Live sobre
Ficção Científica Brasileira
no Jornal 140
202109012359P4
– 22.335 D.V.
“Povo da Terra, não
tenham medo. Nós vimos numa missão de
paz – e por que não? Pois somos seus
primos; já estivemos aqui uma vez.
Vocês nos reconhecerão
quando nos encontrarmos, dentro de poucas horas. Estamos nos aproximando do sistema solar
quase tão rapidamente como esta mensagem pelo rádio. Já o sol de vocês domina o céu à nossa frente. É o sol que os nossos antepassados e os seus
compartilharam há dez milhões de anos. Nós somos homens, como vocês; mas vocês
esqueceram a sua história, enquanto nós nos lembramos da nossa.”
[Começo do
conto “Reunião”, de Arthur C. Clarke]
“Tupi or
not Tupi.”
[Gílson Luís
Cunha]
Participei hoje
à noite de uma live – em verdade um bate-papo informal entre amigos –
sobre a ficção científica brasileira em geral e a revista Histórias Extraordinárias
(Editora Mundo) em particular, na companhia do autor Roberto de Sousa Causo e do
autor e editor Paolo Fabrizio Pugno, sob os auspícios do canal Jornal 140,
do jornalista Paulo Gustavo Pereira. Apesar
da presença do autor e editor Marcus Garrett ter sido anunciada nos banners de divulgação
do evento (vide abaixo), por motivos de saúde esse não pôde comparecer.
Banner da Live “Ficção Científica no Brasil”.
* *
*
Conectei cerca
de vinte minutos antes das 20h00, conforme combinado com o Paolo Pugno. Porém, logo no início dos testes, percebemos
que minha conexão não estava boa. Após vários
ensaios e tentativas infrutíferas que incluíram resets do roteador e reinicialização
do micro, acabei migrando para o estúdio da Cláudia, onde pude contar com uma
máquina mais potente e mais próxima do roteador de WiFi.
Enquanto estive
fora do ar, Paolo Pugno falou um pouco sobre a Histórias Extraordinárias.
Contornada essa
dificuldade, acabei ingressando na live com uns treze ou quinze minutos
de atraso. O evento durou duas horas e quinze
minutos. O público que o assistiu online
atingiu picos de dezessete ou dezoito pessoas, a maior parte dessas também participou
do chat paralelo (postscriptum: no domingo à noite, constatei
oitenta e cinco visualizações).
Tão logo me
rematerializei no evento, nosso anfitrião indagou como comecei a escrever. Expliquei que, nos primórdios, assim que
aprendi a ler e escrever, eu rascunhava uma versão rudimentar destas mesmas crônicas
pessoais que mantenho até hoje. Mais tarde,
com cerca de doze ou treze anos, comecei a reescrever os finais dos romances de
ficção científica prediletos. Porque,
embora os apreciasse, suas conclusões não me satisfaziam. Nesse instante, Gílson Cunha mencionou no chat
que adotou essa mesma estratégia, sugerida por ninguém menos do que Isaac Asimov. Em seguida, provocado pelo P.G., apresentei as
diversas versões da minha estreia profissional, com ênfase para a publicação do
conto “Xenopsicólogos na Fase Crítica”, sob o título de “Phase Verte”, na
revista francesa de ficção científica Antàres. Trabalho, aliás, republicado no número 2 da Histórias
Extraordinárias. No chat,
Causo comentou que nós dois estreamos no ano de 1989.
Durante as apresentações
iniciais, nos quesitos das produções literárias, a partir das capas expostas por
nosso anfitrião, Causo comentou seus romances recentes, dentre os quais, Shiroma,
Matadora Ciborgue (Devir, 2015), inserido no universo ficcional Galaxys, e eu comentei alguns dos meus
lançamentos, dentre eles a coletânea Taikodom: Crônicas, com narrativas
ambientadas no universo ficcional homônimo que criei para a Hoplon Infotainment
em 2004; o romance de FC Octopusgarden (Draco, 2017), ambientado no mesmo
U.F. de A Guardiã da Memória (Draco, 2011); o romance de ficção científica
e história alternativa Estranhos no Paraíso (Draco, 2015)[1];
e o e-book da noveleta de história alternativa A Ética da Traição. P.G. aproveitou o ensejo para rememorar seus
tempos da saudosa Sci-Fi News. Causo
falou um pouco de seu conto “Confronto nas Alturas” a ser publicado na Histórias
Extraordinárias nº 3, que é ambientado no universo ficcional Galaxys.
