O Rubicão do Romance Fix-up DE História Alternativa
Recebi ontem os primeiros exemplares de
meu romance fix-up de história
alternativa Aventuras do Vampiro de
Palmares (Draco, 2014), ambientado no universo ficcional dos Três Brasis. A publicação desse trabalho em particular me
deixou extremamente feliz, pelo fato de concretizar o sonho de quase vinte anos
de publicar sob a forma de romance a saga de meu personagem Dentes Compridos,
fundindo suas várias aventuras numa obra que fizesse sentido. Com essa publicação, sinto como se houvesse
finalmente cruzado uma espécie de Rubicão em minha carreira literária.
Porém, como diria Jack o Estripador, que
também tem algo a ver com essa história, “Vamos por partes”.
Meu périplo pessoal em termos de narrativas
extensas dentro desse universo ficcional começou no fim de 1995, época em que
concluí minha primeira tentativa de produzir um fix-up, um romance de 67 mil palavras, constituído por versões bem
anteriores as atuais das noveletas “Crepúsculo Matutino”; “O Vampiro de Nova
Holanda”; e “A Traição de Palmares”. Por
volta de 1997, sob o título de Filhos da
Noite, esse romance teve sua publicação aprovada na Coleção Visões, então recém-lançada
pela editora da Universidade de São Carlos.
Ótimo! Não poderia ser melhor:
teria meu primeiro livro solo publicado por uma editora séria e esse livro
seria um romance.[1]
Capa do romance fix-up Filhos da Noite.
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Estaria mentindo descaradamente se
afirmasse que o malogro da iniciativa da Universidade de São Carlos não me
desanimou um bocado. Afinal, teria
representado a publicação do meu primeiro romance profissional, já que até
então eu só havia publicado três trabalhos na revista francesa de ficção
científica Antàres[2]
e duas noveletas na versão brasileira da Asimov’s.[3]
Desanimei, mas não desisti. Porque, dois anos mais tarde, quando precisei
escrever uma noveleta de história alternativa para a antologia Phantastica Brasiliana (Ano-Luz, 2000),
que organizei com Carlos Orsi Martinho, não hesitei em escrever a noveleta
“Capitão Diabo das Geraes”, recorrendo uma vez mais ao bom e velho Dentes
Compridos, agora mais conhecido pela alcunha de “Capitão Diabo”, para perturbar
a mando de Palmares as partidas de diamantes do Distrito Defeso do Arraial do
Tijuco dos tempos de Chica da Silva e do Real Contratador João Fernandes de
Oliveira.[4]
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Na esteira de “Capitão Diabo das
Geraes”, escrevi três outros trabalhos, novas aventuras do último
filho-da-noite: “Morcego do Mar”; “Consciência de Ébano”[5];
e “Azul Cobalto e o Enigma”[6]. Juntos, esses quatro trabalhos constituem um
subtexto à parte dentro do U.F. Três
Brasis, um quarteto que batizei Saga
do Salteador, conforme detalhado na crônica homônima.
Contudo, bem antes desse quarteto, lá
por idos de 1994, escrevi a noveleta “Assessor para Assuntos Fúnebres”, uma
aventura de Dentes Compridos na Londres vitoriana, ocasião em que o
protagonista trava contato com um Jack o Estripador reinterpretado à luz da
ficção científica e da história alternativa.
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Quando surgiu a oportunidade de publicar
pela Editora Draco meu romance de história alternativa e vampirismo científico
contando as aventuras de Dentes Compridos, aquele fix-up original, velho de uma década e meia, já não parecia adequado. A expectativa de concretizar o sonho antigo,
frustrado pelo malogro da coleção universitária de literatura fantástica,
soou-me em 2012 como uma nova chance de atravessar esse Rubicão literário
pessoal.
O primeiro passo foi excluir a novela “A
Traição de Palmares”[7].
Porque, afinal de contas, meu
protagonista favorito não dava as caras naquela narrativa. Era tão somente referido de forma indireta.
O segundo passo foi incluir três outros
trabalhos: a noveleta “Capitão Diabo das Geraes”; a novela inédita “Morcego do
Mar”; e a noveleta “Assessor para Assuntos Fúnebres”.
Por último, cumpria reescrever o novo fix-up para lhe conceder sentido e
consistência.
