Live
sobre
História
Alternativa
no Fantasticursos
202104282359P4 — 22.209 D.V.
“Foi a internet
sincronizando com a ucronia.”
[Romeu
Martins, sobre as instabilidades no sinal da live]
“A proposta aqui é avançar com as hostes
dos cenários de história alternativa, incendiando as pontes que nos conduzem ao
continente vastíssimo da literatura fantástica e abandonando os ensaios de
história contrafactual e, portanto, o pedigree
milenar do subgênero, na outra margem.”
[extraído da introdução
de Cenários de História Alternativa]
Participei ainda
há pouco de uma live no canal de YouTube do Fantasticursos, sob os auspícios
do amigo Alexander Meireles da Silva. Gato
escaldado, antes da conexão inicial, na qual eu e o anfitrião combinamos a dinâmica
do evento, paralisei o pêndulo do relógio da biblioteca e silenciei o celular. Em meio à live desabou uma chuva forte
nesta noite de outono carioca. Quase ao
fim dos mais de cento e quarenta minutos de participação, meu micro congelou,
embora o sinal de WiFi daqui de casa tenha permanecido estável durante o
temporal. Suspeito que a pane tenha ocorrido
porque tentei fazer funcionar o StreamYard e participar do chat pelo YouTube ao
mesmo tempo por mais de duas horas. Da próxima
vez, no intento de não sobrecarregar a CPU combalida do micro, seguirei os
conselhos da Cláudia e acessarei o chat via tablet ou celular.
Alexander denominou
a live “Vamos Escrever História Alternativa?”[1]. A mesma se encontra disponível no YouTube (266
visualizações na manhã seguinte à noite da transmissão):
https://www.youtube.com/watch?v=AcKtaqQ26Xo
* *
*
Estabelecemos
a conexão através do aplicativo StreamYard às 19h45 e iniciamos a live
no YouTube pontualmente às 20h00. A dinâmica
inicial combinada foi abrir o evento para perguntas sobre o subgênero da história
alternativa logo após a contagem regressiva, as saudações e apresentações iniciais
de praxe e os anúncios do canal, dentre os quais se destacou a campanha pela
Catarse da antologia Livro da Ficção Científica Brasileira (Madrepérola,
2021) que, reunindo quase quarenta contos, é prefaciada por Luiz Felipe Vasques
e posfaciada por mim.[2]
Assim que Alexander
me passou a palavra, esclareci em minha apresentação inicial que, ao responder
algumas das perguntas da plateia, desfrutaria da doce complacência do autoplágio,
citando trechos do meu trabalho não ficcional, Cenários de História Alternativa
(Amazon, 2019).
A primeira
pergunta foi apresentada pelo próprio Alexander: “o que é História Alternativa?” Respondi citando o preâmbulo da introdução do
livro supramencionado, que define a história alternativa como o subgênero da ficção
científica baseado em extrapolação histórica, que procura mostrar ao leitor o que
aconteceria se determinado evento crucial houvesse acontecido de maneira
diversa. Enfatizei que essa conceituação
exclui automaticamente todos os trabalhos da vertente não ficcional da H.A.,
tanto os ensaios de história contrafactual como os trabalhos de alo-história.
Em seguida, Alexander
indagou sobre os temas mais importantes da jovem tradição da História Alternativa
Brasileira. A indagação me levou a falar
um pouco sobre as preferências nacionais norte-americana (Guerras de Secessão
Alternativas); francesa (Napoleão conquista a Europa); e britânicas (Inglaterras
Católicas), bem como sobre os temas de relevância mundial, como as Vitórias
Nazistas e os Estados Romanos Mundiais. Daí,
adentrando no mundo lusófono, pincelei rapidamente sobre os Impérios do Brasil
Alternativos e as Sobrevivências da Monarquia Lusitana.
O velho amigo
Sílvio Alexandre foi o primeiro da plateia a disparar uma pergunta: “Histórias futurísticas
são histórias alternativas?” Argumentei
que poderiam ser, sim, em dois casos. Após
apresentar uma taxonomia brevíssima do gênero, classificando as narrativas
entre passados alternativos; presentes alternativos; e futuros alternativos,
advoguei que, além dos futuros alternativos propriamente ditos, há também os presentes
alternativos que parecem hipertecnológicos, quando as descobertas científicas e
as inovações tecnológicas eclodem de forma precoce, quando comparadas com o ocorrido
em nossa linha histórica (NLH).
