quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Fantasticon 2012 (Semana 2)


FANTASTICON 2012
(Semana 2)

 

 “Eu ficaria muito preocupado se a crítica elogiasse meu livro.” [Felipe Pena]

 

“Você é botafoguense, não é?” [Dono do pezinho-sujo simpático, lembrando de minha torcida no Botafogo 4 x 2 América Mineiro no Brasileirão da Fantasticon 2011]

 

“Quando é que vocês, homens, engenheiros, vão inventar uma cozinha totalmente automática como a dos Jetsons?” [Finisia Fideli]

 

“Como escritor, eu ainda tenho muito o que aprender.  Como contador de histórias, eu sou muito bom, porque é o que eu faço com paixão.” [André Vianco]

 
DIA 3
201209222208P    19.068 D.V.

Depois de uma noitada no restaurante Capitânia do Clube Naval Piraquê por conta da recepção de casamento, eu e Cláudia deitamos por volta das 03:00h deste sábado e levantamos às 04:20h para pegar o voo G3 1505 da Gol para Sampa no Santos Dumont.

Chegamos ao aeroporto com bastante folga às 05:40h e, ao fazer o check-in eletrônico, descobrimos que fôramos transferidos para outro voo, o G3 1507, que não tinha portão de embarque designado e tampouco horário para decolagem.  Mortos de sono como estávamos, não reagimos à altura, porém, felizmente, o novo voo acabou decolando às 08:30h, meros noventa minutos de atraso em relação ao original.

Dormi quase a viagem inteira.  Já no aeroporto de Congonhas, sacamos algum dinheiro no caixa eletrônico e tomamos um táxi até nosso hotel.  Chegamos às 10:20h e o check-in seria apenas ao meio-dia.  Aproveitamos o tempo livre para comprar tickets de metrô na estação Paraíso e almoçar no Esfiha Chic, um restaurante de cozinha árabe simples e simpático ao lado do Mercure Paraíso.  Além da coalhada seca e das esfihas, comemos trouxinhas de carne moída enroladas em folhas de parreira.

Regressamos ao Mercure, fizemos o check-in.  Deram-nos o mesmíssimo quarto 14 em que fiquei no fim de semana passado.

Quarto verificado, mochilas desovadas, banhos tomados e partimos de metrô para Vila Mariana.  Uma vez lá, caminhamos a pé pela Sena Madureira até a Biblioteca Municipal de Literatura Fantástica Viriato Correa, sede da Fantasticon 2012.

Chegamos bem a tempo de assistir o bate-papo “Editores sem Papas na Língua”, com Karin Thrall (Anadarco); Erick Santos (Draco); Guilherme Sucena (Orago) e Richard Diegues (Tarja).  Os quatro iniciaram os trabalhos falando brevemente sobre as iniciativas recentes de suas editoras.  Erick destacou o trabalho recente de publicação de e-books — não apenas romances e antologias, mas contos e noveletas individuais, o equivalente digital do booklet, que ele apelidou single.  Os finalistas do Argos 2012 na categoria “Ficção Curta” já estão disponibilizados como singles. — em parceria com gigantes estrangeiros como Amazon e Apple; e brasileiros, como Saraiva e Cultura.  Após essa apresentação/divulgação de iniciativas, os editores passaram o microfone à plateia a fim de saciar a curiosidade dos jovens escritores quanto à submissão de originais; princípios de ética editorial e ideais de conduta na relação autor-editor; cuidados essenciais com textos e manuscritos; apuro na escrita em termos de forma e conteúdo; e por aí vai.  Os quatro se manifestaram cépticos (Erick mais enfático) quanto à validade da publicação independente como ferramenta para alavancar a carreira do autor.  É aquela velha história: se é o autor que banca a produção do livro, o critério da qualidade literária se vê irremediavelmente comprometido: o livro será publicado com ou sem qualidade para tanto.  Se a tiragem, a distribuição e a venda ficarem a cargo do autor que já bancou a produção, o papel da editora se reduziu essencialmente ao de uma gráfica, certo?  Erick frisou ainda o papel das antologias temáticas na revelação de novos talentos.
 
 
Bate-papo: Editores sem Papas na Língua
Guilherme Sucena; Erick Santos, Karin Thrall e Richard Diegues.

Charge de Ricardo França.
 
 

Após esse bate-papo das 13 às 14:00h conversei bastante com meu amigo João Marcelo Beraldo, antigo parceiro do departamento de universo ficcional do Projeto Taikodom, da Hoplon Infotainment.
 
Hugo Vera, João Beraldo e GL-R.
 

Ainda nesse intervalo, contrariando minha convicção, Anderson Santos provou que é possível ler e-books na tela do celular.  A demonstração prática foi executada em cima da versão digital do meu romance, A Guardiã da Memória [Draco, 2012 (edição digital)], perfeitamente legível até para um dinossauro acometido por vista cansada, como eu.
 
Anderson Santos demonstra A Guardiã da Memória no celular.
 

Da biblioteca, fomos à pastelaria com os amigos Flávio Medeiros, Hugo Vera, Erick Santos, Larissa Caruso, Sid Castro e Anderson Santos.  Já devidamente forrados com o almoço no Esfiha Chic, eu e Cláudia nos limitamos a rachar um pastel de pizza, com picolés de fruta por sobremesa.  Expressei aos organizadores da Space Opera II meu entusiasmo com os trabalhos “Obliterati” de Fábio Fernandes e “No Vácuo, Você Pode Ouvir o Espaço Gritar” de Carlos Orsi Martinho.  Lembrando os melhores far futures de Greg Bear, ambos superaram em muito os cânones da new space opera; que se falar, então, da space-opera tradicional...  Ainda dentro do projeto Space Opera, Erick declarou que a Space-Opera III funcionará com submissões abertas.  Boas falas.
 
Almoço na pastelaria:
Sid Castro, Larissa Caruso, Hugo Vera, Erick Sama,
GL-R, Flávio Medeiros, João Beraldo.
 

Voltamos da pastelaria para a biblioteca a tempo de assistir a mesa-redonda “Lugar de Mulher é na Cozinha”, com as escritoras Martha Argel, Finisia Fideli e Rosana Rios.  Um bate-papo comemorativo, por assim dizer, dos doze anos da publicação da primeira edição da antologia homônima e de seu relançamento pela Draco nesta Fantasticon 2012.  Na plateia, a presença de Roberto Paes, antigo editor da Writers.  Sentamos na primeira fila para tirar fotos mais de perto.  Reparei na autora de fantasia Flávia Cortez, sentada duas ou três poltronas à nossa esquerda, mas não houve oportunidade de conversar com ela.
 
Mesa-Redonda: Lugar de Mulher é na Cozinha
Martha Argel, Finísia Fideli & Rosana Rios.
 

Martha falou um pouco da gênese da antologia publicada no longínquo ano 2000, época em que, na ausência das redes sociais, as listas de discussão reinavam supremas no panorama do fantástico lusófono.  Falou também que o título causou espécie na época, quando esse dito preconceituoso ainda despertava lembranças de cunho machista.  Várias autoras da antologia compareceram à biblioteca para o relançamento.  Rosana Rios confessou que detesta cozinhar e Finisia Fideli, num ato falho que serviu para demonstrar o quão arraigados certos conceitos estão, mesmo nas mentes de feministas esclarecidas, indagou à plateia, “quando é que vocês, homens, engenheiros, vão inventar uma cozinha automática igual à dos Jetsons?”  Até então apreciando a mesa, minha doutora em Engenharia de Telecomunicações, esboçou um sorriso irônico, mas não teceu comentários.  A mesa-redonda contou com participação intensa da plateia e constituiu, em minha opinião, o evento formal mais divertido desta tarde na Fantasticon.  A nova edição da antologia repete os mesmos contos e autoras, mas conta com dois textos de apresentação: um da brasilianista e especialista em ficção científica brasileira M. Elizabeth Ginway e o outro da Finisia Fideli.

Hugo Vera, GL-R & CQL.
 
