A Cidade e a Cidade
no Vórtice Fantástico
201511212359P7 — 20.224 D.V.
“Somos todos
filósofos aqui onde estou, e debatemos entre muitas outra coisas a questão de
onde é que vivemos. Quanto a essa
questão, sou um liberal. Sim, vivo no
interstício, mas vivo ao mesmo tempo na cidade e na cidade.” (Tyador Borlú)
Deu-se nesta tarde de sábado chuvosa de primavera a sétima sessão
mensal do núcleo carioca do Vórtice Fantástico.
Não pude comparecer à sessão do mês passado, que debateu o romance curto
Hellraiser: Renascido no Inferno
(Darkside, 2015) de Clive Barker e a novela A
Narrativa de Arthur Gordon Pym (Nova Aguilar, 1997).
Como de costume, reunimo-nos na Biblioteca Parque Estadual, em frente
ao Campo de Santana, no centro do Rio. Muitos
participantes de certames anteriores não puderam comparecer desta vez. Presentes apenas o casal Renata Aquino &
Eliseu Ferreira; Cláudio Gabriel; Lucas Leal e eu. Nossa líder, Thaís Cavalcante tentou chegar,
mas acabou desistindo ante o informe de que traficantes estariam para fechar a
Grajaú-Jacarepaguá.
O livro do mês escolhido para novembro foi o romance A
Cidade e a Cidade (Boitempo, 2014), escrito pelo autor britânico China
Miéville, publicado em 2009, e traduzido para o português por meu amigo Fábio
Fernandes. Aliás, tradução difícil,
pois, embora fluente, o protagonista e narrador não tem o inglês como primeiro
idioma e o autor o fez escrever errado para enfatizar esse ponto.
Aliás, essa leitura serviu para que eu perdesse meu preconceito em
relação ao China Miéville. Já baixei
todos os romances desse autor disponíveis na internet.
Em sua essência, A Cidade e a
Cidade fala da investigação de um homicídio. Os elementos de literatura fantástica estão
por conta do entrelaçamento — mais consensual do que dimensional — de duas
cidades-Estado, Besžel e Ul Qoma. O
Detetive Tyador Borlú, da Divisão de Crimes Hediondos de Besžel investiga o
homicídio da doutoranda de arqueologia norte-americana, Mahalia Geary, que
escavava um sítio promissor em Ul Qoma, cidade gêmea siamesa que compartilha o
mesmo espaço físico com Besžel e cujos prédios e cidadãos os beszelianos são
ensinados a “desver” e “desouvir” desde a mais tenra infância.
Aos infratores de ambos os lados, a entidade aparentemente
sobrenatural, a Brecha, e seus avatares humanos, encarregam-se de enquadrar com
severidade.
O homicídio se revela parte de uma trama complexa à medida que Borlú,
sua assistente Corwi e sua contraparte ul qomana, o policial Qussim Dhatt,
descascam a cebola da investigação, envolvendo unificacionistas, Cidadãos
Verdadeiros, agentes da Brecha e até mesmo a hipótese esotérica da existência
de uma terceira cidade sobreposta às duas anteriores, Orciny. Uma trama para lá de instigante com clímax
algo prosaico. Miéville é sem dúvida um
autor inteligente e original, além de um estilista brilhante.
* *
*
Mais uma vez, a bem da pontualidade, fui obrigado a pegar um táxi até a
Biblioteca Parque Estadual para não me atrasar.
Cláudio Gabriel já havia chegado.
Enquanto nós dois guardávamos nossas mochilas, Renata Aquino e Lucas
Leal chegaram. Eliseu Ferreira apareceu
pouco depois.
Antes da discussão sobre o romance de Miéville, distribuí exemplares da
Phantastica Brasiliana (Ano-Luz,
2000) aos presentes, antologia que organizei com Carlos Orsi Martinho por
ocasião do quinto centenário da Descoberta do Brasil. Também passei às mãos da Renata a camisa Star Wars que havia recebido após minha
participação numa mesa-redonda no Cineclube Fantástico do Planetário da Gávea,
após a exibição do clássico Gattaca:
Experiência Genética coisa de um mês atrás (1997). Não precisei sortear, pois a camisa não
caberia nos rapazes.
Ao comentar sobre o cineclube do planetário, eles me perguntaram se eu
iria à JediCon. Confirmei que pretendo
comparecer tanto no sábado quanto no domingo.