Quando Romeu Martins
indagou “Afinal, História Alternativa é FC ou não?” Repliquei que, ao menos em sua vertente ficcional,
a H.A. é um subgênero da FC.
Em seguida, José
Peu, responsável pelo canal Te Conto Ficção Científica, perguntou “Quais as
primeiras H.A. escritas no Brasil e em Portugal?”. Revelei que o fantasista José J. Veiga foi o
primeiro lusófono a elaborar uma narrativa de H.A., no romance A Casca da
Serpente (Bertrand Brasil, 1989)[3],
cujo ponto de divergência consistiu na sobrevivência de Antônio Conselheiro após
a destruição de Canudos. Daí, confessei
que, no âmbito da ficção científica lusófona, minha noveleta “A Ética da Traição”,
publicada na edição 25 da Isaac Asimov Magazine em janeiro de 1993, foi
o trabalho precursor do subgênero. Também
informei que as primeiras narrativas portuguesas de história alternativa datam da
primeira década do século XXI. Não hesitei
em elogiar as novelas de história alternativa portuguesas “Unidade em Chamas”[4],
de Jorge Candeias, e “In Falsetto”[5],
de Luís Filipe Silva.
Meu amigo e
companheiro de lidas & lutas, Luiz Felipe Vasques perguntou por que a
mudança no gênero de uma figura histórica é considerada uma espécie de trapaça pelos
estudiosos mais puristas do subgênero. Respondi
que tal se devia à questão do estabelecimento do ponto de divergência. Em vez de imaginar que uma Napoleona
Bonaparte é mais simples advogar uma linha histórica alternativa (LHA) em que não
existe um Napoleão Bonaparte. Mais tarde,
Lu Evans voltaria à questão, concedendo-me a possibilidade de explicar melhor
esse tópico.
Eduardo Peret
apresentou a pergunta que não podia faltar: “Podemos considerar Steampunk,
Dieselpunk e subgêneros afins como História Alternativa?” Antes que eu respondesse, Alexander abriu um parênteses
para falar sobre as três antologias punk que organizei para a Draco: Vaporpunk:
Relatos steampunk publicados sob as ordens de Suas Majestades (2010); Dieselpunk:
Arquivos confidenciais de uma bela época (2011); e Solarpunk: Histórias ecológicas
fantásticas num mundo sustentável (2012).
Agradecido, retomei a pergunta do Peret, argumentando que, purismos à
parte, embora cenários steampunk e similares muitas vezes não ofereçam um ponto
de divergência explícito ou implícito e que, portanto, talvez não possam ser encaradas
como narrativas de história alternativa stricto sensu, pelo fato de advogarem
a eclosão precoce de descobertas científicas e/ou avanços tecnológicos capazes
de impactar a sociedade, esses cenários são considerados H.A. lato sensu
por muitos estudiosos do gênero, dentre os quais eu me incluo.
No embalo
dessa questão do Peret, Alexander me indagou sobre a contraposição das
narrativas de H.A. que se desenrolam próximas ao ponto de divergência e
daquelas que se passam muito afastadas do PoD. A indagação me fez rememorar a taxonomia do subgênero
no que tange a distância entre a narrativa e o ponto de divergência. Daí, além de citar novamente os conceitos de
passado alternativo e presente alternativo, introduzi o conceito de enredos de
evento alternativo, nos quais toda a narrativa gira em torno do ponto de divergência
em si e da gênese da LHA, exemplificando com o romance magnífico de Harry
Turtledove, The Guns of the South[6],
uma Guerra de Secessão Alternativa em que cronoterroristas racistas da África do
Sul do início do século XXI municiam as forças confederadas do Exército do Norte
da Virgínia com fuzis-metralhadora Kalashnikov AK-47.
Sob o perfil
Nerd Wars, meu amigo Flávio Medeiros Jr. perguntou se os enredos de viagens
temporais poderiam ser enquadrados como narrativas de história alternativa. Respondi que sim, desde que as estrepolias, acidentais
ou propositais, dos viajantes retrotemporais gerassem linhas históricas alternativas. Aproveitando o ensejo, citei a subtemática
das patrulhas temporais alternativas, nas quais operativos temporais da LHA se
empenham em impedir o descarrilhamento da história como eles a conhecem e,
eventualmente, a transformação da mesma na velha e boa NLH. Enfatizei que o conceito clássico de patrulha
temporal para salvaguardar a história como nós a conhecemos, à lá Poul Anderson
é o justo oposto dessa subtemática.