Aproveitei o intervalo da mesa-redonda para bater papo com os amigos e travar novos contatos.  Conversei com Kyanja Lee sobre meu pseudônimo Carla Cristina Pereira.  Ela contou que leu meu ensaio “Os Anos em que Fui Carla” e perguntou onde podia encontrar os trabalhos que publiquei sob esse pseudônimo.  Expliquei que esses contos estão espalhados por meia dúzia de antologias e coletâneas fantásticas brasileiras e portuguesas.  Se bem que, parando para pensar, a ideia de uma coletânea do tipo O Melhor de Carla Cristina Pereira não é das piores...

Conversei também com os amigos Daniel Borba, Rober Pinheiro e Ana Cristina Rodrigues.  Esta última me apresentou o autor Dennis Vinicius, de quem selecionei o divertido “A Última Aventura do Pardal Mecânico” para a antologia Super-Heróis, que organizei com Luiz Felipe Vasques para a Draco.  Também por perto e igualmente selecionado para a mesma antologia, Lucas Rocha, autor da intensa “Verdade sobre Raio Vermelho — Uma Biografia”.  Daí, não resisti a tecer uma comparação entre e o conto e a noveleta, duas narrativas fascinantes de super-heróis decadentes, uma humorística e a outra trágica.

Logrei enfim conversar com o Cândido Ruiz, que quase não reconheci fora de suas tradicionais roupagens steampunks.  Cândido confirmou o interesse na noveleta que escrevi para a antologia de piratas, marginais, anti-heróis e outros maus elementos que ele está organizando.

O último evento oficial da tarde foi o bate-papo “Autores Congelados pela Crítica e Adorados pelos Leitores”, com André Vianco e o antologista Felipe Pena.  A motivação principal do papo foi a saraivada de críticas negativas à antologia Geração Subzero (Record, 2012).  Como não podia deixar de ser, um dos temas mais saborosos do papo foi a pletora de motivos dos críticos, isto para não falar na falácia da oposição entre literatura erudita e literatura popular; a relevância das críticas literárias postadas em blogs; e das paixões, inspirações e compulsões que levam um ser humano aparentemente saudável a se meter a escritor.  De sua parte, Vianco confessou-se antes um contador de histórias do que um escritor e lembrou, emocionado, de um fã que catava latas para vender a fim de amealhar reais para comprar cada um de seus lançamentos.  Pena falou sobre o temor das críticas e sobre suas experiências como professor universitário num curso de escrita criativa em que estabeleceu um sistema de análises críticas anônimas, onde até os trabalhos do professor podem ser criticados sem consequências adversas para os alunos.  No todo, um bate-papo animado, com química excelente entre os participantes, que, no entanto, perdeu um pouco na fase das perguntas, onde, a meu ver, as respostas se estenderam demais sem esclarecerem tanto assim.
 
Bate-papo: Autores Congelados pela Crítica
André Vianco e Felipe Pena.
 

Uma vez fora do auditório, conheci pessoalmente meu revisor favorito, Eduardo Kasse, sujeito que vem realizando um trabalho de qualidade excelente nas revisões dos romances e antologias que já publiquei e ainda vou publicar pela Draco.  Conversamos sobre as nuances de alguns dos meus trabalhos publicados e por publicar, uma oportunidade rara, pois em geral, nós autores nos sentimos cheios de dedos para falar daquilo que ainda não foi impresso (digital ou em papel).  Mas, é claro que com o Eduardo, que analisou a maior parte daquilo que submeti à Draco nos últimos anos, é diferente.J  Aproveitei a presença dele, que também é autor da casa, para comprar seu romance de fantasia O Andarilho das Sombras, devidamente autografado.
 
Flávio Medeiros, GL-R, Erick Sama e Eduardo Kasse.

Cláudio Brites, GL-R, Hugo Vera, Rafael, Erick Sama, Clinton Davisson e Flávio Medeiros.
 

Steampunkers!
 

Aliás, no quesito autógrafos, assinei não apenas exemplares da Erótica Fantástica 1 e do A Guardiã da Memória, mais ou menos como esperava, mas também coisas antigas, como a antologia Outras Copas, Outros Mundos (Ano-Luz, 1998) e até o prefácio mezzo-iconoclasta que escrevi para a Space-Opera II.

Também pude conhecer pessoalmente o autor e antologista Ademir Pascale, que publicou recentemente a antologia digital Invasão Alienígena, em que participo com o conto curto “Todo o Silício do Mundo...”

O presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica, Mr. Bill Clinton Davisson deu o ar de sua graça, semicareca como ameaçara, em virtude de um acidente sofrido enquanto cochilava inadvertidamente na poltrona de uma barbearia na localidade bucólica de Macabu, onde pouco acontecia desde o cumprimento da última sentença de morte do Império do Brasil e, agora, desse atentado cruel à outrora basta cabeleira presidencial.

Conversei com a autora Ana Lúcia Merege sobre a perspectiva de ela submeter um conto para a Erótica Fantástica 3, citando os exemplos salutares de Márcia Kupstas e Simone Saueressig, ambas autoras infantojuvenis de reconhecido sucesso, que emplacaram contos eróticos supimpas na Como Era Gostosa a Minha Alienígena! (Ano-Luz, 2002).  Senti que Ana ficou animada.  Simone, aliás, é uma boa amiga com quem não tive oportunidade de conversar melhor neste sábado.  Infelizmente, apenas um caso entre vários...

Finda a parte formal do sábado fantástico, eis que vamos ao planejamento dos comes e, sobretudo, dos bebes.  Prejudicada em seu desempenho etílico-literário (in vino veritas!), desempenho esse que a tornou em lenda-viva nos certames pós-lançamentos cariocas, Ana Cristina Rodrigues bem que tentou nos abduzir para um caraoquê paulistano, numa vigorosa expedição autopunitiva comandada pelo heroico Rober Pinheiro.  Ele nos confessou que teria preferido nos acompanhar à bebemoração no pezinho-sujo.  No entanto, por “dever de ofício”, sentiu-se compelido a acompanhar a Ana Cris no karaokê.  Poor devil...  De todo modo, alegando idade provecta, saímos pela tangente à la Leão da Montanha, rumo ao bom e velho pezinho-sujo, tradição nem tão arcana assim de várias Fantasticons do passado.  Acompanharam-nos à bebemoração, os amigos Erick Santos, Flávio Medeiros, Clinton Davisson o Semicalvo, Marcelo Galvão, Ricardo França, Sid Castro, Daniel Borba, Amanda Reznor, Christopher Kastensmidt, Anderson Santos e Zero Vieira, dentre outros.
 
Jantar de Espetos I:
Clinton Davisson, Daniel Borba, Amanda Reznor.

Jantar de Espetos II:
Ricardo França, Marcelo Galvão e Anderson Santos.
 
Jantar de Espetos III:
CQL & GL-R, Erick Sama, Christopher Kastensmidt, Clinton Davisson.
 

Os comes foram representados pelos espetos honestos do estabelecimento.  No quesito bebes, descolamos duas garrafas de Santa Helena Cabernet Sauvignon que, se por um lado, não chega a constituir um grande vinho, por outro, revelou-se adequadamente potável e casou à perfeição com os espetos de calabresa, queijo coalho e lombos suínos.

O bate-papo não podia ter sido melhor e mais inspirado.  No quesito eleições municipais, vários de nós trocaram experiências adquiridas no cumprimento de seus deveres cívicos eleitorais, dos dois lados da urna e da mesa de apurações.  Os amigos paulistanos mostraram-se preocupados ante a perspectiva da eleição de Russomano para prefeito.  Segundo eles, o candidato representa a direita religiosa em seu pior.  Destaque para a imitação soberba do eleitor bêbado que chega cinco minutos antes do término da votação exigindo cumprir seus direitos de cidadão, interpretada por Flávio Medeiros.  Outro destaque da noitada foram os debates intermináveis nas listas de discussão em que o mesmo Flávio vem empreendendo com o vigor de uma cruzada intelectual contra infiéis de estirpe dúbia.  Também falamos de editores do passado que não honraram seus compromissos.

