segunda-feira, 6 de setembro de 2021

 Live sobre

Ficção Científica Brasileira

no Jornal 140

 

202109012359P4 – 22.335 D.V.

 

“Povo da Terra, não tenham medo.  Nós vimos numa missão de paz – e por que não?  Pois somos seus primos; já estivemos aqui uma vez.

Vocês nos reconhecerão quando nos encontrarmos, dentro de poucas horas.  Estamos nos aproximando do sistema solar quase tão rapidamente como esta mensagem pelo rádio.  Já o sol de vocês domina o céu à nossa frente.  É o sol que os nossos antepassados e os seus compartilharam há dez milhões de anos.  Nós somos homens, como vocês; mas vocês esqueceram a sua história, enquanto nós nos lembramos da nossa.”

[Começo do conto “Reunião”, de Arthur C. Clarke]

 

“Tupi or not Tupi.”

[Gílson Luís Cunha]

 

Participei hoje à noite de uma live – em verdade um bate-papo informal entre amigos – sobre a ficção científica brasileira em geral e a revista Histórias Extraordinárias (Editora Mundo) em particular, na companhia do autor Roberto de Sousa Causo e do autor e editor Paolo Fabrizio Pugno, sob os auspícios do canal Jornal 140, do jornalista Paulo Gustavo Pereira.  Apesar da presença do autor e editor Marcus Garrett ter sido anunciada nos banners de divulgação do evento (vide abaixo), por motivos de saúde esse não pôde comparecer.

Banner da Live “Ficção Científica no Brasil”.

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Conectei cerca de vinte minutos antes das 20h00, conforme combinado com o Paolo Pugno.  Porém, logo no início dos testes, percebemos que minha conexão não estava boa.  Após vários ensaios e tentativas infrutíferas que incluíram resets do roteador e reinicialização do micro, acabei migrando para o estúdio da Cláudia, onde pude contar com uma máquina mais potente e mais próxima do roteador de WiFi.

Enquanto estive fora do ar, Paolo Pugno falou um pouco sobre a Histórias Extraordinárias.

Contornada essa dificuldade, acabei ingressando na live com uns treze ou quinze minutos de atraso.  O evento durou duas horas e quinze minutos.  O público que o assistiu online atingiu picos de dezessete ou dezoito pessoas, a maior parte dessas também participou do chat paralelo (postscriptum: no domingo à noite, constatei oitenta e cinco visualizações).

Tão logo me rematerializei no evento, nosso anfitrião indagou como comecei a escrever.  Expliquei que, nos primórdios, assim que aprendi a ler e escrever, eu rascunhava uma versão rudimentar destas mesmas crônicas pessoais que mantenho até hoje.  Mais tarde, com cerca de doze ou treze anos, comecei a reescrever os finais dos romances de ficção científica prediletos.  Porque, embora os apreciasse, suas conclusões não me satisfaziam.  Nesse instante, Gílson Cunha mencionou no chat que adotou essa mesma estratégia, sugerida por ninguém menos do que Isaac Asimov.  Em seguida, provocado pelo P.G., apresentei as diversas versões da minha estreia profissional, com ênfase para a publicação do conto “Xenopsicólogos na Fase Crítica”, sob o título de “Phase Verte”, na revista francesa de ficção científica Antàres.  Trabalho, aliás, republicado no número 2 da Histórias Extraordinárias.  No chat, Causo comentou que nós dois estreamos no ano de 1989.

Durante as apresentações iniciais, nos quesitos das produções literárias, a partir das capas expostas por nosso anfitrião, Causo comentou seus romances recentes, dentre os quais, Shiroma, Matadora Ciborgue (Devir, 2015), inserido no universo ficcional Galaxys, e eu comentei alguns dos meus lançamentos, dentre eles a coletânea Taikodom: Crônicas, com narrativas ambientadas no universo ficcional homônimo que criei para a Hoplon Infotainment em 2004; o romance de FC Octopusgarden (Draco, 2017), ambientado no mesmo U.F. de A Guardiã da Memória (Draco, 2011); o romance de ficção científica e história alternativa Estranhos no Paraíso (Draco, 2015)[1]; e o e-book da noveleta de história alternativa A Ética da Traição.  P.G. aproveitou o ensejo para rememorar seus tempos da saudosa Sci-Fi News.  Causo falou um pouco de seu conto “Confronto nas Alturas” a ser publicado na Histórias Extraordinárias nº 3, que é ambientado no universo ficcional Galaxys.

