Argos 2014
no Planetário da Gávea
Planetário da Gávea.
201410182359P7 — 19.825 D.V.
Compareci neste sábado ao Planetário da Gávea para a cerimônia de
entrega do Argos 2014, premiação patrocinada pelo Clube de Leitores de Ficção
Científica (CLFC) para incentivar a produção de literatura fantástica
nacional. Em sua fase atual, o Argos possui
duas categorias: melhor romance e a melhor ficção curta, premiando os melhores
trabalhos do gênero escritos no ano anterior.
Além disso, também homenageia personalidades com papeis considerados
relevantes no panorama do fantástico brasileiro, agraciando-os com o Argos
Especial, uma espécie de reconhecimento pelo conjunto da obra.
Este ano a disputa estava acirrada nas duas categorias, com a Editora Draco
aparecendo com vários concorrentes em ambas.
O escritor de horror André Vianco recebeu merecidamente o Argos
Especial, pelo conjunto da obra.
* *
*
Vindo direto da aula de italiano sem passar em casa, saltei da carona
na esquina da Visconde de Albuquerque com a Padre Leonel Franca. Mal atravessei a avenida e encontrei o amigo Ricardo
França, que também rumava para o Planetário.
França contou que está se ambientando no clima do fandom nas décadas de 1980
e 1990 através da leitura das edições digitalizadas do fanzine Megalon.
Iniciativa louvável de seu antigo editor, Marcello Simão Branco, que vem
liberando aos poucos na rede (Bem que o CLFC podia fazer o mesmo com o Somnium, né?). Comentamos que a comunidade brasileira de FC
era muito menor naquela época e que quase todo mundo se conhecia pessoalmente
ou pela troca de correspondência, afinal, naqueles tempos pré-históricos não
havia internet e, muito menos, listas de discussão e redes sociais. Éramos então mais ingênuos e, segundo alguns
nostálgicos, mais felizes. O que não chega
a causar espanto, posto que os nostálgicos costumam situar a felicidade no
passado. De todo modo, tem sido
interessante reler os artigos, resenhas, contos, colunas, cartas e opiniões
publicados há coisa de vinte anos, numa época em que o fandom era mais jovem e
idealista. Como muitos jovens
idealistas, alguns de nós julgávamos que iriam mudar o mundo com nossos
escritos. Ah, a juventude... França, ao contrário, está lendo todo o conteúdo
do Megalon pela primeira vez. Com espírito de prospector arqueológico da FC
brasileira, vem descobrindo os fatos pretéritos que inspiraram as lendas,
desavenças e boatos atuais, bem como quem fazia e escrevia o que naqueles
tempos de antanho.
Chegamos ao Planetário às 13h30, meia hora antes do horário previsto
para a abertura dos portões. Após uma
tentativa frustrada de nos esgueirarmos para dentro pelo Teatro do Planetário,
contornamos a grade da instituição até nos depararmos com o portão principal fechado. Curiosamente, avistamos o autor gaúcho André
Z. Cordenonsi do lado de dentro das grades.
Ele nos explicou que, como chegou lá muito antes, despertou a piedade de
um vigia do Planetário, que acabou facultando seu ingresso. Ficamos batendo papo através do portão
fechado durante certo tempo, até que Clinton Davison, presidente do CLFC,
emergiu do prédio principal da instituição com o tal vigia a tiracolo e
autorizou nossa entrada, alegando ao funcionário que precisava do nosso auxílio
para preparar o Datashow para a cerimônia do Argos. Fizemos os quatro uma inspeção sumária à
Cúpula Carl Sagan, onde se daria a entrega dos prêmios. Porém, como lá não havia técnicos para nos
auxiliar e tampouco funcionários para acender a iluminação da cúpula, batemos
em retirada rumo a uma sala próxima, espaço que nos foi facultado por Brian
Moura, hierarca do Conselho Jedi do Rio de Janeiro. Mais ou menos por essa hora, chegou o
Christopher Kastensmidt, acompanhado pela esposa Fernanda e o filho, esse
último, devidamente caracterizado como Indiana Jones.
Chegada de Christopher Kastensmidt e Família.