Danny Marks foi
no mesmo sentido, ao indagar se uma história alternativa poderia surgir a
partir de um evento de viagem temporal ou se viagens no tempo e H.A. deviam ser
encaradas como subgêneros diferentes. Esclareci
que viagens retrotemporais poderiam, sim, gerar LHA e, portanto, estimular a criação
de narrativas de história alternativa.
Guilherme Sibilante
propôs a questão seguinte pertinente: “E se o Brasil não existisse?” Repliquei que há diversos enredos dentro
dessa proposta e citei o mais famoso deles, o romance de história natural
alternativa Two Hawks from Earth[7],
do Philip José Farmer, cujo ponto de divergência consiste na inexistência das Américas. Cogitei citar a noveleta instigante, original
e bem escrita “Xibalba Sonha com o Oeste”, do André Soares Silva, que tive a
felicidade de publicar em Solarpunk: Histórias Ecológicas Fantásticas num
Mundo Sustentável (Draco, 2012), mas acabei perdendo o timing para
abordar essa narrativa.
Sob seu
perfil Café Neutrino, meu amigo gaúcho Gilson Cunha mencionou a hipótese de um
ponto de divergência em que Napoleão Bonaparte houvesse morrido antes de
influir decisivamente na história europeia do século XIX e, portanto, tornar-se
a figura histórica que nós conhecemos.
Luiz Felipe Vasques
rememorou a noveleta clássica de Estado Romano Mundial “Esperando os Olimpianos”,
de Frederik Pohl, publicada em português no número 3 da Isaac Asimov Magazine,
com uma tradução brilhante de Fábio Fernandes.[8]
Jão Nunes
indagou se podíamos considerar a série Dark como história alternativa. Argumentei que talvez pudéssemos enquadrá-la dentro
da subtemática das Microalternativas. Aproveitei
para me confessar algo decepcionado com essa série alemã, cuja primeira
temporada tanto apreciamos aqui em casa.
* * *
Com cerca de
cinquenta e dois minutos de live, Alexander me pediu que comentasse um
pouco sobre os clichês da história alternativa.
No quesito temas surrados, comentei que, se o autor desejar escrever uma
Segunda Guerra Mundial Alternativa, cumpre driblar as mesmices desse clichê, adotando
um enfoque ou abordagem minimamente original.
Falei um pouquinho de plausibilidade, verossimilhança e do pacto de suspensão
da incredulidade. Abordei a síndrome da
mudança radical na personalidade da figura histórica para justificar o ponto de
divergência e citei o exemplo de Antônio Conselheiro no romance curto A
Casca da Serpente, de José J. Veiga.
Também exemplifiquei sobre a improbabilidade da existência de figuras da
NLH num trecho da LHA muito distante após a ocorrência ao ponto de divergência. Para provar que até os fortes vacilam na tentação
de empregar reflexos de figuras históricas reais em suas linhas alternativas,
citei o exemplo do vendedor de carros inescrupuloso Richard Milhous Nixon no
romance The Two Georges (1995), escrito a quatro mãos por Harry Turtledove
& o ator Richard Dreyfuss. Nesse ponto,
esclareci quanto à possibilidade de soluções técnicas para essa questão do
personagem alternativo que é reflexo de uma figura real da NLH.
Sílvio Alexandre
perguntou: “Além de Heródoto, que especulava sobre as consequências se os
persas derrotassem os gregos em Maratona, em 490 a.C., quais outras proto-histórias
alternativas nós temos?” Citei os três capítulos
do historiador romano Tito Lívio em seu monumental Ab Urb Condita Libri,
um relato pormenorizado de Roma e dos romanos, desde a fundação da cidade até o
fim da República (época em que foi escrito).