Em seguida, P.G. nos indagou o que distingue a ficção científica brasileira de suas congêneres estrangeiras.  Causo respondeu como acadêmico e estudioso do gênero, enquanto respondi como leitor e escritor de FC, advogando que FC brasileira é aquela que exibe elementos distintivos da cultura brasileira, com todas as Casas Grandes e Senzalas inerentes à mesma.  Nessa mesma sequência, Paolo Pugno confessa que começou a ler FC com a coletânea Eu, Robô, do Isaac Asimov.  Enquanto isso, na plateia, Paola de Marco confidenciava que esteve presente na primeira InteriorCon em 1989 e elogiava as antologias que organizei para a Ano-Luz e a Draco.  Paolo se definiu como palpiteiro-mor e consultor para assuntos aleatórios da Histórias Extraordinárias e falou um pouco sobre as estratégias presente e futura da publicação.

Em seguida, o papo derivou às histórias alternativas.  P.G. me instigou para que eu conceituasse esse subgênero.  Depois que o fiz, exemplifiquei com narrativas clássicas, como O Homem do Castelo Alto de Philip K. Dick[2] e Pátria Amada de Robert Harris[3], ambos dentro da temática das vitorias nazistas; falei um pouco sobre a preferência nacional norte-americana pelas Guerras de Secessão Alternativas; e citei duas das minhas linhas históricas alternativas: a Três Brasis, de Aventuras do Vampiro de Palmares (Draco, 2014) e Pax Paraguaya, de “A Ética da Traição” (1993).  Nosso anfitrião me indagou o que teria acontecido em termos de história mundial se o Brasil houvesse ingressado na Segunda Guerra Mundial ao lado dos EUA desde 1941.  Argumentei que, dada a simpatia de Getúlio Vargas pelos regimes do Eixo, seria implausível supor uma adesão à causa aliada no início do conflito, antes que a Marinha Alemã tivesse posto a pique dezenas de navios mercantes brasileiros, levando a opinião pública nacional a pressionar o governo para apoiar os Aliados.  No âmbito senão das vitórias nazistas, ao menos das Segundas Guerras Alternativas, Causo citou o romance brasileiro A Segunda Pátria (Intrínseca, 2015) de Miguel Sanches Neto.

Das histórias alternativas passamos às viagens retrotemporais.  Discorri sobre os diversos métodos propostos pelos ficcionistas para se regressar ao passado.  Pugno comentou que, tanto na literatura quanto nos filmes, viagens retrotemporais por vezes suscitam o advento de linhas históricas alternativas.  A plateia presente no chat manifestou-se, lembrando do filme Em Algum Lugar do Passado (1980), inspirado no romance Bid Time Return (1975), de Richard Matheson.  P.G. citou o curta-metragem (13 minutos) Barbosa (1988), com roteiro e direção de Ana Luiza Azevedo & Jorge Furtado – um belo exemplo de paradoxo temporal positivo de cunho futebolístico: sujeito atormentado pela derrota da seleção brasileira para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950 regressa ao passado para tentar evitar o segundo gol uruguaio.  Imagino que esse trauma antigo do Maracanazo tenha sido um bocado relativizado e recontextualizado após a derrota por 7 x 1 para Alemanha na famigerada semifinal da Copa do Mundo em 08 de julho de 2014.  Isto, para não falar de tragédias nacionais de verdade como, por exemplo, seiscentos mil mortos pela Covid-19, atribuídos sobretudo à  incúria genocida das autoridades das três esferas de governo, com ênfase às federais.[4]

Dentro do escopo das viagens temporais, Causo cita o clássico da FCB, Três Meses no Século 81 (1947)[5], de Jeronymo Monteiro, em que o protagonista viaja seis mil anos para o futuro através de forças mediúnicas, processo análogo ao que Causo empregou em seu próprio conto, “Salvador da Pátria”, publicado na antologia Phantastica Brasiliana (Ano-Luz, 2000).  Pugno falou um pouco e bem sobre narrativas literárias e cinematográficas com a temática de viagem no tempo.

