segunda-feira, 27 de setembro de 2021

 

Solarpunk:

Visão Radical de um

Futuro Ecológico Sustentável

 

202109261030P1 – 22.360 D.V.

 

“Os ativistas são solarpunks porque as alternativas seriam a descrença e o desespero, pois as promessas dos arautos da singularidade tecnológica e outros transumanistas são individualistas e inatingíveis, ao passo que as propostas dos solarpunks visam tornar a vida de todas as pessoas melhor hoje e para as gerações futuras.”

[Adam Flynn, Projeto Hieróglifo]

 

Ontem à noite se deu a tão aguardada (ao menos, por mim) mesa-redonda, Solarpunk: visión radical de un futuro ecológico sostenible, no terceiro e último dia do XXVI Encuentro Internacional de Escritores, que se desenrolou na cidade de Monterrey, Nuevo León, México, sob os auspícios da CONARTE.

Fui convidado a participar dessa mesa em meados de julho último.  As tratativas foram algo complexas, dentre outros motivos porque envolveram a contratação de um tradutor-intérprete capaz de verter minhas falas do português para o castelhano.  Em meio às combinações, ocorreu a morte de meu pai na primeira quinzena de agosto.  Enfim, tudo deu certo.  A organização do evento aceitou minha sugestão de convidar para a tarefa Román Ipiña Chacón, um bom amigo que conheci em minha estada no México em dezembro de 2013.

Durante a fase das tratativas preliminares, meu contato com a CONTATE se deu através de Gildardo Gónzález, com o qual troquei vários e-mails para esclarecer dúvidas e transmitir informações.

A mesa-redonda se encontra disponível no YouTube no link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=JVmAB6UD3gs (120 visualizações da manhã seguinte ao evento).

*     *     *

 

Gato escaldado de apresentações anteriores nas quais nosso WiFi doméstico, meus fones bluetooth ou qualquer outro elemento do nosso sistema não funcionou bem, resolvi jogar pelo seguro: estabeleci a conexão da nossa sala de jantar, bem próximo ao roteador da Vivo (por medida de segurança, agora temos dois aqui em casa: Vivo fibra óptica e Claro NET via cabo); providenciei uma conexão física (Ethernet); e usei fones de ouvido fisicamente plugados ao notebook.  Nada poderia funcionar mal.  E, de fato, ao menos aqui em casa, tudo correu a contento.

Atendendo o pedido dos organizadores, ativamos o link enviado por e-mail quinze minutos antes do horário estabelecido de 16h00 (GMT -5h), dezoito horas pelo horário de Brasília.

Nesse esquenta dos quinze minutos anteriores à abertura dos trabalhos, após verificada a qualidade dos sinais de áudio e vídeo dos participantes e da minha informação de que entendo bem o castelhano, embora não o articule, Gildardo combinou conosco a ordem de nossas falas.  Por sugestão de Abraham Martinez – que eu já conhecia (virtualmente) há anos, graças a uma entrevista que ele fez comigo para a revista El Ojo de Uk – eu falaria em primeiro lugar.  A ideia original era fazer minha apresentação em PowerPoint.  Uma apresentação curtinha, com dezesseis slides.  No entanto, como sói acontecer, a maioria das estratégias de batalha teóricas estabelecidas a priori não sobrevivem à realidade do combate.

*     *      *

 

Na hora marcada, Gildardo González abriu os trabalhos, apresentando breves currículos do mediador Miguel Manrique e dos participantes: Abraham Martinez Azuara; Vidal Medina e eu.  Daí, Gildardo passa a bola para o Miguel.

 

Mesa-redonda Solarpunk: Visão radical de um futuro ecológico sustentável.

 

Após falar um pouco sobre a gênese da ciéncia ficción em geral, Miguel Manrique iniciou o bate-papo indagando aos três participantes “O que é Solarpunk?”

Em resposta, cada um de nós três apresentou sua definição pessoal preliminar do subgênero.  Minha fala foi traduzida por Román Ipiña.

Em seguida, comecei minha apresentação em PowerPoint.  Porém, lá pelo quinto ou sexto slide, o áudio do Román começou a falhar, impedindo que prosseguisse com a tradução.  Daí, a apresentação em que eu pretendia expor do Solarpunk em três partes – como subgênero da ficção científica; como movimento cultural de caráter especulativo; e, finalmente, da antologia Solarpunk: histórias ecológicas e fantásticas em um mundo sustentável – acabou truncada na metade da primeira parte.  Paciência.

Vida que segue.  Constatando o problema de áudio, Miguel contornou  a dificuldade, alertando Román e passando a palavra a Martinez.

Abraham comentou que os cenários distópicos da ficção científica convencional já se tornaram realidade e que precisamos parar de devastar o meio ambiente.

Sem o apoio da tradução de Román, avancei por conta própria, afirmando que o Solarpunk é plausível porque é impossível conceber cenários ficcionais ambientados daqui a cem ou duzentos anos em que a humanidade consiga sobreviver na Terra sem abandonar a queima de combustíveis fósseis em favor do emprego de fontes energéticas renováveis; e o consumismo desenfreado em favor de práticas autossustentáveis.

Em seguida, quando Miguel perguntou como é o leitor de Solarpunk, respondi que o leitor de Solarpunk típico é uma pessoa que se encontra farta do excesso de narrativas distópicas clicherizadas e, portanto, anda em busca de narrativas mais otimistas.  Até porque, desde o advento da pandemia, já vivemos um cenário de distopia extrema no mundo real.  Como a falha de áudio do Román persistia, Miguel se esforça em traduzir minha fala.