Ao longo dos capítulos 17, 18 e 19 de seu Livro IX, Lívio faz uma digressão
histórica sobre o que teria acontecido se Alexandre o Grande houvesse
sobrevivido para retornar ao Ocidente e enfrentar a República Romana do seu
tempo.[9]
Em seguida, Alexander
me indagou quanto à observância do rigor histórico nas narrativas de H.A. Respondi que, à semelhança da ficção científica,
onde existe a FC hard e a FC soft, na H.A. há as narrativas mais castiças e
puros-sangues, que não admitem nem sequer a presença de viajantes retrotemporais,
mas há também as H.A. menos preocupadas com o rigor histórico excessivo.
Incentivado pelo
anfitrião, falei um pouco sobre a gênese da triantologia Vaporpunk, Dieselpunk
e Solarpunk, bem como outras antologias punks que abundam nas expressões
do subgênero na literatura fantástica lusófona. Tema sobre o qual falei um pouco, mas que não me
estenderei aqui pelo fato de já ter abordado a questão noutras ocasiões. Exceção aberta tão somente para citar a
antologia portuguesa Winepunk Ano 1: A Guerra das Pipas (Editorial Divergência,
2019)[10],
organizada por Amp Rodriguez, Rogério Ribeiro & Joana Neto Lima.
A amiga Lu Evans
indagou: “Pode haver mais de um ponto de divergência?” Respondi que não é considerado de bom-tom
empregar mais de um ponto de divergência numa narrativa de história alternativa. Tal deslize torna as soluções narrativas mais
fáceis para o autor e, portanto, costuma ser encarado como falta de fair
play autoral, por assim dizer. Essa é
a voga geral, não obstante o fato de Harry Harrison ter cometido esse exato
pecadilho em seu romance A Transatlantic Tunnel, Hurrah! (1972)[11].
Em seguida, Flávio
Medeiros me fez uma pergunta que, conquanto eu não tenha entendido bem,
propiciou um preâmbulo introdutório sobre a subtemática da Ficção Alternativa.[12]
Nota técnica corretiva: ao longo da minha participação
nessa live, referi-me erroneamente ao romance fix-up Homens e
Monstros (Draco, 2013) do Flávio Medeiros como sendo um exemplo de ficção alternativa. Em realidade, esse romance constitui história
alternativa, pincelada com uns poucos elementos de ficção alternativa. Aliás, se errei na apresentação de hoje, ao
menos não o fiz em C.H.A., pois lá classifiquei Homens e Monstros como
H.A., analisando-o na seção Steampunks e não na seção Ficções Alternativas do
capítulo 20: Cenários Alternativos Lusófonos.
In verbis, vale o que está escrito.[13]
Gílson Cunha perguntou
quais os pontos de divergência julgo mais interessantes, os provocados pela
agência humana ou pelas forças da natureza.
Confessei-me apaixonado pelas duas abordagens. Já Clinton Davisson, indagou: “A ideia de
existir um multiverso como teoria científica séria te agrada?” Confirmei que me agrada, sim. Só não me convence como teoria séria. Fazer o quê, né? Como ficcionista, nada contra. Muito pelo contrário e, para provar, falei um
pouco do meu romance Estranhos no Paraíso (Draco, 2015), que começa como
ficção científica convencional e termina como história alternativa com um LHA
para lá de heterodoxa. Análise com direito
a spoilers (que eu não vazei na live) em C.H.A.; capítulo 20: Cenários
Lusófonos Alternativos.
Nesse trecho
do evento, aproveitei que meus dois livros sobre história alternativa apareciam
na tela da live (como acima), para explicar as distinções entre os dois. Com cerca de cinquenta mil palavras, o Ensaios
de História Alternativa (Scarium, 2003), com download gratuito disponível no
site do fanzine referido (https://www.scarium.com.br),
constitui uma compilação dos primeiros vinte ensaios dos trinta e oito publicados
na coluna que mantive por cerca de uma década no saudoso fanzine Megalon,
editado pelo amigo Marcello Simão Branco.