No que diz respeito às histórias de
publicação profissional, os cinco trabalhos que constituem esse novo romance fix-up, tanto “Crepúsculo Matutino”
quanto “Morcego do Mar” são inteiramente inéditas. Já “Capitão Diabo das Geraes” só foi
publicada na Phantastica Brasiliana,
há quase quinze anos e numa edição de meros quinhentos exemplares. Por outro lado, “O Vampiro de Nova Holanda” e
“Assessor para Assuntos Fúnebres” foram publicados diversas vezes, no Brasil e
em Portugal. No âmbito lusófono,
“Assessor...” apareceu inicialmente em minha primeira coletânea de ficção curta
publicada em Portugal, Outras
Histórias... (Editorial Caminho, 1997) e “O Vampiro de Nova Holanda” na
coletânea homônima, publicada pela mesma editora no ano seguinte. Tempos mais tarde, essas duas narrativas
fariam seu debut em nosso país em grande estilo, quando da publicação da minha
coletânea de história alternativa Outros
Brasis (Mercuryo, 2006).
Capa do romance fix-up Aventuras do Vampiro de Palmares.
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Escrita em setembro de 1995 e reescrita
pelo menos duas vezes desde então, com 18.000 palavras em sua versão atual, a
novela “Crepúsculo Matutino” fala da gênese e dos mitos de Criação do Povo
Verdadeiro, também conhecidos como filhos-da-noite, humanoides que evoluíram
como nossos predadores. Mostra o apogeu
e a queda dessa cultura não humana na América do Sul pré-colombiana, a guerra
secreta que travaram contra o Império Inca e a fuga em marcha lenta do jovem
filho-da-noite Dentes Compridos Brasil Colonial adentro, até trombar, dois
séculos mais tarde, com a República de Palmares, então já sob forte influência
cultural de Nova Holanda. Dentre os
trabalhos incluídos no Aventuras do Vampiro
de Palmares, “Crepúsculo Matutino” é o único que não possui o caráter de
história alternativa, mas antes o de história oculta, isto é, a história não
acontece exatamente como aprendemos na escola, embora ninguém a não ser o
leitor saiba disso.
Escrita em abril de 1994, com 20.400
palavras em sua versão atual, a novela “O Vampiro de Nova Holanda” foi
reescrita três ou quatro vezes, em geral por conta de uma nova publicação. É a narrativa dos primeiros anos de Dentes
Compridos como agente secreto da Confederação de Palmares. A ação se desenrola por volta de 1675, época
em que ele atua no Recife — cidade que, nessa linha histórica alternativa,
permaneceu sob o domínio holandês e se tornou não só uma grande metrópole, mas
também o maior porto açucareiro do mundo.
Escrita em maio de 1999, com 12.300
palavras, “Capitão Diabo das Geraes” é a primeira estrofe do quarteto de
narrativas sobre as quais discorri na crônica “A Saga do Salteador”. A narrativa se passa em 1754, três décadas
após a proclamação da república em Palmares.
Uma época em que a Coroa Portuguesa intervém de forma velada na guerra
civil palmarina entre facções iorubas católicas e pagãs, um conflito de baixa
intensidade que grassa na província republicana da Bahia do Norte. Em represália, a Primeira República envia um
comando de elite encabeçado por Dentes Compridos para, disfarçados de
salteadores, atrapalhar o fluxo de diamantes no Arraial do Tijuco, pois era o
Contratador João Fernandes que financiava o apoio aos iorubas pagãos em nome da
Coroa.
Escrita em abril de 2003, com 25.200
palavras, a novela “O Morcego do Mar” constitui a narrativa mais longa escrita
neste universo ficcional. A ação se
passa em 1775, época em que a Primeira República presta apoio aos rebeldes das
Treze Colônias em sua luta pela independência.
A história reúne outra vez os personagens João Fernandes e Anduro,
criados em “Capitão Diabo das Geraes” e que agora atuam como diplomatas de
Palmares junto aos rebeldes. Dentes
Compridos ressurge sob a identidade de José Meia-Noite, comandante da fragata
palmarina que empresta seu nome à novela, vaso que engajará contra a frota da Royal Navy que conduz os reforços
necessários para debelar a rebelião.
Escrita em agosto de 1994 e reescrita
diversas vezes desde então, com 12.300 palavras em sua versão atual, a noveleta
“Assessor para Assuntos Fúnebres” se passa durante um período de férias de
Dentes Compridos na Londres vitoriana na penúltima década do século XIX, época
em que o último filho-da-noite se envolve com as atividades literárias de Bram
Stoker, autor de Drácula, e com a
série de crimes perpetrada por Jack o Estripador.