Da temática das viagens temporais, passamos à questão da raça e do racismo nas narrativas de ficção científica.  Comentei que costumo empregar protagonistas negros em meus enredos (“A Ética da Traição”; as histórias ambientadas no universo ficcional Três Brasis etc.), mas não faço proselitismo da questão racial, até por recear que isso possa atrapalhar o bom andamento da trama.  Nesse ponto, lá do chat, Gílson cita a frase de Octavia Butler: “Se seus amigos perguntam por que você perde tempo com FC, não perca tempo com seus amigos”.  Em seguida, arrematou com a lembrança do filme White Man’s Burden (1995), lançado no Brasil sob o título de A Cor da Fúria, que mostra uns EUA alternativos onde brancos e negros têm seus papéis culturais e sociais invertidos.

Voltando à temática da ficção científica publicada no Brasil, P.G. nos estimulou a falar sobre o ABC da FC, os autores clássicos Isaac Asimov; Ray Bradbury; e Arthur C. Clarke.  Lembramos dos romances clássicos de Asimov: O Fim da Eternidade (1955)[6] e O Despertar dos Deuses (1972)[7]; Clarke: O Fim da Infância (1953)[8], A Cidade e as Estrelas (1956)[9] e Encontro com Rama (1973)[10]; e os fix-ups de Bradbury: Crônicas Marcianas (1946)[11] e Uma Sombra Passou por Aqui (1951)[12].

Não obstante essas citações meritórias, o tópico mais instigante dessa parte do bate-papo foi a rememoração do conto curto do Clarke em que o racismo é abordado de uma forma divertida e original: humanos alienígenas regressam à Terra após milênios de uma tentativa de colonização malograda, informando que já descobriram a cura para a doença que havia deformado parte da população da antiga colônia.  Esse é simplesmente meu conto favorito do Clarke.  Do chat, Maria Lúcia Racz indagou se lembrávamos o título desse conto.  Infelizmente, não logramos lembrar na ocasião.  Finda a live, após uma consulta breve ao meu bunker de dados, conferi que o conto curto em questão é o “Reunião”, publicado no Brasil na coletânea O Vento Solar (Globo, 1976).

Capa da Histórias Extraordinárias nº 2 inspirada no

Conto “Xenopsicólogos na Fase Crítica”.

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Na plateia reconheci vários amigos da ficção científica: nosso especialista em paradoxos temporais, Eduardo Torres; o atual presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica, Luiz Felipe Vasques; os autores Flávio Medeiros Júnior e Gilson Luís da Cunha (sob o perfil de Café Neutrino).  Também compareceram os amigos de longuíssima data Nelson Nascimento, velho colega de turma dos tempos em que servi na Marinha do Brasil; e Hidemberg da Frota, que só encontrei pessoalmente uma vez, em Manaus em julho de 2013.  E alguns amigos novos, como Luiz Guilherme, do Banedy TV; e Jorge Quillfeldt, do Clube de Leitura Le Guin.

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Finda a live, respondi alguns zaps de amigos sobre o evento, com destaque para a troca de zaps e mensagens de voz com o Nascimento sobre ficção científica em geral e a temática das viagens temporais de caráter mediúnico em particular.

Minha impressão final é que acabamos falando muito de ficção científica em geral, o que foi extremamente legal e estimulante, mas relativamente pouco sobre a proposta e o conteúdo da Histórias Extraordinárias.  Enfim, quem sabe, não fica para a próxima?

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 1º de setembro de 2021 (quarta-feira).

 


Participantes:

Cláudia Quevedo Lodi.

Eduardo Torres.

Flávio Medeiros Júnior.

Gerson Lodi-Ribeiro.

Gílson Luís Cunha (Café Neutrino).

Hidemberg Alves da Frota.

Jorge Quillfeldt.

Luiz Felipe Vasques (Clube de Leitores de Ficção Científica).

Luiz Guilherme (Banedy TV).

Maria-Lúcia Racz.

Nelson Nascimento.

Paola de Marco.

Paolo Fabrizio Pugno (Histórias Extraordinárias).

Paulo Gustavo Pereira (Jornal 140).

Roberto Sousa Causo.

 



[1].  Explanei as gêneses dos romances Estranhos no Paraíso e Octopusgarden.  Ambos surgiram como contos ou noveletas na década de 1980 e foram sendo paulatinamente ampliados.  A narrativa do conto “Octopusgarden” foi escrita originalmente para uma antologia de histórias inspiradas nas canções dos Beatles, organizada pelo subfandom carioca, mas que nunca decolou.