Já o Cenários de História Alternativa (Amazon, 2019)[14],
é uma obra de análise dos diferentes cenários de H.A. do subgênero escritos em português
e inglês, dividido em vinte capítulos, três apêndices e referências. Quase cento e sessenta mil palavras no total. Aproveitei para delinear brevemente o projeto
do C.H.A. Abaixo, a capa da edição digital
desse livro:
* * *
Após noventa
minutos de live, a participação da plateia digital permanecia firme e
forte. Clovis Pereira trouxe à baila a questão
dos paradoxos positivos, eventos provocados por viajantes retrotemporais que
precisam ocorrer para que a linha histórica permaneça inalterada. Exemplifiquei com o curta Barbosa, em
que um viajante retrotemporal atrapalha o goleiro da seleção brasileira num momento
crucial, propiciando o segundo gol do Uruguai, e com o romance clássico impactante
do Michael Moorcock, Eis o Homem (1966)[15],
conquanto esses dois exemplos não constituam histórias alternativas.
Vitor Vargas
indagou sobre a existência de narrativas alternativas cujos pontos de divergência
não constituam resultados políticos ou militares diversos dos ocorridos em
NLH. Revelei que existem muitas, só que citei,
erroneamente, a antologia Galileo’s Children: Tales of Science vs. Superstition
(2005), organizada por Gardner Dozois. Pois,
embora reúna trabalhos excelentes de vários dos meus autores favoritos, essa compilação
só possui uma narrativa que se enquadraria na categoria de descoberta científica
alternativa.
A orientanda
de doutorado do nosso anfitrião, Jucélia Martins, questionou-me: “Acerca do desfecho
das histórias alternativas, as obras brasileiras tendem a ser mais otimistas
ou, independente da mudança na perspectiva histórica, a maior parte apresenta
uma atmosfera pessimista?” Respondi que
a maioria das narrativas alternativas anglo-saxãs assumem um viés pessimista,
ao passo que a maioria das narrativas lusófonas, hispânicas ou francesas adotam
uma abordagem otimista. A título de justificação
canhestra, citei o velho bordão dos seminários de história alternativa, atribuído
a um estudioso francês do subgênero:
— Porque os
autores britânicos e norte-americanos sabem que já vivem na melhor das linhas
temporais, pois aqui quase todo mundo fala inglês.
* * *
Danny Marks indagou
quanto as narrativas de história alternativa que admitem a existência de magia
e outros elementos sobrenaturais. Repliquei
que uma narrativa que admita a validade de poderes mágicos, ou seja, um
universo ficcional em que a mágica possa existir e funcione de verdade é um
universo distinto do nosso, com outras leis naturais; leis essas que facultam a
existência e a eficácia da magia. Estaríamos
falando, portanto, de um universo com outras leis físicas. Um universo alternativo e não uma simples
linha histórica alternativa. Exemplifiquei
com as fantasias alternativas draconianas da Naomi Novik ambientadas no
universo ficcional Temeraire.
O amigo Márcio
Alves de Lima me perguntou por que o grão-mestre da história alternativa, Harry
Turtledove, nunca teve um trabalho solo publicado no Brasil. Respondi que talvez possamos atribuir essa ausência
à ignorância abissal dos hierarcas do mercado editorial brasileiro. É lógico que isto é só um palpite.
Lazy Random,
perguntou: “E se a Segunda Guerra nunca houvesse acontecido?” A questão me levou a comentar sobre os cenários
de história alternativa em que a Segunda Guerra Mundial e/ou outros conflitos
militares jamais ocorreram. A mesma Lazy
em seguida indagou, “E se a URSS tivesse chegado à Lua antes dos EUA?”. Comentei que os cenários de corridas espaciais
alternativas são frequentes na H.A. do século XXI, só que falhei ao não citar a
linha histórica alternativa estabelecida na trilogia da NASA do Stephen Baxter[16]
e a série da Apple For All Mankind.[17] Pelo menos, lembrei-me de falar do Ministério
do Espaço (2009), romance gráfico delicioso de Warren Ellis, Chris Weston
& Laura Martin.
* * *
Quando Alexander
me pediu recomendações de histórias alternativas para o público presente, além das
antologias punks supracitadas e outras narrativas lusófonas, recomendei a steampunk
avant de lettre do Paul J. McAuley, A Invenção de Leonardo (Saída
de Emergência, 2005)[18],
tradução de João Barreiros do belo Pasquale’s Angel.
Aproveitei a ocasião
para mencionar que a intelectualidade brasileira não exibe pela história alternativa
o mesmo ranço que demonstra pela ficção científica.
Alexander Meireles e GL-R.