Em seguida, P.G.
nos indagou o que distingue a ficção científica brasileira de suas congêneres estrangeiras. Causo respondeu como acadêmico e estudioso do
gênero, enquanto respondi como leitor e escritor de FC, advogando que FC
brasileira é aquela que exibe elementos distintivos da cultura brasileira, com
todas as Casas Grandes e Senzalas inerentes à mesma. Nessa mesma sequência, Paolo Pugno confessa que
começou a ler FC com a coletânea Eu, Robô, do Isaac Asimov. Enquanto isso, na plateia, Paola de Marco
confidenciava que esteve presente na primeira InteriorCon em 1989 e elogiava as
antologias que organizei para a Ano-Luz e a Draco. Paolo se definiu como palpiteiro-mor e
consultor para assuntos aleatórios da Histórias Extraordinárias e falou
um pouco sobre as estratégias presente e futura da publicação.
Em seguida, o
papo derivou às histórias alternativas.
P.G. me instigou para que eu conceituasse esse subgênero. Depois que o fiz, exemplifiquei com
narrativas clássicas, como O Homem do Castelo Alto de Philip K. Dick[2]
e Pátria Amada de Robert Harris[3],
ambos dentro da temática das vitorias nazistas; falei um pouco sobre a
preferência nacional norte-americana pelas Guerras de Secessão Alternativas; e
citei duas das minhas linhas históricas alternativas: a Três Brasis, de Aventuras do Vampiro de Palmares (Draco,
2014) e Pax Paraguaya, de “A Ética
da Traição” (1993). Nosso anfitrião me indagou
o que teria acontecido em termos de história mundial se o Brasil houvesse
ingressado na Segunda Guerra Mundial ao lado dos EUA desde 1941. Argumentei que, dada a simpatia de Getúlio Vargas
pelos regimes do Eixo, seria implausível supor uma adesão à causa aliada no
início do conflito, antes que a Marinha Alemã tivesse posto a pique dezenas de
navios mercantes brasileiros, levando a opinião pública nacional a pressionar o
governo para apoiar os Aliados. No âmbito
senão das vitórias nazistas, ao menos das Segundas Guerras Alternativas, Causo
citou o romance brasileiro A Segunda Pátria (Intrínseca, 2015) de Miguel
Sanches Neto.
Das histórias
alternativas passamos às viagens retrotemporais. Discorri sobre os diversos métodos propostos
pelos ficcionistas para se regressar ao passado. Pugno comentou que, tanto na literatura quanto
nos filmes, viagens retrotemporais por vezes suscitam o advento de linhas históricas
alternativas. A plateia presente no chat
manifestou-se, lembrando do filme Em Algum Lugar do Passado (1980),
inspirado no romance Bid Time Return (1975), de Richard Matheson. P.G. citou o curta-metragem (13 minutos) Barbosa
(1988), com roteiro e direção de Ana Luiza Azevedo & Jorge Furtado – um belo
exemplo de paradoxo temporal positivo de cunho futebolístico: sujeito atormentado
pela derrota da seleção brasileira para o Uruguai na final da Copa do Mundo de
1950 regressa ao passado para tentar evitar o segundo gol uruguaio. Imagino que esse trauma antigo do Maracanazo
tenha sido um bocado relativizado e recontextualizado após a derrota por 7 x 1
para Alemanha na famigerada semifinal da Copa do Mundo em 08 de julho de 2014. Isto, para não falar de tragédias nacionais
de verdade como, por exemplo, seiscentos mil mortos pela Covid-19, atribuídos sobretudo
à incúria genocida das autoridades das três
esferas de governo, com ênfase às federais.[4]
Dentro do
escopo das viagens temporais, Causo cita o clássico da FCB, Três Meses no
Século 81 (1947)[5],
de Jeronymo Monteiro, em que o protagonista viaja seis mil anos para o futuro através
de forças mediúnicas, processo análogo ao que Causo empregou em seu próprio conto,
“Salvador da Pátria”, publicado na antologia Phantastica Brasiliana
(Ano-Luz, 2000). Pugno falou um pouco e
bem sobre narrativas literárias e cinematográficas com a temática de viagem no
tempo.
