outros que tais. Também
conversamos bastante sobre a adaptação de romances para filmes e séries, o que
nos conduziu, naturalmente, às já legendárias diatribes de Stephen King e Alan
Moore. Citei que a adaptação mais
perfeita e enxuta que já vi foi a do romance A Mulher do Viajante no Tempo
(original: 2003; edição brasileira: Objetiva, 2009), da Audrey Niffenegger, no
filme homônimo de 2009, lançado no Brasil sob o título piegas de Te Amarei para
Sempre. Aliás, a narrativa de viagem
temporal mais bem amarrada que já li e assisti.
Falamos também dos pitacos do King nas capas das edições brasileiras de
seus livros. Discorremos por alguns (ou
muitos) minutos sobre a crise do mercado editorial brasileiro e o fenômeno de logística
Amazon Brasil, sobretudo no que tange à literatura fantástica nacional.
Por volta das
18h30 começamos a nos movimentar para encerrar o evento. Porém, todos sabem como esses bate-papos hipersuperanimados
sobre narrativas fantásticas custam a perder o embalo: deixamos o segundo piso do
centro cultural, mas levamos uma boa meia nas despedidas junto à porta do prédio
da CEF. Ali, o papo divagou para aqueles
autores que escrevem ficção científica mas não se assumem como escritores do gênero,
inspirado por nossa escolha para a leitura de dezembro próximo, o romance de história
alternativa, Máquinas como Eu (Companhia das Letras, 2019), do Ian McEwan. Daí, Felipe lembrou do Kurt Vonnegut e eu da
Doris Lessing, nobelista e autora da série Canopus
em Argos. Daí, citei que o melhor
texto que já li dessa autora não tem nada a ver com literatura fantástica. É a novela The Grandmothers (2003), publicada
no Brasil pela Companhia das Letras em 2013, por ocasião do lançamento do filme
nela baseado Amor sem Pecado (título original: Adoration). É a história pungente e bem escrita de duas
mulheres australianas, amigas de infância que, nutrindo uma paixão recolhida mútua,
tornam-se amantes uma do filho adolescente da outra, em relacionamentos
cadentes que o quarteto mantém durante uma década e meia, até os rapazes se
casarem e se tornarem pais (daí o título do romance), em meio à vida tranquila
de uma cidadezinha praiana do sul da Austrália.
Mayra Braga, Juliana Berlim, Luiz Felipe Vasques, João Marcelo Beraldo, Ricardo França.
Felipe, Juliana, GL-R, Beraldo, Mayra, Ricardo França (recurso tecnológico da "mãozinha").
* *
*
Em torno das
19h00, já estávamos caminhando pela Rio Branco, quando Beraldo verificou que
seu embarque para São Paulo não seria às 20h00, mas sim, às 19h30 e que, portanto,
não seria viável seguir para a rodoviária de VLT, ainda mais porque a próxima composição
só passaria dentro em dez minutos. Felizmente,
havia um táxi vazio dando sopa na esquina da Rio Branco com a Almirante Barroso. Ele logrou pegar esse táxi e embarcar no ônibus
rumo a Sampa, segundo soubemos pelo WhatsApp, “por um triz”.
Na vinda para
casa de metrô, Felipe me contou nuances e detalhes de uma série de ficção científica
instigante, Humans: um presente alternativo em que as pessoas já contam
com androides nos lares e no trabalho para executar as tarefas que humano orgânico
algum se disporia a fazer. Fiquei muito
interessado em assistir as três temporadas dessa série (2015, 2017 e 2018, vinte
e quatro episódios no total). Saltando do metrô na estação Botafogo, tomei o ônibus
da integração para o Jardim Botânico. Nessa
segunda perna do regresso para casa, retomei a leitura de A Verdadeira História
da Ficção Científica. Quando cheguei
em casa, procurei no IMDb, no NOW e no Netflix, mas, ao que parece, não está disponível. Tentarei baixá-los da internet.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 03 de agosto de 2019 (sábado).
Participantes:
Gerson
Lodi-Ribeiro.
João Marcelo Beraldo.
Juliana Berlim.
Luiz Felipe Vasques.
Mayra Braga.
Ricardo França.
[1]. Na verdade,
era para ser anual, mas, desde 2015 até hoje, só conseguimos fazer três dessas
homenagens: na primeira, em julho de 2015, eu fui o convidado, com Aventuras
do Vampiro de Palmares (Draco, 2014) e acabei ingressando nesse grupo de discussão. Na segunda, em agosto de 2016, convidamos o
Alexey Dodsworth, com Esplendor (Draco, 2016). Finalmente, hoje, recebemos o João Marcelo
Beraldo para discutir Império de Diamante (Draco, 2015). Reparem que esses dois últimos trabalhos se
sagraram vencedores na categoria Melhor Romance do Prêmio Argos, respectivamente,
em 2017 e 2016.
[2]. Resenha
registrada em meu bunker de dados (livros lidos): “Em universo ficcional
onde os humanos são os párias da periferia galáctica, nave estelar obsoleta
tripulada por humanos e alienígenas trafega pelos sistemas próximos conduzindo
cargas e passageiros e se metendo em encrencas, enquanto o pau come entre as
diversas potências terrestres e um caçador de recompensas com poderes
paranormais anda à caça do comandante da nave (leitura concluída em 26 de março
de 2006).
[3]. Idem acima: Primeiro
romance da Coleção Taikodom com histórias, enredos, ambientações e personagens
do universo ficcional desenvolvido para a Hoplon Infotainment para o MSG
homônimo. Narrativa de dois pilotos
brasileiros da União do Centro colocados sob animação suspensa pouco após a
Restrição da Terra, que despertam 150 anos mais tarde e são obrigados a se
adaptar ao presente hipertecnológico do Taikodom, tomando partidos antagônicos
no período formativo do Consortium. Introdução,
orelhas e quarta capa escritos por Gerson Lodi-Ribeiro (leitura concluída em 07
de novembro de 2008).
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