José Peu indagou:
“Tem alguma alternativa onde as bombas atômicas foram detonadas na Europa e não
no Japão?”. Questão que nos levou a
conversar sobre a subvertente das bombas atômicas, inseridas nas Segundas
Guerras Alternativas, com direito à rememoração da noveleta icônica do Kim Stanley
Robinson, “Lucky Strike”, em que a bomba não é explodida sobre Hiroshima.
The Random
indagou: “E se outra espécie tivesse evoluído junto com o ser humano?”. Lembrei de imediato da trilogia Eden, do Harry Harrison, cujo primeiro
romance, A Oeste do Éden (Gradiva, 1986)[19],
publicado em Portugal, advoga a existência de dinossauras inteligentes, as Yilàne,
que se defrontam com uma humanidade alternativa paleolítica. Também citei as narrativas do Harry Turtledove
coligidas no romance fix-up A Different Flesh (1988)[20].
Flávio Medeiros
me perguntou sobre meus projetos futuros, dando ensejo a que eu falasse um
pouco sobre meu romance de história alternativa concluído recente, Consciências
de Ébano, ampliação da noveleta semi-homônima “Consciência de Ébano”,
ambientada na linha histórica alternativa Três
Brasis, sobre o dilema ético enfrentado por um agente do Círculo de Ébano,
agência secreta encarregada de proteger a existência do filho-da-noite que
responde pela alcunha de Dentes Compridos.
Com duas horas
e oito minutos de live, já quase ao apagar das luzes, justo na hora de
falar sobre meus trabalhos, consegui comentar sobre a capa do meu romance
fix-up Aventuras do Vampiro de Palmares (Draco, 2014)[21],
mas não sobre o enredo de Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas
(Draco, 2009), pois, um minuto mais tarde minha máquina travou e só consegui regressar
oito minutos mais tarde e, mesmo assim, pelo celular. Menos de dois minutos depois, num raro
exemplo de inteligência artificial autoconsciente, meu micro logrou se
destravar sozinho, por sua própria conta e risco. Daí, durante alguns segundos, fiquei com aparição
dupla, como bom doppelgänger que sou.😊 Romeu Martins não perdeu a piada ao
comentar via chat que pelo menos uma das minhas versões poderia ter aparecido
com cavanhaque, numa alusão ao Senhor Spock do universo do espelho da série clássica
da Jornada nas Estrelas, referência que muito me honrou.
Alexander eliminou
qualquer risco de paradoxo temporal ao derrubar minha versão oriunda do celular
e me facultar alguns minutos para minhas considerações finais, agradecimentos e
despedidas.
Para concluir:
essa foi uma live com que me senti muito feliz, não obstante as
dificuldades técnicas, pois fui convidado para falar sobre história alternativa,
o tema de que mais gosto dentro do gênero literário da ficção científica, pelo
qual sou apaixonado desde que me conheço por gente.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 28 de abril de 2021 (quarta-feira).
Participantes:
Adílson Júnior.
Alexander Meireles da Silva (Fantasticursos).
Ana Lúcia
Merege.
Clinton Davisson.
Clovis Pereira.
Danny Marks.
Editora Madrepérola.
Eduardo Massami
Kasse.
Eduardo Peret.
Eduardo Torres.
Flávio
Medeiros (Nerd Wars).
Frederico Portela
Lima.
Gerson Lodi-Ribeiro.
Gílson Luís
Cunha (Café Neutrino).
Guilherme Sibilante.
Jão Nunes.
João Gomes
(Conexão Amazônica).
Jorge Pereira.
José de
Alcântara Peu (Te Conto Ficção Científica).
Jucélia Martins.
Juliana Berlim.
Lazy Random.
Lu Evans.
Luiz Felipe Vasques
(Clube de Leitores de Ficção Científica).
Márcio Alves
de Lima.
Paolo Fabrizio
Pugno.
Rafael Peres.
Ricardo França.
Romeu Martins.
Sílvio Alexandre.
The Random.
Vitor Vargas.
Vitto Graziano.
[1]. É a forma que
apareceu nas chamadas do Fantasticursos (vide acima). Lá na live em si, aparece como “História
Alternativa: Como Escrever?”