Da temática das
viagens temporais, passamos à questão da raça e do racismo nas narrativas de ficção
científica. Comentei que costumo
empregar protagonistas negros em meus enredos (“A Ética da Traição”; as histórias
ambientadas no universo ficcional Três Brasis
etc.), mas não faço proselitismo da questão racial, até por recear que isso possa
atrapalhar o bom andamento da trama. Nesse
ponto, lá do chat, Gílson cita a frase de Octavia Butler: “Se seus
amigos perguntam por que você perde tempo com FC, não perca tempo com seus
amigos”. Em seguida, arrematou com a
lembrança do filme White Man’s Burden (1995), lançado no Brasil sob o
título de A Cor da Fúria, que mostra uns EUA alternativos onde brancos e
negros têm seus papéis culturais e sociais invertidos.
Voltando à temática
da ficção científica publicada no Brasil, P.G. nos estimulou a falar sobre o ABC
da FC, os autores clássicos Isaac Asimov; Ray Bradbury; e Arthur C.
Clarke. Lembramos dos romances clássicos
de Asimov: O Fim da Eternidade (1955)[6]
e O Despertar dos Deuses (1972)[7];
Clarke: O Fim da Infância (1953)[8],
A Cidade e as Estrelas (1956)[9]
e Encontro com Rama (1973)[10];
e os fix-ups de Bradbury: Crônicas Marcianas (1946)[11]
e Uma Sombra Passou por Aqui (1951)[12].
Não obstante
essas citações meritórias, o tópico mais instigante dessa parte do bate-papo
foi a rememoração do conto curto do Clarke em que o racismo é abordado de uma
forma divertida e original: humanos alienígenas regressam à Terra após milênios
de uma tentativa de colonização malograda, informando que já descobriram a cura
para a doença que havia deformado parte da população da antiga colônia. Esse é simplesmente meu conto favorito do Clarke. Do chat, Maria Lúcia Racz indagou se lembrávamos
o título desse conto. Infelizmente, não logramos
lembrar na ocasião. Finda a live,
após uma consulta breve ao meu bunker de dados, conferi que o conto curto em questão
é o “Reunião”, publicado no Brasil na coletânea O Vento Solar (Globo,
1976).
Capa da Histórias Extraordinárias nº 2 inspirada no
Conto “Xenopsicólogos na Fase Crítica”.
* * *
Na plateia
reconheci vários amigos da ficção científica: nosso especialista em paradoxos
temporais, Eduardo Torres; o atual presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica,
Luiz Felipe Vasques; os autores Flávio Medeiros Júnior e Gilson Luís da Cunha (sob
o perfil de Café Neutrino). Também compareceram
os amigos de longuíssima data Nelson Nascimento, velho colega de turma dos tempos
em que servi na Marinha do Brasil; e Hidemberg da Frota, que só encontrei pessoalmente
uma vez, em Manaus em julho de 2013. E alguns
amigos novos, como Luiz Guilherme, do Banedy TV; e Jorge Quillfeldt, do Clube
de Leitura Le Guin.
* *
*
Finda a live,
respondi alguns zaps de amigos sobre o evento, com destaque para a troca
de zaps e mensagens de voz com o Nascimento sobre ficção científica em geral e
a temática das viagens temporais de caráter mediúnico em particular.
Minha impressão
final é que acabamos falando muito de ficção científica em geral, o que foi extremamente
legal e estimulante, mas relativamente pouco sobre a proposta e o conteúdo da Histórias
Extraordinárias. Enfim, quem sabe, não
fica para a próxima?
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 1º de setembro de 2021 (quarta-feira).
Participantes:
Cláudia Quevedo
Lodi.
Eduardo Torres.
Flávio Medeiros
Júnior.
Gerson Lodi-Ribeiro.
Gílson Luís Cunha
(Café Neutrino).
Hidemberg Alves
da Frota.
Jorge Quillfeldt.
Luiz Felipe Vasques
(Clube de Leitores de Ficção Científica).
Luiz Guilherme
(Banedy TV).
Maria-Lúcia
Racz.
Nelson Nascimento.
Paola de
Marco.
Paolo
Fabrizio Pugno (Histórias Extraordinárias).
Paulo Gustavo
Pereira (Jornal 140).
Roberto Sousa
Causo.
[1]. Explanei as gêneses
dos romances Estranhos no Paraíso e Octopusgarden. Ambos surgiram como contos ou noveletas na década
de 1980 e foram sendo paulatinamente ampliados.
A narrativa do conto “Octopusgarden” foi escrita originalmente para uma
antologia de histórias inspiradas nas canções dos Beatles, organizada
pelo subfandom carioca, mas que nunca decolou.