Sábado para participar de uma mesa convocada por Clinton Davisson,
presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica (CLFC) e domingo para
prestigiar a cerimônia de entrega do Prêmio Argos 2015.
Renata perguntou se eu conhecia algum dos trabalhos concorrentes na
categoria Melhor Romance. Falei que já
havia lido e me impressionado positivamente com Tempos de Sangue: Guerras Eternas (Draco, 2014) do Eduardo Kasse; Padrão 20: Ameaça do Espaço-Tempo
(Besouro Box, 2014) da Simone Saueressig; e Dezoito
de Escorpião (Novo Século, 2014), do Alexey Dodsworth. Ela me pediu para falar desse último romance
de ficção científica e eu fiz isto, à medida do possível, preocupado em não
cometer spoiler.
Conversamos um bocado sobre o A
Cidade e a Cidade. Nós cinco
concordamos que as barreiras que separavam Besžel e Ul Qoma eram mais de
caráter cultural e consensual do que propriamente dimensional.[1] Confessei que, embora tenha gostado do
romance desde o início, ao longo da leitura da primeira parte, ambientada em
Besžel, senti que havia comprado gato por lebre, pois pareceu-me uma mera trama
de investigação policial, praticamente desprovida de elementos
fantásticos. No fim da segunda parte,
quando Borlú e a investigação passam de Besžel para Ul Qoma, começamos enfim a
vislumbrar um pouco da real natureza da Brecha.
Outro ponto de concordância geral foi termos imaginado que a Brecha se
constituía numa entidade não-humana sobrenatural e com vida própria. Fato pacífico para nós cinco foi que os
servidores da Brecha detinham aparato tecnológico não disponível ao resto da
humanidade desse universo ficcional.
Do meio para o fim de nosso encontro, conversamos sobre o Watchmen, do Alan Moore, romance gráfico
que debateremos no mês de dezembro.
Pretendo não apenas reler o graphic
novel, mas também rever o filme. Só
não sei se conseguirei comparecer à reunião que se dará no próximo dia 19 de
dezembro, pois devo regressar de Florianópolis para o Rio nesse dia e nosso voo
parte de lá às 18h35. Então, se a data
for mantida, não será possível participar.
O papo sobre Watchmen trouxe
à baila uma série de HQs de zumbis, Walking
Dead, que Eliseu e Cláudio consomem com sofreguidão inaudita. Segundo ambos, essa série de quadrinhos deu
origem à série televisiva homônima.
Cláudio Gabriel, Lucas Leal, Eliseu Ferreira, Renata Aquino e GL-R.
Por volta das 17h40 deixamos a biblioteca rumo à Central do Brasil,
onde meus amigos pegariam seus ônibus e eu embarquei no metrô. Ao saltar em Botafogo, comprei um mix-árabe
para viagem no Harad e tomei o ônibus de integração para casa. Um encontro com poucas pessoas, clima
intimista e bate-papos interessantes e altamente proveitosos.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 21 de novembro de 2015 (sábado).
Participantes:
Cláudio
Gabriel
Eliseu
Ferreira
Gerson
Lodi-Ribeiro
Lucas Leal
Renata
Aquino
[1]. Neste sentido, comentei que
essa invisibilidade consensual se assemelhava
um bocado àquela proposta por Robert Silverberg em sua noveleta “O Homem
Invisível”, publicada em português no bojo da coletânea Mutantes (Melhoramentos, 1991); The
Best of Robert Silverberg (1976), no original. Aliás, essa narrativa deu origem ao roteiro
de um belo episódio da telessérie Além da
Imaginação, “Para Ver o Homem Invisível”.
O ver e desver, a meu ver rs (eu li a obra, achei que ela ofereceu menos do que prometeu) lembra muito o sistema do duplipensar orwelliano presente no "1984", sendo a brecha nada mais nada menos que o Big Brother a garantir que os lados se ignorassem continuamente. Lerei novamente no futuro para ver se as impressões se mantêm. Abraço.
ResponderExcluirPois eu fui para a leitura sem expectativa alguma, pois já havia tentado ler *Perdido Street Station* e parado a leitura pelo meio. Daí, só tive surpresas agradáveis.
Excluir*A Cidade e a Cidade* entrega menos do que o anunciado? Depende do que o leitor estava esperando. ;-)