[2]. Após o evento,
ingressei no site da Catarse para deixar minha contribuição e garantir meu
exemplar da antologia, bem como alguns brindes adicionais.😉
[3]. Nanorresenha extraída
do meu bunker de dados: A Casca da Serpente – História alternativa
sertaneja. Antônio Conselheiro não teria
morrido no levante dos Canudos. Junto
com alguns seguidores funda um novo vilarejo, desta vez com governo anárquico, nos
sertões do norte da Bahia... Maiores
detalhes em Cenários de História Alternativa; capítulo 20: Cenários Alternativos
Lusófonos; seção: Precursor de Fina Estirpe.
[4]. “Unidade em
Chamas” foi publicada na antologia Vaporpunk: Relatos steampunk publicados
sob as ordens de Suas Majestades (Draco, 2010), organizada por mim e pelo
Luís Filipe Silva. Mais detalhes em C.H.A.;
capítulo 20, seção: Steampunks.
[5]. “In
Falsetto” foi publicada em Portugal na antologia Mensageiros das
Estrelas (Fronteira do Caos, 2012), organizada por Octávio Santos, Adelaide
Meira Serras e Duarte Patarra. Maiores detalhes:
idem acima.
[6]. Outra nanorresenha:
The Guns of the South (1992) – Sul-africanos racistas do início do
século XXI fornecem rifles-metralhadoras AK-47 aos exércitos confederados do
General Robert Lee, possibilitando a vitória confederada sobre os exércitos da
União e a independência dos Estados Confederados da América. O romance definitivo de História Alternativa
sobre a vitória confederada na Guerra de Secessão Norte-Americana. Mais detalhes C.H.A.; capítulo 8:
Preferências Nacionais I – Guerras de Secessão Alternativas; seção Cenários Modernos.
[7]. Nanorresenha: Two
Hawks from Earth (1979) – Piloto norte-ameríndio da II Guerra da nossa
linha histórica cai em linha histórica alternativa onde o continente americano
não existe. Versão completa [ampliada e
editada pelo autor]. Cumpre alertar que
a edição portuguesa da Coleção Argonauta, lançada sob o título Universos
Paralelos, é a tradução da versão mutilada pelos editores da primeira edição
e (justamente por isto) execrada pelo autor.
Maiores detalhes C.H.A.; capítulo 3: Histórias Naturais Alternativas; seção
Dinossauras Inteligentes e Humanidades Alternativas.
[8]. Noveleta
analisada em C.H.A.; capítulo 6: Predileções Universais I – Romas Alternativas
& Estados Romanos Mundiais, seção: Estados Romanos Mundiais.
[9]. Os títulos dos três capítulos são os seguintes:
17 – “Digressão Sobre as Possibilidades de
Alexandre, o Grande, na Itália”;
18 - “Paralelo Entre Alexandre e os Generais
Romanos”; e
19 - “Comparação Entre as Tropas Romanas e as de
Alexandre”.
[10]. Nanorresenha: Winepunk
Ano 1: A Guerra das Pipas – primeiro volume da triantologia Winepunk. O ponto de divergência dessa linha histórica
alternativa é o êxito temporário da Monarquia do Norte, movimento
revolucionário eclodido em janeiro de 1919, que declarou o norte de Portugal
monárquico e independente do resto do país, que se havia tornado republicano
nove anos antes. A proposta é que a
monarquia houvesse sobrevivido pelo menos durante três anos, até meados de
1922. Inclui o detalhamento da linha
histórica alternativa proposta. Ficções:
“A Companhia Zero” (Joel Puga); “A Ira da Ferreirinha” (Carlos Eduardo Silva); “In
Vino Veritas” (João Ventura); “Uma Conspiração Perigosa” (João Rogaciano); “Nunca
Mais!” (João Barreiros); “Os Engonços de Quionga” (Rhys Hugues); “A Loja do
Desejo Agridoce” (Rhys Hugues); e “Fragmentos do Dicionário Ilustrado da
Monarquia do Norte” (Amp Rodriguez). Maiores
detalhes na próxima edição do Cenários de História Alternativa.😉
[11]. Nanorresenha: A
Transatlantic Tunnel, Hurrah! - romance de história alternativa sui
generis pelo simples fato de possuir dois pontos de divergência. A citar: 1) 1212 – Derrota cristã para os
mouros na Batalha de Navas de Tolosa; e 2) 1780 – Fracasso da Revolução Americana
(ponto de divergência principal). Em
consequência, as Treze Colônias permanecem até os dias de hoje sob a égide do Império
Britânico. No presente narrativo, o
engenheiro americano Augustine Washington, descendente longínquo do famigerado
George Washington, enforcado pelos crimes de lesa-majestade e alta traição,
decide limpar o nome da família na metrópole e nas colônias, coordenando a
construção de um túnel transatlântico ligando Nova York à costa oeste da
Inglaterra. Romance de ideias interessantes,
mas escrito de forma algo desajeitada e com os personagens muito chapados. Mais tarde, o autor se defendeu com a alegação
de que se tratava de um romance infantojuvenil.