Aliás, não foi o único, pois Clinton também se vestiu de Indiana Jones,
com chicote e tudo o mais. Aparentemente
deslocada num evento de Star Wars, a
fantasia foi uma maneira legal de homenagear Oswaldo Lopes Jr., fã e
colecionador, considerado um dos maiores especialistas brasileiros na saga
desse herói cinematográfico. Oswaldo
faleceu aos 49 anos, uma semana antes da cerimônia do Argos 2014.
Ricardo França, GL-R, Chris Kastensmidt, Clinton Davison, e A.Z. Cordenonsi.
Nosso herói em ação!
Antes da abertura dos portões da cúpula, apareceram Flávio Medeiros,
Alberto Oliveira e Clóvis Costa, um amigo gaúcho do Flávio atualmente radicado
no Rio. Na fila de entrada, avistamos ao
longe Eduardo Torres, Carlos Patati, Jorge Pereira e Octavio Aragão. Conversamos um bocado sobre nossas
experiências com a compra e leitura de e-books; novos autores de FC
estrangeiros; organização e participação nas antologias já lançadas e ainda por
sair; eventos futuros e outros assuntos correlatos.
Contei-lhes da minha leitura deliciosa do The Time Travel Megapack (Wildside Press, 2013), organizada por
John Gregory Betancourt, que inclui um punhado de contos clássicos com a
temática das viagens temporais, inclusive, “Project Mastodon”, do Clifford D.
Simak, publicado originalmente em 1951 e que eu sempre julguei que fosse o
trabalho do meu autor predileto havia sido mais tarde expandido em seu belo romance
Mastodonia (Ballantine-Del Rey, 1973). Ledo engano!
Tirando uma ou duas ideias básicas, conto e romance têm muito pouco a
ver um com o outro. Aliás, o Simak tinha
esse hábito de revisitar e reexplorar temas que ele havia abordado en passant duas ou mais décadas
antes. Coisa parecida com o que H.G.
Wells fez ao se valer do conto “The Chronic Argonauts” (1888) como fonte de
inspiração para seu romance mais famoso, A
Máquina do Tempo (1895).[1] De todo modo, finalmente preenchi essa grave
lacuna em meu currículo que era não conhecer “Project Mastodon”.
* *
*
A Cúpula Carl Sagan dispõe de 250 poltronas e estava quase toda ocupada. A maioria dos presentes era constituída por
fãs de Star Wars, uma vez que a
cerimônia de entrega do Argos foi inserida numa tarde dedicada àquele universo
ficcional. Para quem ainda não conhece,
a cúpula é moderna e confortável, suas poltronas anatômicas são dispostas como
as filas de assentos de um anfiteatro grego, de modo que é quase impossível ao
espectador ter sua visão do palco prejudicada pela pessoa sentada à sua
frente. Os nomes dos trabalhos e autores
concorrentes deveriam ter sido projetados na própria cúpula desse espaço. Contudo, infelizmente, o técnico responsável
não compareceu e os mestres de cerimônia de cada categoria foram obrigados a
ler os títulos e autores a partir do notebook do Clinton.
Plateia 1: Carlos Patati e Jorge Pereira.
Plateia 2: Eduardo Torres, Clóvis Costa e Flávio Medeiros.
Plateia 3: Ricardo Herdy, França e A.Z. Cordenonsi.
Argos 2014: Minutos finais do suspense...
Mr. President Bill Clinton Davison.
Após um introito breve, Brian Moura passou a palavra para o Presidente
Clinton. Porém, como esse ainda estava
atarantado em fazer o Datashow funcionar, Brian e outro hierarca do Conselho Jedi
Rio entretiveram a plateia durante alguns minutos com notícias e novidades
sobre o universo ficcional que ambos cultuam.
Quando plateia e organizadores se convenceram de que o Datashow não
iria mesmo funcionar, a cerimônia pôde enfim começar. Clinton convidou o autor texano-gaúcho
Christopher Kastensmidt para entregar o Argos Especial a André Vianco.
Christopher fez um belo trabalho ao apresentar uma breve visão
panorâmica da carreira bem-sucedida do Vianco.
Em seu discurso de agradecimento, o homenageado falou um pouco sobre o
dia a dia do escritor de literatura fantástica, destacando não só o prazer de
criar universos, mas também as dificuldades das nossas labutas diárias e as
atividades sociais das quais somos obrigados a abrir mão.
Christopher entrega o Argos Especial a André Vianco.