Erguemos três brindes nesta noitada.  O primeiro a Eduardo, filho de Erick Santos e Janaina Chervezan, que deverá nascer nessa próxima quarta-feira.  O segundo brinde, a Clinton Davisson, presidente que teve a coragem insana (neste caso, um pleonasmo vicioso) de ressuscitar o Prêmio Argos, brinde acompanhado de uma calorosa salva de palmas.  E, last but not least, nosso brinde ao Flávio Medeiros pela bela classificação do conto “Por um Fio” no Hydra 2012.  Agora sócio da prestigiosa Science Fiction Writers of America, Flávio contou de suas primeiras experiências como participante das listas de discussão da entidade.

Por volta das 21:30h, incrivelmente cedo para os nossos padrões boêmios, fechamos a conta e nos despedimos dos amigos.  Erick deu carona para nós, Flávio e Chris Kastensmidt até nossos respectivos hotéis.  Enfim em nosso quarto do Mercure, tão confortável que poderíamos morar aqui, tombamos na cama e gozamos do sono dos justos.

Mercure Paraíso, São Paulo, 22 de setembro de 2012 (sábado).

 

 
 
DIA 4
201209232258P    19.069 D.V.

Acordamos cedo para o café da manhã caprichado do Mercure Paraíso, com direito a um bacon & eggs tão saboroso que me fez sentir orgulho por desta vez não ter esquecido meu comprimido para controle de colesterol.J  De volta ao quarto 114, avancei um pouco nesta crônica enquanto Cláudia facebooquiava um pouquinho.

Check out expresso na recepção do Mercure e seguimos de metrô para a estação Vila Mariana.  Cinco minutos de caminhada já com nossas mochilas nas costas e chegamos à Viriato Correa.  Sob os olhares admirados de Flávio Medeiros, Hugo Vera e Marcelo Jacinto Ribeiro, conseguimos socar minha mochila num dos armários do guarda-volumes.  Pressão interna final após o fechamento da escotilha: superior a sete atmosferas!  No entanto, no caso da mochila da Cláudia, bem maior do que a minha, não houve mágica compressional que desse jeito: tivemos que armazená-la no depósito da biblioteca.  Mal resolvemos essa parada, Silvio Alexandre me convocou para uma entrevista para o portal da livraria Saraiva.  Gravei durante uns cinco minutos em pleno auditório, falando sobre a triantologia punk que organizei para a Draco: Vaporpunk (2010); Dieselpunk (2011); e Solarpunk (no prelo).
 
Entrevista ao portal da Saraiva.

Sílvio Alexandre e GL-R na exposição
Da Terra à Lua, de Estevão Ribeiro.
 

Após essa entrevista, eu e Cláudia fomos até o espaço temático da biblioteca, ver a exposição “Musas Fantásticas de Si”, com fotos de nus artísticos sem retoques da Nathalie Gingold.  Sinceramente?  A maioria das mulheres ali expostas me pareceu mais bonita do que as atrizes globais (que, quando você encontra na rua, constata que não são nada daquilo que você pensava...) ou as modelos de revistas masculinas.  Porque nas fotos da Nathalie você sabe que está vendo mulheres reais, sem truques de câmeras ou retoques computacionais.

Do espaço temático, seguimos para a área de vendas bater papo com os amigos.  Ricardo França se sentia frustrado, pois queria comprar o último exemplar do romance Crônicas de Atlântida: O Tabuleiro dos Deuses (Draco, 2011), do Antonio Luiz da Costa, mas o mesmo estava com algumas folhas rasgadas.  Felizmente, o publisher Erick Sama chegou a tempo de presenciar o drama e se ofereceu para enviar um exemplar para o Ricardo com o desconto especial de autor da casa (O Ricardo teve o conto “Tempos Dionisíacos” selecionado para a Erótica Fantástica 2).  Quase nessa mesma hora, autografei o prefácio da antologia Space-Opera II para um fã que ainda não conhecia pessoalmente.  Agradecido, o rapaz declarou ter lido meu livro Padrões de Contatos e gostado muito.  Sei que é difícil crer que possa haver dois escritores cariocas de ficção científica hard, mas, enfim, paciência: é verdade...  Quase respondi, “Eu também!”, mas achei melhor segurar a onda para não encabular o fã.  Em tempo: se é que alguém não sabe, para evitar uma busca desnecessária no Google, esclareço que a trilogia Padrões de Contato é de autoria de Jorge Luiz Calife.

Em seguida fomos para o auditório para a entrega do Prêmio Argos 2012.  Um grande momento para mim, pois seria agraciado com o Argos Especial, uma premiação até então entregue somente uma vez antes na história do Argos, a Gumercindo Rocha Dórea, uma unanimidade absoluta e, provavelmente, o sujeito que mais arduamente trabalhou em prol do fomento e da divulgação da ficção científica brasileira.  Asseverei diversas vezes ao longo deste segundo fim de semana da Fantasticon 2012 que, embora estivesse recebendo essa homenagem pelo conjunto da obra, não considerava minha obra completa, em absoluto.J

O presidente do CLFC, Clinton Davisson, planejou a cerimônia do Argos em grande estilo.  Contamos com a presença de cosplayers do universo ficcional Star Wars, numa encenação divertida com a participação, inclusive, de nosso performático Mr. President Clinton, no papel de Mestre Jedi sênior, à la Obi-Wan Kenobi, baixando o sarrafo em mercenários e stormtroopers imperiais.  Devidamente fardada de oficial do Império, Mary Farrah agradeceu ao CLFC pela doação de cestas básicas às crianças órfãs de uma instituição carioca, afirmando que, graças à iniciativa do clube, eles comerão melhor por um ou dois meses.  Como aquela equipe que compareceu ao lançamento da Space-Opera I em Macaé, essa que agora abrilhantou a cerimônia do Argos 2012 é formada por voluntários que atuam gratuitamente, pedindo apenas a doação de cestas básicas para instituições de caridade da escolha do doador.  Ficção científica engajada, que serve não apenas para inspirar o futuro com que muitos de nós sonhamos, mas para cuidar e ajudar a consertar o presente.  De arrepiar os pelos!
 
Argos 2012: Cosplayers Star Wars.

Lord & Lady Draco: Erick Sama & Janaína Chervezan.

Argos 2012: Cosplayers em ação!


Argos 2012: Mary Farrah anuncia doações do CLFC.
 

Inicialmente, Mr. President convidou Ana Cristina Rodrigues ao palco para a entrega do Argos Especial.  Sei que sou suspeito para opinar, mas relato que Ana proferiu um discurso emocionante, que só ela poderia fazer, para me apresentar à plateia.  Ana me elogiou tanto que cheguei a temer por minha reputação de dinossauro malvado implacável da FC brasileira.  Felizmente, Ana parou antes de chegar às lágrimas.  Pois, se tal acontecesse, apenas por questão de cavalheirismo e solidariedade, eu me veria forçado a acompanhá-la.  Embora tivesse ensaiado uma ou duas frases espirituosas, quando subi ao palco para receber o Argos Especial das mãos da Ana, elas desapareceram da minha mente.  Na cabeça, apenas a surpresa com o peso do troféu.  Não me lembro direito do que falei para a plateia, exceto pelo sentido geral, que deve ter sido, se é que não sonhei a respeito, algo girando em torno da importância da narrativa e da irrelevância do autor.  Felizmente, a emoção e o Alzheimer não me fizeram esquecer de quem de fato merece: meus pais, Cláudia e ao Presidente Clinton Davisson, por haver ressuscitado o Prêmio Argos.
 
Argos 2012: Mr. President, GL-R e Ana Cristina Rodrigues,
entrega do Argos Especial (Conjunto da Obra).
 

Assim que desci do palco logo atrás da Ana Cris e regressei à minha poltrona na primeira fila, Clinton deu prosseguimento à cerimônia, convidando ao palco Christopher Kastensmidt para entregar o Argos 2012 na categoria “Melhor Ficção Curta”.  Os nomes dos cinco trabalhos finalistas foram projetados num telão descido do alto do palco:

“Auto de Extermínio”, de Cirilo S. Lemos;
“A Esfera Dourada”, de Clinton Davisson;*
“Morgana Memphis Contra a Irmandade Gravibramânica”, de Alliah;
“Pendão da Esperança”, de Flávio Medeiros, Jr.; e
“Seu Momento de Glória”, de Marcelo Jacinto Ribeiro.
 