[2].  Nanorresenha extraída do bunker de dados: O Homem do Castelo Alto (1962) – Clássico da história alternativa na temática das vitórias nazistas.  Após a vitória das potências do Eixo na Segunda Guerra, a Costa Oeste dos EUA é ocupada pelos japoneses e a Costa Leste pelo III Reich.  Nesse cenário, um autor escreve um romance de história alternativa no qual os Aliados teriam vencido a Guerra (Não se trata da nossa linha histórica).  Esse romance deu origem à série homônima da Amazon Prime, que já está na quarta temporada.

[3].  Idem acima: Pátria Amada (1992) – Título original: Fatherland.  História Alternativa: os EUA não se envolvem na Segunda Guerra Mundial e possibilitam a vitória nazista no Teatro de Operações Ocidental.  A narrativa se passa em 1964, durante a semana de comemoração do 75º aniversário de Adolf Hitler.  Investigador da polícia criminal da SS descobre o cadáver de um membro importante do Partido e aos poucos desvenda um segredo que poderá comprometer os esforços de paz do Terceiro Reich com os EUA governados por Joseph Kennedy.  Trama excepcionalmente bem urdida. Um livro impossível de largar.  Esse romance deu origem ao filme da HBO, Nação do Medo (1994).

[4].  Dizem que os roteiristas de Barbosa teriam se baseado no livro Anatomia de uma Derrota (L&PM, 1986), do Paulo Perdigão.  Na verdade, eles se basearam no conto “O Dia em que o Brasil Perdeu a Copa”, publicado por Perdigão em dezembro de 1975 na revista Ele & Ela e republicado uma década mais tarde nas últimas páginas do seu Anatomia de uma Derrota.  O conto delineia o exato paradoxo temporal positivo posteriormente exibido no curta.

[5].  Três Meses no Século 81 – Edição da Plutão Livros (2019).  Romance curto (45 mil palavras) seminal na história da ficção científica brasileira.  Através dos poderes de um conselho de médiuns, a consciência de Campos é transladada de 1947 para o ano 8.000, onde ele se depara com uma civilização perfeita de humanos regidos pela ordem e pela lógica, mas desprovidos de amor, prazer e paixão.  Após um período de adaptação, Campos se alia a dissidentes dessa ordem estéril e, com o apoio de alienígenas marcianos, coordenam a sublevação contra o regime vigente, que culmina em guerra total.

[6].  O Fim da Eternidade – Através do monopólio das viagens no tempo, os Eternos controlam o destino das humanidades de todas as épocas e linhas históricas possíveis e imagináveis, produzindo estagnação social em todas as fases da história.

[7].  O Despertar dos Deuses Título original: The Gods Themselves.  Alienígenas trissexuados de universo paralelo estabelecem permuta de matérias-primas elementais com a humanidade. O problema é que a corda ameaça romper do lado mais fraco.  Asimov comprova que consegue escrever uma trama com personagens tridimensionais consistentes e verossímeis.

[8].  O Fim da Infância – Humanidade é “adotada” por espécie alienígena sábia e benevolente que pretende pacificá-la.  Os alienígenas, contudo, não revelam seus reais propósitos.  A edição de 2010, com tradução de Carlos Ângelo (Aleph) apresenta novo prefácio do autor, além do material extra: 1) conto “Anjo-da-Guarda” (1947), que deu origem ao romance; 2) capítulo 1 reescrito por Clarke em 1989.

[9].  A Cidade e as Estrelas – Obra-prima de Clarke.  Numa narrativa que se desenrola um bilhão de anos no futuro, protagonista residente na  última cidade terrestre enceta exploração do ambiente circundante e desvenda enigmas do passado remoto, época em que a humanidade conquistara as estrelas.

[10].  Encontro com Rama – Humanos do século XXII exploram interior de nave estelar alienígena gigantesca, tripulada por autômatos biológicos, recém-chegada ao Sistema Solar.

[11].  Crônicas Marcianas Obra prima da fantasia científica.  Através da conquista humana de Marte e da extinção dos nativos, numa série de contos interligados, o autor fala de temas sempre atuais para a sensibilidade e para a alma humanas, com uma veia lírico-poética inigualável.

[12].  Uma Sombra Passou por Aqui – Título original: The Illustrated Man.  Série de contos entrelaçados na epiderme de um homem tatuado misterioso.  Destaques para os contos seguintes: “A Cidade”; “Zero Hora”; “O Homem”; “A Estepe Africana”; “O Outro Pé”; e “Marionetes S.A.”.

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