Em seguida, Clinton me convocou ao palco improvisado para entregar o
Argos 2014 na categoria Melhor Ficção Curta.
Fiquei surpreso e emocionado com as palavras gentis do Mr. President ao
me apresentar à plateia. Sem ter
preparado nada para falar, tergiversei algumas palavras sobre a importância da
ficção curta na evolução do gênero de literatura fantástica em geral e da
ficção científica em particular. Em
seguida, li a relação de concorrentes[2]
e abri o envelope para anunciar o vencedor: “Viragem”, de Octavio Aragão,
publicado na antologia Caçadores de
Bruxas (Buriti, 2013). Octavio
pareceu algo surpreso e bastante emocionado.
Mais tarde declarou que não se julgava favorito nesta categoria, em
virtude da qualidade dos trabalhos concorrentes.
Octavio Aragão, GL-R e o Argos 2014.
Finalmente, Clinton convocou André Vianco para entregar o Argos 2014
para o vencedor da categoria melhor romance.
Vianco leu a relação na tela do notebook[3]
e anunciou o vencedor: Filhos do Fim do
Mundo, de Fábio M. Barreto, publicado pela editora Fantasy. Assim, voltei ao palco, pois o amigo Fábio
havia me encarregado na antevéspera de representá-lo na premiação. Agradeci os votos dos eleitores do Argos em
nome do autor galardoado (sempre quis usar esta expressão!) e falei da
importância de Fábio M(adrigal) Barreto para o fantástico nacional, não só como
autor, mas como editor e articulador. Fábio
foi o criador do Prêmio Nautilus na década de 1990 e o editor do selo Unicórnio
Azul em 2006, pelo qual lancei a coletânea de história alternativa Outros Brasis (Mercuryo), meu primeiro
livro publicado no Brasil.
André Vianco entrega o Argos 2014 Melhor Romance.
Filhos do Fim do Mundo - Prêmio Argos 2014
Categoria Melhor Romance.
Categoria Melhor Romance.
Encerrada a cerimônia do Argos 2014, concentramo-nos no portão
principal do Planetário e dali seguimos a pé até a Praça Santos Dumont, onde
ocupamos uma mesa no Bar do Hipódromo, uma galeteria bastante razoável da
região que, além da climatização adequada, jamais se encontra tão lotada quanto
o badalado Braseiro da Gávea, outra galeteria defronte à primeira. Numa mesa comprida e bem abastecida por tulipas
de chopes e latas de refrigerantes, degustamos linguiças, galetos, provolone à
milanesa e risotos, e nos refestelamos nas fofocas mais recentes e cabeludas do
fandom de literatura fantástica nacional; além de comentarmos sobre as
expectativas e surpresas nas indicações e premiações do Argos deste ano; os
cronistas romanos cujos textos digitais estão disponíveis em domínio público; as
condutas marqueteiras e/ou divertidas das celebridades e subcelebridades do
cenário literário brasileiro e internacional; os banhos frequentes dos
brasileiros em viagem ao exterior; os casos médicos escabrosos (quase todos de
caráter proctológico) assistidos pelo Doutor Medeiros no Pronto-Socorro de BH;
e outros bichos mais.
Radiante, Octavio exibia o Argos 2014 dele para os amigos, enquanto eu
mantinha o prêmio do Fábio Barreto profundamente malocado em minha bolsa, para
evitar que algum aventureiro lançasse mão...
Bar do Hipódromo 1: Luiz Felipe Vasques, Octavio, Argos 2014 e Patati,
Descobri finalmente que a Lila Montezuma, namorida do Osmarco Valladão, não é afinal parente do célebre Professor
Montezuma, grande mestre e figura legendária que proferiu aulas de história e
geografia inesquecíveis no Colégio Marista São José (dentre outros
estabelecimentos de ensino cariocas) lá pelos idos dos anos 70 do século
passado.
Aproveitei a oportunidade para agradecer mais uma vez ao amigo Patati
pelo convite para participar de uma mesa-redonda sobre ficção científica no
Colégio EDEM no início deste mês na companhia do próprio Patati, de Bráulio
Tavares e de dois pesquisadores da FIOCRUZ que empregam a ficção científica
para estimular o interesse dos jovens pela ciência.