Argos 2012: Categoria Melhor Ficção Curta.
 

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(*) Clinton determinou à comissão organizadora do Argos 2012 que retirasse seu conto da lista de finalistas.  Rebelados, os demais membros argumentaram que não havia previsão legal para uma exclusão deste tipo nos regulamentos da premiação e que, excluir um concorrente bem votado implicaria alienar a vontade dos eleitores, sócios do Clube de Leitores de Ficção Científica, ora presidido pelo próprio Clinton.  Procedeu-se então à votação para apreciar a determinação transformada em solicitação e o presidente foi voto vencido, mantendo-se a noveleta do autor Clinton Davisson como concorrente.

 

Após certo suspense, Christopher abriu o envelope lacrado com o nome do vencedor: “Pendão da Esperança”, de Flávio Medeiros, publicado na antologia Space-Opera I (Draco, 2011), organizada por Hugo Vera e Larissa Caruso.  Visivelmente emocionado, Flávio subiu ao palco para seu discurso de agradecimento, falando também sobre a gênese dessa noveleta instigante, que sepultou de vez a famigerada “Síndrome do Comandante Barbosa”, moléstia debilitante que assombrou por décadas a ficção científica brasileira.  Foi a segunda premiação importante que Flávio abiscoitou neste ano.

Argos 2012: Flávio Medeiros vence a categoria Ficção Curta com
"Pendão da Esperança".

 
Quando Flávio e Chris desceram do palco, Clinton convidou o autor e antologista Hugo Vera para entregar o Argos 2012 na categoria “Melhor Romance”.  Os nomes dos cinco livros finalistas foram projetados no mesmo telão de antes que voltou a aparecer:

B9, de Simone Saueressig;
Filhos do Éden: Herdeiros de Atlântida, de Eduardo Spohr;
A Guardiã da Memória, de Gerson Lodi-Ribeiro;
A Ilha, de Flávio Carneiro; e
Sonhos, Sombras e Super-Heróis, de Luiz Brás.
 
Argos 2012: Categoria Melhor Romance.
 
 
Novo suspense e Hugo abriu seu envelope divulgando meu nome.

Sacudido, retornei ao palco para receber meu segundo Argos da tarde.  Azarão num certame em que competi com finalistas que, ou vendem muito mais livros do que eu, ou possuem um domínio da linguagem bem superior ao meu, confesso que não preparei o discurso de agradecimento que a ocasião exigia.  A solução foi, seguindo o exemplo brilhante do amigo Flávio Medeiros, falar um pouco da gênese do romance A Guardiã da Memória.  Tarefa relativamente simples, visto que havia preparado poucas semanas atrás um ensaio metaliterário, “Se a Borboleta Lembrasse sua Vida de Lagarta...”, sobre esse assunto para minha coluna no blog da Draco (http://blog.editoradraco.com/category/gerson-lodi-ribeiro/).
 
Argos 2012: GL-R recebe Argos na categoria Melhor Romance
pela A Guardiã da Memória.
 

Desta forma, com as premiações das duas categorias, a Draco sagrou-se vencedora absoluta do Prêmio Argos 2012.  Na saída do auditório, nova emoção quando Mary Farrah, a oficial do Império, confessou ser minha fã desde os tempos áureos do Projeto Intempol.
 
Argos 2012: Vitória da Draco!

Mary Farrah e GL-R.

"We are the Champions, my friend..."
Dois Caras, Três Argos e um Hydra!
 
 
Uma vez fora do auditório, após termos sido acusados de “Papa-Oscar” por Bráulio Tavares, eu e Flávio reunimos a turba e cogitamos comemorar uma panquequeria próxima, onde havíamos almoçado num sábado da Fantasticon 2011.  Lá poderíamos brindar nosso momento de glória com um vinho de fina estirpe.  A dificuldade é que não havia condução para todos.  Daí, da calça de veludo à bunda de fora, optamos pela velha, boa e fiel pastelaria da esquina, em mais uma orgia gastronômica pasteleira.  Literalmente fechamos o estabelecimento por estágios para uso exclusivo dos frequentadores da Fantasticon.  Primeiro, nossa mesa, com Erick & Janaína; eu & Cláudia; Flávio; Hugo Vera; Ana Lúcia Merege; Zero Vieira e seu celular esporrento; Ricardo França com seus desenhos inspiradíssimos; Sid Castro e Marcelo Jacinto.  Depois, a mesa dos retardatários de primeira ordem, que demoraram a chegar à pastelaria: Gian Celli; Lucas Rocha; Ana Cris; Dennis Vinicius; Cris Lasaitis & Alliah; Carol Chiovatto & namorado.  E, finalmente, na mesa dos hierarcas, estrategicamente posicionada sob o toldo da calçada do estabelecimento, os retardatários de segunda ordem, os últimos a comparecer, capitaneados por Sílvio Alexandre; Clinton Davisson; Chris Kastensmidt; Simone Saueressig; Daniel Borba; e Edgar “Garapa” Refinetti.  Lotamos o estabelecimento de tal forma que, quando Carlos Orsi Martinho apareceu, no início teve que permanecer de pé, pois não houve cadeira para sentar...  Desta vez consegui traçar um pastel inteiro (calabresa com catupiry), enquanto Cláudia optou por um sanduíche light.  Não dispensamos os picolés de milho verde à guisa de sobremesa.
 
Almoço na pastelaria - Mesa 1:
GL-R, Janaína, Erick, Sid Castro, Flávio Medeiros, Marcelo Jacinto Ribeiro,
Hugo Vera, Ana Merege, Ricardo França e Zero Vieira.
 
Almoço na pastelaria - Mesa 1:
GL-R & CQL e Janaína Chervezan.

Almoço na pastelaria - Mesa 2:
Gian Celli, Hugo Rocha, Ana Cris, Chris Kastensmidt,
Carol Chiovatto, Alliah & Cris Lasatis.

Almoço na pastelaria - Mesa 3 (Diretoria):
Sílvio Alexandre, Daniel Borba, Amanda Reznor, Chris
Kastensmidt, Simone Saueressig, Edgar Refinetti e Clinton Davisson.
 

Argos 2012: charge de Ricardo França.



GL-R e Carlos Orsi Martinho.
 

Eu e Cláudia caminhamos de volta à Viriato Correa em companhia do Martinho, sempre um papo excelente.  Porém, uma vez na biblioteca, o dever me chamou sob a forma de nova entrevista, agora para o podcast literário Podler (www.podler.com.br), agendada antes da cerimônia de entrega do Argos.  Ao saber da novidade da premiação da A Guardiã da Memória, a equipe do Podler pediu para trazermos os troféus para a gravação da matéria.  O assunto desta vez foi minha carreira literária.  Falei sobre os livros que publiquei, excluindo apenas, a Guardiã, por orientação da equipe, para possibilitar a pergunta final do entrevistador e, aí sim, falar desse romance de FC erótica.  Em seguida, o entrevistador pediu que eu gravasse uma entrevista curta para uma matéria que o Podler está preparando.  Entre as opções cinema de ficção científica e Isaac Asimov, escolhi o autor, falando um pouco de sua carreira literária como romancista (Fundação e O Despertar dos Deuses), escritor de ficção curta (“O Cair da Noite”) e antologista de mão cheia (Science Fiction A to Z).
 
Entrevista ao podcast PodLer.
 