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A publicação do Aventuras do Vampiro de Palmares reúne enfim a maioria das
narrativas de Dentes Compridos num único volume. Foram deixadas propositalmente de fora as
duas narrativas mais recentes do personagem, a noveleta “Consciência de Ébano”
(2006) e a novela “Azul Cobalto e o Enigma” (2012), publicadas em volumes
distintos da triantologia punk que organizei para a Draco entre 2010 e 2012.
Há ainda as narrativas ambientadas no
U.F. Três Brasis em que Dentes
Compridos não aparece, como, por exemplo, “A Traição de Palmares” (1994);
“Pátrias de Chuteiras” (1998); “Gigante dos Pés de Barro” (2000); e “O Caminho
da Verdade” (2002). Ambientada no norte
do Peru, cerca de nove séculos antes da chegada dos europeus, essa última
noveleta fala das peripécias de filhos-da-noite que viveram quase um milênio
antes do protagonista do romance fix-up.
Além das cinco narrativas descritas
acima, essa primeira edição bem-acabada do Aventuras
do Vampiro de Palmares contém dois apêndices: “Argumento Ficcional” e
“História que Não Aprendemos na Escola”.
O primeiro apêndice delineia o universo ficcional em termos de história
alternativa, vampirismo científico e história oculta. O segundo detalha a linha histórica
alternativa do Três Brasis, desde
600 a.d. até 1986.
Cada comemoração tem o seu momento, suas
particularidades e sua personalidade própria.
Gosto de beber bons vinhos, porém, um vinho realmente bom não pode (ou,
pelo menos, minha situação financeira não permite) ser bebido todos os
dias. Portanto, para comemorar o
lançamento do Aventuras do Vampiro de
Palmares, após a odisseia de quase duas décadas que lhes narrei acima, uma
vez cruzado o Rubicão, nada melhor do que brindar a façanha com um tinto
californiano de escol que tem tudo a ver: Rubicon 2004, produzido pela
Rutherford, Napa Valley. Um corte
bordalês você pode assumir tranquilamente como varietal: Cabernet Sauvignon
(96%); Petit Verdot (2%); Merlot (1%); e Cabernet Franc (1%). Resumo da ópera? O melhor californiano que já provei,
superando até mesmo o mítico Artemis 2004, da Stag’s Leap, a vinícola que
derrotou os melhores tintos de Bordeaux duas vezes seguidas no Julgamento de
Paris, numa degustação às cegas com juízes franceses. Desta forma, meu primeiro romance fix-up teve a comemoração que merecia!
Gerson Lodi-Ribeiro
Abril de 2014.
[1].
Filhos da Noite seria o
segundo volume da Visões, que estreou com a coletânea de André Carneiro, A Máquina de Hyerônimus (Editora da
UFSCar, 1997). Infelizmente, a coleção
foi descontinuada após a publicação desse primeiro título.
[2].
“Xenopsicólogos na Fase Crítica” (Antarès
35, 1989); “Quando os Humanos Foram Embora” (Antarès 37-38, 1991); e “A Ética da Traição” (Antarès 41-42, 1992).
[3].
“Alienígenas Mitológicos” (Isaac
Asimov Magazine # 15, julho 1991) e “A Ética da Traição” (Isaac Asimov Magazine # 25, janeiro de
1993).
[4].
Aos interessados em saber mais sobre a gênese desta noveleta e sua
relação com a música “The Highwayman”, de Jimmy Webb, sugiro a leitura de minha
crônica “A Saga do Salteador”: http://www.alternative-highwayman.blogspot.com.br/.
[5].
A noveleta “Consciência de Ébano” foi publicada na antologia de história
alternativa Vaporpunk (Draco, 2010).
[6].
A novela “Azul Cobalto e o Enigma” foi publicada na antologia de
história alternativa Solarpunk
(Draco, 2012).
[7].
Essa novela foi publicada pela Editora Writers em 2000 numa das
primeiras encarnações brasileiras do sistemas de impressão por demanda.
Caramba, Gerson, crônica mais detalhada impossível! Gostei de ler sobre suas peripécias, pena que não pude estar lá até o fim - mas ano que vem me organizarei melhor!
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