Daí, o mediador nos indagou sobre autores que atuaram como precursores do Solarpunk, citando de antemão Octavia E. Butler e Kim Stanley Robinson.  Abraham citou diversos precursores do Solarpunk no século XIX e no início do século XX.  Como exemplo de proto-Solarpunk, citei a fixup, ou coletânea, City (1951) de meu autor predileto, Clifford D. Simak.  Trata-se de um enredo solarpunk avant la lettre, pois propõe um futuro pastoral numa Terra em que a humanidade abandonou as cidades em prol da vida no campo, uma civilização tecnológica em que reatores nucleares domésticos proporcionam energia barata e veículos aéreos individuais resolveram o problema da mobilidade.  Ao longo da narrativa espalhada pelos diversos contos, a humanidade acaba abandonando nosso planeta, legando a biosfera a uma estirpe de cães inteligentes, sob a guarda de robôs.

Aproveitei o gancho simakiano para responder a uma questão anterior do Miguel sobre o apelo do Solarpunk.  Uma vez que todas as questões mais prementes da humanidade (superpopulação; desigualdades; miséria; holocausto ambiental; pandemias) já estariam resolvidas, segundo as premissas básicas do subgênero, nossa espécie poderia enfim se dedicar às questões realmente importantes, exatamente como Simak delineou em seus enredos na série City.

Ao recomendar seus proto-Solarpunks favoritos, Vidal Medina recomendou Duna e também o mangá e animê Nausicäa.

Incentivado por Miguel, propus conceituarmos o subgênero a partir da etimologia da palavra “Solarpunk”.  A partícula {solar} se referindo ao emprego de energias renováveis em geral (e não apenas à solar) e a partícula {punk} referindo-se à contestação contra o establishment, sobretudo, na área ambiental.[1]  Neste ponto, Román recobrou seu áudio e traduziu minha fala.

Capa da Solarpunk: Histórias ecológicas e fantásticas em um mundo sustentável (Draco, 2012).

 

Abraham Martinez declarou que, se podemos sonhar com um futuro ecologicamente mais justo, então podemos criá-lo.  Vidal Medina afirmou que o Solarpunk é um subgênero bastante atrevido e valente.

Neste instante, surgiu em nossa tela a única pergunta pipocada de nossa plateia virtual.  Luiz Felipe Vasques, presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica, indagou:

— O conflito viria de quem lucra ou por costume ou se acomoda às antigas maneiras – poluentes – de fazer as coisas, não?

Ao avocar a responsabilidade pela formulação de uma resposta, lembrei que todos habitamos um só planeta e que não dispomos de um Plano B ou Planeta B.

Enfim, Miguel nos convidou a apresentar nossas considerações finais.

Vidal Medina formulou a proposta de empregarmos a literatura Solarpunk para ajudar a política ambiental autossustentável.  Seguindo o mesmo mote, Martinez afirmou que não deveríamos nos dar por vencidos nas questões ambientais.  Em minhas considerações finais, advoguei que nunca é tarde demais para abandonar um caminho errado e assumir o certo.  Daí, concluí rememorando a última pergunta que Abraham Martinez me fez na entrevista ao El Ojo de Uk cinco anos atrás: “Quando teremos uma edição da Solarpunk em espanhol?”, devolvendo tal pergunta à plateia mexicana.

 

Capa da Solarpunk: Ecological and Fantastical Stories in a Sustainable World (World Weaver Press, 2018).


Capa da Solarpunk: Storie di ecologia fantástica in um mondo sostenible (Mezzelane, 2021).

 

Diante dessa provocação, Abraham, Vidal e Román se comprometeram a envidar esforços em prol da publicação da Solarpunk em castelhano.

No fim, Gildardo Gónzález retornou à apresentação para os agradecimentos e despedidas de praxe.

Finda a transmissão em si, escutei uma voz em off comentou em castelhano que havia muitos brasileiros no chat da mesa-redonda.

*     *      *

 

Conclusão: apesar de não ter logrado expor a apresentação que planejei ao longo da última semana, a experiência de participar dessa mesa-redonda mexicana foi coroada de êxito.  Foi gratificante conhecer Abraham Martinez, mesmo que de forma virtual e me senti bastante honrado com a oportunidade de atuar como convidado nesse encontro internacional de escritores.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 26 de setembro de 2021 (domingo).

 


Participantes:

Abraham Martinez Azuara (participante).

Ana Lucia Lodi Ribeiro.

Ana Lúcia Merege.

Cláudia Quevedo Lodi.

Daisy Lodi Ribeiro

Enrique Quintero Mármol López.

Fernando Galaviz.

Gerson Lodi-Ribeiro (participante).

Gildardo Gónzález (organizador).

Jorge Chipuli.

Luiz Felipe Vasques (Clube de Leitores de Ficção Científica).

Miguel Manrique (mediador).

Paolo Fabrizio Pugno (Histórias Extraordinárias).

Paulo Duarte.

Román Ipiña Chacón (intérprete).

Vidal Medina (participante).

 



[1].  Etimologicamente falando, {solar} = lato sensu: energia solar, eólica, energia das marés, fusão controlada do hidrogênio etc., i.e, energia renovável e barata, disponível para todos.  E, {punk} = elementos de contracultura: contestação ao establishment representado por governos e corporações corruptas que poluem o meio ambiente, arruínam nossa biosfera planetária e se eximem da responsabilidade pelo aquecimento global antropogênico.

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