Da entrevista, voltamos para o espaço comum, onde papeei um pouco com o Gian Celli, a Ana Cris e outros amigos, até a hora da última atividade formal da tarde e da Fantasticon 2012, a mesa-redonda que eu moderaria, “Quem Precisa de Antologias?”, com a participação dos escritores e antologistas, Bráulio Tavares, Eric Novello e Roberto de Sousa Causo.  Abri a mesa apresentando algumas definições básicas, como diferenças entre coletâneas e antologias, bem como uma brevíssima taxonomia exemplificada das antologias: submissões abertas e por convite; temáticas vs. tema livre; inéditas vs. republicações etc.  Finalizei com um pouco das agruras e vantagens de organizar uma antologia de submissão aberta nesta segunda década do século XXI, destacando a possibilidade concreta de revelar novos autores.  Em seguida, Bráulio discorreu sobre as antologias que organizou nos últimos tempos.  Causo fez mais ou menos o mesmo, afirmando-se preocupado em revelar velhos autores esquecidos pelas novas gerações.  Eric Novello disse estar empenhado em revelar novos talentos através dos projetos de antologias que vem alavancando junto à Draco e outras editoras.  Enfim, abrimos o microfone para as questões, comentários e apupos da plateia.  Ana Cristina Rodrigues nos brindou com uma autêntica saraivada de perguntas.  Vencido o pasmo ante tamanho blitzkrieg verbal, coordenamos nossos esforços (hercúleos!) para ripostar à altura.  Causo defendeu de forma hilária e pertinente o emprego do termo “Melhores...” nos títulos das antologias; Bráulio esgrimiu em prol do próprio conceito de antologia, enquanto eu me bati em favor dos livros de contos em geral.  A diretora da Viriato Correa comentou em favor da relevância do trabalho do antologista como implementador de um controle de qualidade mínimo da ficção curta publicada, numa crítica às antologias pagas, nas quais o autor só precisa desembolsar para publicar.  Brinquei um pouco com os conceitos de pagar para publicar em geral e da reserva de vagas em antologias pagas em particular, comparando esses conceitos ao sexo pago com as(os) profissionais do ramo.
 
Mesa-Redonda: Quem Precisa de Antologias?
GL-R, Bráulio Tavares, Roberto Sousa Causo e Eric Novello.

Sereno moderador.

Quem Precisa de Antologias?: Plateia.

Quem Precisa de Antologias?:
Saraivada de perguntas de Ana Cris Rodrigues.
 

Ao fim dessa última mesa-redonda, olhei para o relógio e constatei que já estávamos bastante atrasados em relação à hora em que havíamos planejado chegar ao Aeroporto de Congonhas para nosso voo de regresso ao Rio de Janeiro.  Meio aflitos, despedimo-nos rapidamente dos amigos mais próximos e nos dirigimos para a calçada da Viriato Correa.  Sentimo-nos um pouco estressados, pois não passava táxi vazio algum pela vizinhança.  Felizmente, Erick & Janaína, o Casal 20 do subfandom paulistano, ofereceu-se para nos dar uma carona até o aeroporto.

Foi uma carona providencial e com direito a emoções.  Pois, a meio caminho para Congonhas, um carro freou bruscamente algumas posições a frente do automóvel do casal, forçando os motoristas que vinham atrás a brecadas bruscas.  Demonstrando-se a um só tempo possuidor de reflexos afiados e preocupação paterna extremada, Erick logrou controlar a direção com a mão esquerda, brecar o veículo com rapidez e elegância (i.e., sem trancos abruptos) e estender a direita para proteger a barriga supergrávida da Janaína.  Quando demos por nós, já estávamos praguejando, de puro alívio.

Uma vez no setor de embarque, despedidas cumpridas, dirigimo-nos ao setor da Gol.  Embarcamos sem problemas no voo G3-1554, mas esse levou quase meia hora, prontinho na pista, até receber autorização para decolar.  O avião veio para o Rio apenas metade cheio.  Aproveitei a viagem curta para adiantar mais um pouquinho esta crônica.

É um prazer voltar para casa com dois troféus do Argos 2012.

Foi um dos dias mais legais da minha vida, mas confesso que a ficha ainda não caiu por completo.  Aposto que amanhã vou acordar com um sorriso de orelha a orelha, mesmo sendo a segunda-feira de mais uma semana dura de batente.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 23 de setembro de 2012 (domingo).

 


Participantes:
 
Ademir Pascale
Adriano Siqueira
Alfredo Keppler
Alliah
Amanda Reznor
Ana Cristina Rodrigues
Ana Lúcia Merege
Anderson Santos
André Vianco
Andrea Alves
Antonio Luiz M.C. Costa
Bráulio Tavares
Cândido Ruiz
Carlos Orsi Martinho
Carol Chiovatto
Christopher Kastensmidt
Cláudio Brites
Clinton Davisson
Cristina Lasaitis
Daniel Borba
Dennis Vinicius
Douglas MCT
Edgar “Garapa” Refinetti
Eduardo Massami Kasse
Eric Novello
Erick Sama
Felipe Castilho
Felipe Pena
Fernando Firpo
Finisia Fideli
Flávia Cortez
Flávio Medeiros
Gerson Lodi-Ribeiro
Giampaollo Celli
Giulia Moon
Guilherme Sucena
Gumercindo Rocha Dorea
Hugo Vera
Janaína Chervezan
José Roberto Vieira (Zero)
João Marcelo Beraldo
Karin Thrall
Kyanja Lee
Larissa Caruso
Lucas Rocha
Marcelo Galvão
Marcelo Jacinto Ribeiro
Marcelo Rodrigo Pereira (Mushi)
Márcia Olivieri
Martha Argel
Mary Farah
Renato A. Azevedo
Ricardo França
Richard Diegues
Rober Pinheiro
Roberto de Sousa Causo
Roberto Paes
Rosana Rios
Sid Castro
Sílvio Alexandre
Simone Saueressig

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Fantasticon 2012 (Primeira Semana)


FANTASTICON 2012
(primeira semana)

 

“Na literatura fantástica brasileira, às vezes parece que há mais autores do que leitores.” [Marcia Olivieri]

          DIA 1
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Começou hoje a maratona de dois fins de semana seguidos que constituirá a épica Fantasticon 2012, VI Simpósio de Literatura Fantástica, realizado na Biblioteca Viriato Correa, Vila Mariana, São Paulo, capital.  Este formato de dois fins de semana em vez de um é novidade.  Torço para que funcione a contento.  Imagino que seja melhor para o público paulistano.  Quanto ao pessoal que vem de fora, com poucas exceções, deverá se concentrar num ou noutro fim de semana.

*     *      *
 
Cartaz do Simpósio.
 

Deixei a Cidade Maravilhosa pela rodoviária Novo Rio no ônibus da Expresso do Sul que partiu às 06:30h e, mesmo com a tradicional meia hora de parada, conseguiu chegar ao Terminal Rodoviário do Tietê ao meio-dia cravado, desempenho mais do que satisfatório que me fez reavaliar minha opção padrão de sempre optar pela Viação 1001, cujas viagens vêm durando, em média, uma hora a mais do que a de hoje.

Durante essa viagem de ida, revisei o original de um romance ambientado no universo ficcional de Ahapooka.  Encerrada a revisão do original, retornei à leitura da Space-Opera II (Draco 2012) que, como a antologia anterior, foi organizada por Hugo Vera e Larissa Caruso.  Até agora os textos de que mais gostei foram “Obliterati” do Fábio Fernandes e “Inferno de Dantè” do Marcelo Galvão, cuja leitura concluí à chegada no Terminal Tietê.

Segui de táxi da rodoviária até o Mercure Paraíso, para fazer check-in e deixar a mochila.  Não foi uma decisão das mais inteligentes, pois acabei vítima de mais um dos engarrafamentos de sábado em Sampa e levei mais de quarenta minutos, do terminal ao hotel.  Enfim no quarto 14, cumpridos os rituais dos bedroom acceptance tests, tomei o metrô na estação Paraíso, bem próxima ao hotel e saltei na estação de Vila Mariana, a cinco minutos a pé da biblioteca municipal.

Cheguei à Viriato Correa por volta das 13:20h.  Infelizmente, não a tempo de dar uma conferida na oficina “Como Fugir de Arquétipos de Bom & Mau em sua História”, ministrada por Gianpaolo Celli, com o qual tive oportunidade de papear mais tarde, no intervalo entre uma mesa-redonda e outra.

O stand de vendas de livros — agora sob controle da Devir e não mais da Moonshadows — estava praticamente vazio, a não ser pela presença de Marcello Simão Branco e Roberto de Sousa Causo, velhos amigos de outras convenções, várias das quais anteriores ao advento das Fantasticons.  Aproveitei o ensejo e adquiri os romances O Alienado (Draco, 2012), de Cirilo S. Lemos, Mortal Engines (Novo Século, 2011) de Philip Reeve, e a antologia Imaginários 5 (Draco, 2012), organizada por Erick Sama.  Constatei que a antologia Erótica Fantástica 1 (Draco, 2012) já se encontrava à venda na banca de lançamentos.  Nas prateleiras, outros frutos da minha lavra, A Guardiã da Memória, finalista do Argos 2012 na categoria melhor romance; a história alternativa Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas; a coletânea Taikodom: Crônicas e outras duas antologias que organizei para a Draco no âmbito do projeto da triantologia punk, Vaporpunk (2010) e Dieselpunk (2011).