Também se falou sobre a possibilidade de se criar aqui no Brasil uma
organização mais ou menos nos moldes da Science
Fiction & Fantasy Writers of América (SFWA). Nada pelo qual não tenhamos ansiado antes e
sobre o qual não tenhamos debatido antes.
Em resumo: curti quatro horas de papos deliciosos e diversão excelente em
companhia de alguns dos meus melhores amigos.
Dos presentes à cerimônia do Argos, apenas Eduardo Torres e André Vianco
não puderam esticar na Hipódromo. Uma
pena!
Bar do Hipódromo 2: França, Cordenonsi, Alberto Oliveira, Flávio Medeiros.
Bar do Hipódromo 3: Osmarco Valladão, Felipe e Octavio.
Bar do Hipódromo 4: nossa mesa.
Saindo da Praça Santos Dumont, eu e Flávio Medeiros seguimos a pé até
minha casa, onde buscamos a Cláudia para irmos ao show do Roger Hodgson do
Supertramp no Vivo Rio. Mesmo cansados,
não pensamos duas vezes ao aceitar o convite do Clóvis Costa e do Flávio Medeiros. Afinal, era para assistir o show num camarote
maravilhoso (que no Vivo Rio é chamado “suíte”), com uma consumação de R$
180,00 já incluída nos convites. Em
função da exaustão dos últimos dias, pensei muito mesmo antes de aceitar o
convite: um centésimo de segundo inteirinho!
Programa sensacional em noite absolutamente memorável: O ex-vocalista e
compositor do Supertramp apresentou várias músicas do repertório de sua antiga
banda e alguns de seus sucessos solo relativamente mais recentes. Como bom dinossauro que se preza, gostei mais
das antiguinhas. Bom, mas como ninguém é
de ferro, fomos obrigados a acompanhar o espetáculo degustando algumas taças de
um Catena Zapata Cabernet Sauvignon complexo e maravilhoso. Vida dura, eu sei! Mas, alguém tinha que encarar essa parada...J
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 18 de outubro de 2014 (sábado).
Participantes:
Alberto
Oliveira
André Vianco
André Z.
Cordenonsi
Carlos
Eugênio Patati
Christopher
Kastensmidt
Clinton
Davison
Clóvis Costa
Eduardo
Torres
Fernanda
Kastensmidt
Flávio
Medeiros
Gerson
Lodi-Ribeiro
Jorge
Pereira
Lila
Montezuma
Luiz Felipe
Vasques
Octavio
Aragão
Osmarco
Valladão
Ricardo
França
Ricardo
Herdy
[1]. A propósito, esse conto seminal do H.G. Wells
se encontra em domínio público e, portanto, disponível para download gratuito.
[2]. Concorrentes
Melhor Ficção Curta:
“A Copa dos Mitos” (Christopher
Kastensmidt), Brasil Fantástico
(Draco);
“A Sacola da Escolha” (Maria Helena
Bandeira), Brasil Fantástico (Draco);
“Lenda Urbana” (André Z. Cordenonsi), Somnium, clfc.com.br;
“Momento decisivo” (Luiz Felipe Vasques
& Daniel Bezerra), Excalibur
(Draco);
“Soylent Green Is
People!” (Carlos Orsi), Solarpunk (Draco); e
“Viragem” (Octávio Aragão), Caçadores de Bruxas (Buriti).
Filhos do Éden: Anjos da
Morte, de Eduardo Spohr (Verus);
Filhos do Fim do Mundo, de Fábio M. Barreto (Fantasy);
Glória Sombria, Roberto de Sousa Causo (Devir);
Homens e Monstros – A Guerra
Fria Vitoriana, de Flávio Medeiros Jr.
(Draco);
O Espadachim de Carvão, de Affonso Solano (Casa da Palavra);
O Homem Fragmentado, de Tibor Moritz (Terracota); e
Reis de Todos os Mundos
Possíveis, de Octavio Aragão (Draco).
Com certeza uma dia fantástico com o melhor da FC Brasileira. Parabéns aos premiados e Clinton, como sempre, uma figura!!!
ResponderExcluirParabéns pela tarde de autógrafos e pelos muitos livros escritos! Confesso que não voltei ao stand pelo calor senegalês que fez aquele dia e pelo céu escuro que prometia boa chuva.
ResponderExcluir