[2]. Nanorresenha extraída
do bunker de dados: O Homem do Castelo Alto (1962) – Clássico da história
alternativa na temática das vitórias nazistas. Após a vitória das potências do Eixo na
Segunda Guerra, a Costa Oeste dos EUA é ocupada pelos japoneses e a Costa Leste
pelo III Reich. Nesse cenário, um autor
escreve um romance de história alternativa no qual os Aliados teriam vencido a
Guerra (Não se trata da nossa linha histórica).
Esse romance deu origem à série homônima da Amazon Prime, que já está na
quarta temporada.
[3]. Idem acima: Pátria
Amada (1992) – Título original: Fatherland. História Alternativa: os EUA não se envolvem
na Segunda Guerra Mundial e possibilitam a vitória nazista no Teatro de Operações
Ocidental. A narrativa se passa em 1964,
durante a semana de comemoração do 75º aniversário de Adolf Hitler. Investigador da polícia criminal da SS descobre
o cadáver de um membro importante do Partido e aos poucos desvenda um segredo
que poderá comprometer os esforços de paz do Terceiro Reich com os EUA
governados por Joseph Kennedy. Trama
excepcionalmente bem urdida. Um livro impossível de largar. Esse romance deu origem ao filme da HBO, Nação
do Medo (1994).
[4]. Dizem que os
roteiristas de Barbosa teriam se baseado no livro Anatomia de uma
Derrota (L&PM, 1986), do Paulo Perdigão. Na verdade, eles se basearam no conto “O Dia
em que o Brasil Perdeu a Copa”, publicado por Perdigão em dezembro de 1975 na
revista Ele & Ela e republicado uma década mais tarde nas últimas
páginas do seu Anatomia de uma Derrota.
O conto delineia o exato paradoxo temporal positivo posteriormente
exibido no curta.
[5]. Três Meses
no Século 81 – Edição da Plutão Livros (2019). Romance curto (45 mil palavras) seminal na
história da ficção científica brasileira.
Através dos poderes de um conselho de médiuns, a consciência de Campos é
transladada de 1947 para o ano 8.000, onde ele se depara com uma civilização
perfeita de humanos regidos pela ordem e pela lógica, mas desprovidos de amor,
prazer e paixão. Após um período de
adaptação, Campos se alia a dissidentes dessa ordem estéril e, com o apoio de alienígenas
marcianos, coordenam a sublevação contra o regime vigente, que culmina em
guerra total.
[6]. O Fim da
Eternidade – Através do monopólio das viagens no tempo, os Eternos controlam
o destino das humanidades de todas as épocas e linhas históricas possíveis e imagináveis,
produzindo estagnação social em todas as fases da história.
[7]. O Despertar
dos Deuses – Título original: The
Gods Themselves. Alienígenas trissexuados
de universo paralelo estabelecem permuta de matérias-primas elementais com a humanidade.
O problema é que a corda ameaça romper do lado mais fraco. Asimov comprova que consegue escrever uma trama
com personagens tridimensionais consistentes e verossímeis.
[8]. O Fim da
Infância – Humanidade é “adotada” por espécie alienígena sábia e benevolente
que pretende pacificá-la. Os
alienígenas, contudo, não revelam seus reais propósitos. A edição de 2010, com tradução de Carlos
Ângelo (Aleph) apresenta novo prefácio do autor, além do material extra: 1)
conto “Anjo-da-Guarda” (1947), que deu origem ao romance; 2) capítulo 1 reescrito
por Clarke em 1989.
[9]. A Cidade e
as Estrelas – Obra-prima de Clarke. Numa
narrativa que se desenrola um bilhão de anos no futuro, protagonista residente na última cidade terrestre enceta exploração do
ambiente circundante e desvenda enigmas do passado remoto, época em que a humanidade
conquistara as estrelas.
[10]. Encontro
com Rama – Humanos do século XXII exploram interior de nave estelar alienígena
gigantesca, tripulada por autômatos biológicos, recém-chegada ao Sistema Solar.
[11]. Crônicas Marcianas
– Obra prima da fantasia científica. Através da conquista humana de Marte e da
extinção dos nativos, numa série de contos interligados, o autor fala de temas
sempre atuais para a sensibilidade e para a alma humanas, com uma veia
lírico-poética inigualável.
[12]. Uma Sombra
Passou por Aqui – Título original: The Illustrated Man. Série de contos entrelaçados na epiderme de
um homem tatuado misterioso. Destaques
para os contos seguintes: “A Cidade”; “Zero Hora”; “O Homem”; “A Estepe
Africana”; “O Outro Pé”; e “Marionetes S.A.”.
Sugestão: aumente o tamanho da fonte usada nos textos do blog.
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