Erótica Fantástica 1.

 
Missão aquisitiva concluída com êxito (bem ao contrário do malogro da Fantasticon 2011...), entrei no auditório a tempo de assistir o fim do bate-papo “Editoras sem Papas na Língua”, com Gabriela Nascimento (Gutenberg), Fabiana Andrade (Underworld) e Júlia Schwarcz (Companhia das Letras).  Pelo pouco que vi, tratou-se de mais do mesmo em relação aos bate-papos e mesas-redondas dos anos anteriores entre editores engajados com literatura fantástica nacional e/ou publicação de títulos estrangeiros do gênero no país.

Saindo do auditório, conversei com Gumercindo Rocha Dorea, editor da famosa coleção de ficção científica GRD e lenda-viva do fantástico nacional.  Também revi outro velha-guarda do Clube de Leitores de Ficção Científica, Sergio Lins da Costa, recém-recuperado de uma cirurgia bem-sucedida.
 
Gumercindo Rocha Dorea e Marcello Simão Branco.

No intervalo, conheci Gustavo Vícola, autor do conto “Roda-Viva”, que eu e Luiz Felipe Vasques selecionamos para integrar a antologia Super-Heróis, a ser lançada em breve pela Draco.

Às 14:30h começou o bate-papo “Alta Literatura vs. Literatura de Entretenimento”, com a participação do crítico Manuel da Costa Pinto e dos autores Luiz Brás e Andréa del Fogo.  Para quem não sabe, Luiz Brás é o pseudônimo adotado por Nelson de Oliveira para escrever literatura fantástica.  A troca de ideias entre os três transmitiu à plateia a conclusão, um tanto óbvia, de que existem bons e maus textos na literatura dita séria; e bons e maus textos na literatura de entretenimento.  Outra conclusão óbvia, mas menos óbvia que a anterior, foi a de que o leitor perspicaz pode extrair prazer de textos literários que não foram escritos com o propósito precípuo de entreter.

No intervalo seguinte, travei contato com Kyanja Lee, revisora de textos de literatura fantástica cujo trabalho tenho mais ou menos acompanhado via Facebook.

Às 16:00h começou a mesa-redonda “Multimeios: Mídias Alternativas para a Literatura Fantástica”, com Ednei Procópio, Douglas MCT, Marcos Inoue e um quarto participante, cujo nome não ficou registrado.  Não consegui perceber a diferença entre bate-papo e mesa-redonda.  No início, pensei que ao contrário do bate-papo, mais informal, a mesa-redonda teria um moderador ou mediador.  De fato, Procópio em alguns pontos pareceu atuar como moderador.  Contudo, na mesa-redonda seguinte, não tive certeza de quem era a moderadora ou de se havia uma moderadora...

No intervalo que se seguiu à mesa-redonda das mídias alternativas, conheci João Batista Melo, autor da coletânea As Baleias de Saguenay (Rocco, 1995) que já havia lido há muito, muito tempo.  Aproveitei o ensejo para lhe autografar meus contos na antologia Outras Copas, Outros Mundos (Ano-Luz, 1998), “Pátrias de Chuteiras” e “Se Cortez Houvesse Vencido a Peleja de Cozumel”, enquanto César R.T. Silva me explicava as nuances da decisão de Nelson de Oliveira, que agora só publicará ficção sob a pena de Luiz Brás.  Nesta mesma ocasião, reencontrei Christopher Kastensmidt, recém-chegado da Chicon 2012, convenção mundial de ficção científica e gêneros correlatos em Chicago.  Também conversei com Eric Novello sobre a qualidade do ensaio fotográfico erótico de fino trato que o xará dele, Erick Sama, encartou no fim da Erótica Fantástica 1.

Cesar R.T. Silva, GL-R, Marcello e João Batista Melo.
 

Também aproveitei esse intervalo para apreciar os belos painéis do projeto que Estevão Ribeiro está desenvolvendo junto à Ediouro de uma graphic novel fundindo as visões vitorianas de viagens à Lua de Jules Verne e H.G. Wells, com pinceladas de Georges Miéliès.

Exposição "Da Terra à Lua", de Estevão Ribeiro.

 
A última atividade oficial da tarde foi a mesa-redonda “O Imaginário Medieval: Origem e Continuidade dos Seres Fantásticos”, com a editora Karin Thrall e as autoras e editoras Ana Cristina Rodrigues e Simone Marques.  Naquela que considerei a melhor atividade formal da tarde, as três discorreram sobre os bestiários da Antiguidade Clássica e Celta, bem como da Idade Média, com forte ênfase nos dragões.  Também foi a mesa ou papo em que as participantes melhor interagiram com a plateia.


Simone Marques, Karin Thrall e Ana Cristina Rodrigues:
"O Imaginário Medieval: Origem e Continuidade dos Seres Fantásticos".
 

Nesta Fantasticon, no início de cada bate-papo ou mesa-redonda, uma jovem vestida em trajes steampunks subiu ao palco para ler uma poesia de André Carneiro, como parte das comemorações pelo nonagésimo aniversário do decano da ficção científica brasileira.  Pouco mais tarde, conversando com o pesquisador Carlos Alberto Machado, soube que o André ainda está saudável e inteiramente lúcido e que, em princípio, poderia topar participar de atividades em convenções em Sampa ou no Rio.

Sílvio Alexandre: Leitura dos poemas de André Carneiro.

 
Após o fim dos trabalhos, enquanto aguardava que o casal Erick Sama & Janaína Chervezan me buscassem para jantar, conversei um pouco com Anderson Santos, Estevão Ribeiro, Ana Cristina Rodrigues, Marcello Simão Branco e César R.T. Silva.

Uma boa novidade é que Ana Cris retomará o papel de responsável pelo selo fantástico Llyr da editora Vermelho Marinho, reassumindo a coordenação da área de literatura fantástica da editora.

Erick e Janaína me buscaram à porta da biblioteca e, após breve bate-papo com os amigos ali remanescentes e um não tão breve engarrafamento, felizmente regado a bom papo a bordo do carro do casal, chegamos ao restaurante onde me haviam prometido uma pizza espetacular.  De fato, a pizza de javali deliciosa superou minhas expectativas otimistas!  O Agnus Merlot da Lídio Carraro que acompanhou a pizza constituiu uma bela surpresa.  Com companhias e papos tão agradáveis, pizzas e vinhos que harmonizaram com perfeição, quando olhei para o relógio já era quase uma hora da manhã.  As conversas giraram em torno de gravidez e filhos, uma vez que Janaína está no último mês da gestação de Eduardo; educação e colégios; mercado editorial e, como não podia deixar de ser, ficção científica e fantástico.  Conversamos um bocado sobre e-books e, sob insistência do casal e os efeitos do álcool, acabei revelando alguns spoilers sobre os romances da saga Canção e Gelo e Fogo, do George R.R. Martin, com direito a insights sobre o mistério da verdadeira ascendência de Jon Snow.  Uma noite memorável.


Jantar com Erick Sama & Janaína Chervezan.
 

Mercure Paraíso, São Paulo, 15 de setembro de 2012 (sábado).

 

           DIA 2
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Hoje de manhã, após a quentinha de pizza de ontem à noite por desjejum, enquanto escrevia esta crônica, consegui conversar com a Cláudia via Skype.  Em seguida, fechei a mochila e fiz check-out no Mercure.

GL-R, Mushi, Marcelo Amaral, Ana Cris e Sid Castro.
Almoço: pastel, pastel, pastel...
 