[12]. Subtemática detalhada
em C.H.A.; capítulo 18: Ficção Alternativa.
[13]. Citando o
trecho pertinente do C.H.A. que se refere ao romance em questão: “Embora o fix-up
em questão não constitua história alternativa puro-sangue, ao menos não de um
ponto de vista castiço — uma vez que se apropria de personagens ficcionais de
outros autores e não apenas de figuras históricas reais, transformando-os em
seus próprios personagens literários — ao propor um ponto de divergência calcado
na história e não na ficção, e ao alinhavar seu cenário histórico alternativo a
partir dessa divergência, a citar, a sobrevivência do Império Asteca sob suserania
britânica, Flávio Medeiros delineia seu texto norteado pela filosofia de
trabalho da história alternativa, criando um mundo semelhante ao nosso e, ao
mesmo tempo, inteiramente distinto em seus matizes steampunks. Um mundo onde a tecnologia avançou mais
rápido. Uma linha histórica alternativa
na qual os Impérios Britânico e Francês se digladiam numa genuína “guerra fria vitoriana”
que, aliás, é o termo usado como subtítulo do romance.
[14]. Aos interessados:
[15]. Nanorresenha: Eis
o Homem – sujeito frustrado, com traumas de infância e insatisfeito com a
vida, emprega máquina do tempo para ir até a época de Cristo. Na Judéia, visita Nazaré e descobre que o
verdadeiro Jesus é um deficiente mental que mal consegue balbuciar o próprio
nome. Após uma noite de sexo selvagem
com Maria, decide que a integridade histórica e as crenças cristãs devem ser
preservadas a todo custo e assume então o papel que a posteridade atribuiu a
Jesus de Nazaré. Narrativa por vezes
maçante, mas sempre extremamente convincente.
[16]. Ponto de divergência:
Kennedy sobrevive ao atentado de Dallas em 1963. Consequência: EUA envia missões tripuladas a Marte,
no fim do século XX e a Titã, o maior satélite de Saturno, no início do século
XXI.
[17]. Ponto de
divergência: Os soviéticos vencem a Corrida Espacial, conquistando a Lua. Louco para assistir!😊
[18]. Nanorresenha: A
Invenção de Leonardo (1994) – P.o.D. = 1470. Leonardo da Vinci, o Grande Engenheiro, inicia
a revolução industrial com três séculos de antecedência. Na Florença de 1518, o artista Pasquale e o
jornalista Niccolo Machiavelli investigam o assassínio de um pintor da entourage
de Rafael, grande artista e emissário papal enviado na tentativa de estabelecer
a paz duradoura entre Florença e os Estados Papais. Quando o próprio Rafael é envenenado e seu
cadáver desaparece, aumentam os riscos de guerra contra Roma dos Papas e a
Espanha, cuja Armada do Almirante Hernán Cortez já veleja ao largo da Península
Italiana.
[19]. Nanorresenha: A
Oeste do Éden (1984) – primeiro volume da trilogia Eden. História
Alternativa em que os dinossauros não se extinguiram e evoluíram para formas
racionais. Conflito entre a espécie
sauriana dominante e estranhos mamíferos bípedes com os quais as desbravadoras do
continente americano se deparam.
[20]. Nanorresenha: A
Different Flesh – América é habitada pelo Homo erectus e não por
ameríndios. Sete noveletas passadas
nesse mesmo cenário de história alternativa, em períodos de tempo que vão de
1610 a 1988.
[21]. Capa inspirada
em murais em um sítio arqueológico da civilização pré-colombiana Mochica
situado nas cercanias da cidade peruana de Trujillo, que visitamos em janeiro
de 2000.
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