Fui de metrô até Vila Mariana e da estação a pé até a Biblioteca Viriato Correa.  Lá chegando, encontrei Ana Cristina Rodrigues e Sid Castro no estande de vendas da Devir.  Convidei-os para almoçar o tradicionalíssimo pastel da Fantasticon.  Após resolver algumas pendengas envolvendo o atraso do recebimento dos exemplares do romance infanto-juvenil que Marcelo Amaral lançou pela Llyr, Ana Cris conseguiu sair para almoçar o pastel conosco.  Além de eu, Ana e do autor-órfão de livros, acompanharam-nos Marcelo Pereira, o popular Mushi, e Sid Castro.  O estabelecimento afirma que os pastéis da casa vêm com trinta centímetros de comprimento.  Conferimos mais uma vez que não se trata de propaganda enganosa.  Nove em cada dez participantes de Fantasticons anteriores admitem que as convenções de literatura fantástica abrigadas na Viriato Correa não seriam as mesmas sem o fabuloso pastel desse estabelecimento próximo à biblioteca municipal.  Depois de quase uma hora de bate-papo e fofocas do fandom, degustando um pastel de calabresa com catupiry regado por duas latas de coca zero, eis que chegam os amigos gaúchos, Duda Falcão, Cesar Alcázar e André Cordenonsi.  Como editora desalmada que é, Ana sussurrou ao meu ouvido:

— Quer ver como se faz um autor gelar?

E, em seguida, comentou casualmente com Duda Falcão:

— Comecei a ler seu livro e parei na página cem... — Malvada, deixou o comentário pelo meio.

Após alguns segundos de tensão, um Duda nervoso retrucou:

— Sim, tchê, mas, e daí?

Ana Cris permaneceu calada, apenas encarando Duda até que o rapaz começasse a suar frio.  Piedoso que sou, encerrei a sessão de tortura:

— Tudo bem, Ana.  Você ganhou a aposta.

*     *     *

 

Da pastelaria regressamos à biblioteca.  Antes de começar a cerimônia de entrega de certificados do Concurso Hydra, num golpe de sorte, logrei descolar a chave para um armário no guarda-volumes, desovando então minha mochila pesada.

O criador do prêmio, Christopher Kastensmidt, e um dos juízes, Tiago Castro (a outra juíza, Ana Carolina Silveira, não pôde comparecer) detalharam a gênese e a mecânica da premiação.  Explicaram que coube aos próprios autores inscrever seus trabalhos de até 10.000 palavras publicados, profissionalmente ou não, nos dois anos anteriores.  O triunvirato (Chris, Ana e Tiago) escolhe os melhores trabalhos e os direcionam ao autor norte-americano Orson Scott Card que estabelece a seleção final e, se for o caso, recomenda a publicação na revista que leva seu nome.  Nesta primeira edição os vencedores foram:

1º lugar — “História com Desenho e Diálogo”, de Brontops Baruq (Portal Fundação, Projeto Portal);

2º lugar — “Por um Fio”, de Flávio Medeiros, Jr. (Steampunk, Tarja Editorial); e

3º lugar — “Eu, a Sogra”, de Giulia Moon (Imaginários 1, Draco).

Tanto o primeiro colocado quanto o segundo tiveram sua publicação aprovada na revista Orson Scott Card’s Intergalactic Medicine Show (www.intergalacticmedicineshow.com).

Concurso Hydra: Tiago Castro (juiz); Ana Cristina Rodrigues (por Flávio Medeiros Jr.);
Giulia Moon; Brontops Baruq; Christopher KAstensmidt (juiz).
 

Ao longo do bate-bola informal entre os dois juízes presentes, Christopher se confessou surpreso pelo fato de que vários autores brasileiros importantes publicados em 2009 e 2010 não terem submetido trabalhos ao Hydra.  Não sei se me qualifico nessa categoria, mas, no que me concerne, informo que não submeti meus contos porque o certame é patrocinado por Scott Card.  Reparem, não tenho nada contra o autor, sujeito afável e simpático que tive o prazer de conhecer em 1990, por ocasião de sua vinda ao Brasil como convidado de honra da InteriorCon I.  A questão é a pletora de ideias que ele defende e eu combato, desde o proselitismo religioso até a discriminação contra os direitos de minorias, sexuais e outras, para não falar no conservadorismo político extremo.  Seria hipocrisia de minha parte defender determinados ideais e, ao mesmo tempo, movido por interesses, digamos, ahn, literários, transigir a ponto de me alinhar com alguém que comunga de ideais tão contrários.  Não pretendo tecer juízo de valor sobre a conduta moral alheia, pois, cada um sabe onde seus calos apertam e, de mais a mais, é bem possível que essas questões de me incomodam não sejam em absoluto relevantes para os autores que submeteram seus trabalhos ou, quiçá, eles ignoram o perfil político do patrocinador, vá lá saber.  De todo modo, é possível que outros autores tenham pensado mais ou menos por essas mesmas linhas, daí, a relativa ausência de algumas submissões mais ou menos esperadas pelos organizadores.  Claro que isto não passa de uma teoria fosfórica da minha parte...

De volta à cerimônia, Tiago e Chris exibiram o certificado e em seguida convocaram Giulia Moon ao palco para receber o Hydra por seu divertido e inspiradíssimo “Eu, a Sogra”.  Como Flávio Medeiros não pôde comparecer, Ana Cristina Rodrigues recebeu o certificado em seu nome, pela noveleta de ficção alternativa “Por um Fio”, onde o autor antepõe o gênio de Jules Verne ao de H.G. Wells de uma forma inusitada e original.  Enfim, o vencedor tímido, Brontops Baruq, foi chamado para receber seu certificado pelo conto “História com Desenho e Diálogo”, originalmente publicada no Portal Fundação.

Considero o Concurso Hydra uma iniciativa valorosa para divulgar a literatura fantástica brasileira no exterior.  Daí, apesar das ressalvas expressas acima, torço para que o projeto frutifique em edições futuras, propiciando a disponibilização de mais e mais histórias brasileiras de ficção científica, horror e fantasia para o público internacional.

No intervalo que se seguiu à cerimônia de entrega de certificados do Hydra, conversei com Marcelo Galvão e agradeci a homenagem bem-humorada de batizar um planeta com meu nome na noveleta “Inferno de Dantè”.  Um mundo reputado em toda a esfera de influência humana por seus vinhos tintos notáveis...

Também conversei brevemente com Antonio Luiz M.C. da Costa, trajado de bermudas, e com Marcia Olivieri, algo nervosa por estar prestes a entrar no auditório para participar da mesa-redonda “Caminhos do Fantástico na Literatura Brasileira”.  Marcia estreou como romancista com o lançamento de seu juvenil, O Portal de Capricórnio.

A mesa-redonda supracitada foi moderada por Cláudio Brites.  Além de Marcia, participaram os autores André de Leones e Dynion Golau, ambos com experiência predominantemente mainstream (inclusive, com premiações) e incursões esporádicas na literatura fantástica.  Não sei se o efeito esteve o tempo todo nos planos de nosso mestre-organizador Sílvio Alexandre, ou se tudo não passou de uma coincidência feliz, mas o fato é que esta mesa-redonda constituiu um contraponto interessantíssimo ao bate-papo de ontem à tarde, “Alta Literatura vs. Literatura de Entretenimento”.  Pessoalmente, apreciei mais a mesa de hoje.  Os participantes me passaram a impressão de estarem mais soltos e mais interessados em transmitir suas experiências e motivações à plateia.  Sei lá.  De repente, foi só impressão...J

André de Leones, Marcia Olivieri, Dynion Golau e Cláudio Brites:
"Caminhos do Fantástico na Literatura Brasileira".
 

No intervalo seguinte, Camila Fernandes, autora do conto “A Melhor Trepada da Cidade”, que abre a antologia Erótica Fantástica 1, à semelhança do que já havia ocorrido com outros autores com quem encontrei nesta primeira semana da Fantasticon 2012 — Ana Cristina Rodrigues (“A Ilha dos Amores”); Felipe Castilho (o bem-humorado “Conto Pseudo-Erótico de Fantasia com Fantasias”) e Sid Castro (que fecha o livro com sua noveleta “Fêmea Humana”) — cobrou-me seu exemplar do dito livro.  Mais uma vez, humildemente, expliquei que não passo de um antologista inocente e que eventuais reclamações, cartas-bomba e ovos podres devem ser encaminhados ao nosso publisher, Erick Sama.

Não obstante seu título bombástico (literalmente), a última mesa-redonda desta primeira semana, “Mulheres & Fantasia: uma Combinação Explosiva” foi de longe a mais interessante e divertida de todas.  Rolou uma química muito positiva entre as quatro participantes, a fotógrafa Nathalie Gingold e as escritoras Camila Fernandes, Cristina Lasaitis e Carol Chiovatto.  O quarteto parecia jogar por música, numa sinergia de dar gosto, de repente, advinda do fato de serem amigas e mais ou menos compartilharem das mesmas opiniões sobre as falhas na abordagem de personagens femininas na narrativa fantástica.  A mesa centrou suas baterias energéticas contra a clicherização das personagens femininas na literatura e no cinema (mas não só).  Camila reclamou que as personagens femininas aparecem geralmente mais sexualizadas do que os masculinos.  Falou-se um bocado de personagens que eram sem graça ou até feias nos textos fantásticos, como a Hermione do universo ficcional Harry Potter, que se tornaram beldades quando transpostas para as telas.  Quando Cristina comentou que o termo adotado para robôs humanoides é “androide”, independentemente do gênero da inteligência artificial em questão, lembrei-me das ginoides da noveleta “A Mulher Imperfeita”, do Daniel Dutra, publicada na Erótica Fantástica 1.

Cristina Lasaitis, Nathalie Gingold, Camila Fernandes e Carol Chiovatto:
"Mulheres & Fantasia: uma Combinação Explosiva.
 
Quando a mesa pediu exemplos de robôs ou androides com caracteres sexuais masculinos que, sem constituírem meros objetos de prazer, estabelecem vínculos sexoafetivos com parceiras orgânicas, mencionei o mentor artificial da viajante do tempo no romance Millennium, do John Varley, mais tarde transformado em filme.  Lembro que no romance rolava uma relação S&M em que o androide assumia o papel dominante.  No filme não houve nada disso, talvez para não impedir o acesso do público infantojuvenil.

Já na fase das perguntas da plateia, meu amigo Silvio Alexandre me jogou na fogueira ao lembrar que havia um autor presente que escrevera durante mais de uma década (mentira, foram só nove anos) sob pseudônimo feminino, conquistando vários prêmios literários e, pior, partindo vários corações.  Acuado, aceitei o microfone e narrei minhas motivações para criar Carla Cristina Pereira, minha personagem mais verossímil, tão convincente que logrou persuadir boa parte do fandom de sua existência física durante quase uma década.  Ao longo desse tempo, ela amealhou mais prêmios literários do que eu, dentre esses, o Simetria 2000 com “Longa Viagem para Casa”, a premiação no concurso patrocinado pelo site Na Toca do Hobbit com “Estigma da Morte Anunciada” e, sobretudo, a classificação como finalista do Sidewise Awards 2000 pela versão em inglês de “Xochiquetzal e a Esquadra da Vingança”.  Aos interessados em mais detalhes, escrevi uma crônica metaliterária breve sobre a lucubração dessa autora, “Os anos em que fui Carla”, que pode ser baixado no endereço:
http://www.4shared.com/office/lax02Gsf/Os_anos_em_que_fui_Carla.htm

Encerrada a mesa-redonda, enquanto esperávamos alguns amigos para jantar num pezinho-sujo simpático das redondezas, conversei com o André Cordenonsi e o Duda Falcão sobre comédias francesas com temática homoerótica, indo desde O Closet (2001) até o clássico Meu Marido de Batom (1986).  Curiosamente, as duas comédias foram estreladas por Gérard Depardieu.  Ou, não tão curiosamente assim, considerando que o Obelix protagonizou boa parte dos filmes franceses de sucesso nas últimas décadas.

Um papo que rolou na caminhada da Viriato Correa até o tal pezinho-sujo, foi o da perspectiva (agora concreta, visto haver patrocinador) da realização de uma Fantasticon Rio 2013, a se dar em janeiro próximo em algum lugar do espaço sideral na Barra da Tijuca.  Espero que aconteça na segunda quinzena de janeiro para que eu possa participar.  O Sílvio Alexandre carioca oficial será a Ana Cristina Rodrigues.  Convenção de literatura fantástica na Cidade Maravilhosa, em pleno verão, é tudo de bom!

Tivemos nosso já tradicional jantar de encerramento (lembrando que semana que vem tem mais!) naquele mesmo pé-sujo de sempre.  Imagino que os funcionários do estabelecimento devem estranhar um bocado o assédio anual desse bando de gente esquisita, que só fala de livros e filmes de que eles nunca ouviram falar, mas que eleva significativamente a receita do mês de setembro durante o único fim de semana do ano em que aparece por lá.

Como o forte da casa são os espetinhos de carne, pedi um de costela suína e o outro de linguiça calabresa, regadas a coca-zero e capivodka de morango (fraquinha), pois, com Ana Cris ainda combalida, fiquei sem parceiro para dividir um Santa Helena Cabernet Sauvignon ausente do cardápio, mas presente numa prateleira próxima.


Pezinho-Sujo simpático - Tomada 1.


O bate-papo do jantar rolou animado, como é hábito nas confraternizações pós-Fantasticon.  Comparou-se a vida nas cidades grandes em relação às médias e pequenas.  Falamos de preferências quanto à pelagem corporal feminina e masculina, assunto trazido à baila pelo trabalho de Nathalie com nus naturais (i.e., não retocados) e pelo ensaio fotográfico da Erótica Fantástica 1, que tanto Ana Cris quanto Cristina Lasaitis consideraram de bom gosto.  Encerramos a noitada com outra grande tradição do nosso meio, a revelação de algumas fofocas escabrosas do fandom carioca e paulistano, com ênfase especial aos membros ausentes.

Pezinho-Sujo simpático - Tomada 2.
 
 
Quitamos a conta baratinha, despedimo-nos dos amigos, saímos do pé-sujo a pé e caminhamos, eu, Ana, Max e Andrea Alves rumo à estação de metrô de Vila Mariana.  Eu e Ana embarcamos ali em direção à estação Tietê, enquanto Max acompanhou Andrea até o ponto de ônibus, pois só regressaria para o Rio amanhã.

Na rodoviária, Ana embarcou num ônibus-leito da Viação 1001 que partiu às 23:30h com destino a Niterói, ao passo que eu parti às 23:59h num leito da Expresso do Sul rumo ao Rio de Janeiro.

Semana que vem tem mais.

Terminal Rodoviário Tietê, São Paulo, 16 de setembro de 2012 (domingo).

 

Postscriptum:

Dotado de propulsão relativística, esse ônibus-leito da Expresso do Sul estabeleceu um novo recorde, pois chegou à Rodoviária Novo Rio às 05:00h, mesmo considerando a parada de meia hora no meio da madrugada.  Dormi bem a viagem inteira.  Bem mal.

Participantes:
Amanda Reznor
Ana Cristina Rodrigues
Anderson Santos
André de Leones
Andre Zanki Cordenonsi
Andrea Alves
Antonio Luiz M.C. Costa
Camila Fernandes
Carlos Alberto Machado
Carol Chiovatto
Cesar Alcázar
Cesar R.T. Silva
Christopher Kastensmidt
Cláudio Brites
Cristina Lasaitis
Douglas MCT
Duda Falcão
Dynion Golau
Ednei Procópio
Eric Novello
Erick Sama
Estevão Ribeiro
Felipe Castilho
Finisia Fideli
Gerson Lodi-Ribeiro
Giampaollo Celli
Giseli Ramos
Giulia Moon
Gumercindo Rocha Dorea
Janaina Chervezan
José Roberto Vieira (Zero)
João Batista Melo
Kyanja Lee
Luiz Brás
Marcello Simão Branco
Marcelo Amaral
Marcelo Rodrigo Pereira (Mushi)
Márcia Olivieri
Martha Argel
Max Mallmann
Nathalie Gingold
Roberta Nunes
Roberto de Sousa Causo
Sergio Lins da Costa
Sid Castro
Sílvio Alexandre
Simone O. Marques
Tiago Castro