segunda-feira, 22 de março de 2021

 

Live sobre

Ficção Científica e História Alternativa

com Eduardo Kasse

 

202103192359P6 — 22.171 D.V.

 

 

“É verdade que você já foi mulher e atendeu pela alcunha de Carla Cristina Pereira?”

[Eduardo Kasse]

 

“Até porque se fosse por dinheiro, estaríamos ferrados. 😊

[João Beraldo]

 

Participei ainda há pouco, nesta noite de sexta-feira, último dia de verão carioca, de uma live para falar sobre história alternativa e ficção científica, a convite do meu amigo e companha Eduardo Massami Kasse, em seu canal de YouTube.

Tratou-se da terceira participação em entrevistas ou lives nas últimas duas semanas.  As outras foram uma entrevista ainda inédita, por escrito, para uma revista brasileira de ficção científica, e uma outra entrevista, oral, em português, para o podcast Brasil es Mucho Más que Samba, mantido pelo departamento de Estudos de Cultura Brasileira na Universidad de Salamanca, Espanha.

Edu denominou nossa live “Navegando por histórias alternativas e ficções científicas com Gerson Lodi-Ribeiro”.  A se encontra disponível no YouTube (47 visualizações até o fim da transmissão):

https://www.youtube.com/watch?v=_zBnk512zVI

 


*     *      *

 

Estabelecemos a conexão através do aplicativo Streamyard às 20h45 e iniciamos a live no YouTube pontualmente às 21h00.  Logo no início do bate-papo, o relógio aqui da biblioteca enunciou suas nove badaladas aos ouvintes.  Levantei da poltrona num pulo de susto, pois, das outras vezes, havia me lembrado de paralisá-lo.  Parei o pêndulo para que ele não continuasse bancando o engraçadinho.  Autêntico gentleman que é, Edu relevou minha gafe ao elogiar a pontualidade britânica com que iniciamos o evento.

Ao longo dos noventa minutos de duração da live, à semelhança do que costuma acontecer em outros eventos desse gênero, a plateia participou com comentários e perguntas na seção de chat, embora eu só tenha conseguido acessá-la em pleno após o fim da transmissão.  No entanto, à medida que o papo transcorria, grosso modo, consoante com nossa pauta previamente combinada, Edu Kasse trazia à baila alguns desses comentários e intervenções da nossa plateia virtual, para que eu pudesse respondê-los.

Vinho de combate degustado durante a live, porque ninguém é de neutrônio e cumpria manter a garganta hidratada: uma taça do Boscato Cave Merlot 2018.  Findo o evento, presenteei-me com outra taça.  Como dizia o Bonaparte:

— Quando vitorioso, bebo porque mereço.  Quando derrotado, porque preciso.

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Após uma apresentação breve aos espectadores, declarando-me escritor e antologista de ficção científica e história alternativa, com direito a uma biografia ultrarresumida e um jabazinho institucional sobre meu trabalho não ficcional Cenários de História Alternativa (Amazon, 2019), falei um pouco sobre o começo da minha carreira como escritor, abordando a publicação nos fanzines de FC&F da década de 1980 e delineando as duas versões da minha estreia profissional: a publicação do meu conto “Xenopsicólogos na Fase Crítica” na edição número 35 da revista francesa de ficção científica Antàres no segundo semestre de 1989 e a publicação da noveleta de FC, em verdade um pseudofactual escrito sob a forma de um artigo científico, “Alienígenas Mitológicos”, no número 15 da edição brasileira da Asimov’s, em julho de 1991.  Aproveitei para explanar brevemente sobre o impacto em minha carreira das publicações aqui e lá fora da noveleta de história alternativa “A Ética da Traição”.

Ao ser perguntado pelo anfitrião sobre as mudanças ocorridas no mercado literário e na visibilidade junto ao público desde essas estreias até hoje, discorri sobre as “redes sociais” representadas pelas reuniões presenciais cariocas e paulistanas do Clube de Leitores de Ficção Científica e as colunas de cartas daqueles fanzines pré-internet, comentando o primeiro boom daquelas publicações amadoras e daí passando à existência gloriosa, conquanto relativamente curta, das revistas de FC&F em nossas bancas e então abordando a renascença do gênero ao fim da primeira década do milênio, com o advento das publicações de ficção científica, horror e fantasia por parte das pequenas editoras brasileiras.

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Ao discorrer sobre os subgêneros da ficção científica, falei um pouco sobre as repercussões da publicação de FC convencional em comparação com a publicação de narrativas de história alternativa no mercado lusófono.

A pedido do Edu, explicitei os conceitos básicos da história alternativa, falando de “ponto de divergência”; “linha histórica alternativa”; e da distinção entre “presentes alternativos” e “passados alternativos”; exemplificando com minha LHA Pax Paraguaya, que delineei nas noveletas “A Ética da Traição” e “Crimes Patrióticos”.[1]  Neste ponto, Edu apresentou a distinção entre ficção histórica e história alternativa.  Na hora, cogitei falar de uma outra distinção, a existente entre a história alternativa e a ficção alternativa, mas acabei deixando para depois e esquecendo o assunto.  No entanto, lembrei de comentar sobre as diferenças entre escrever ficção científica genuinamente brasileira e história alternativa genuinamente brasileira.

Quando Edu detalhou a situação do mercado de literatura fantástica nacional, abordando o preconceito do leitor médio contra a produção nacional, presente até um passado recente, lembrei do preconceito similar do enófilo brasileiro contra os vinhos nacionais, alegando que:

— Vinho brasileiro não presta!

Comentei que, tanto no caso dos vinhos quanto da literatura fantástica nacional, a qualidade da produção brasileira está se elevando dramaticamente e a passos largos.

Eduardo Kasse me provocou a destrinchar a gênese de Octopusgarden (Draco, 2017), trabalho agraciado com o Argos 2018 na categoria Melhor Romance.  Expliquei que o romance se originou como um conto escrito em 1988 para uma antologia inspirada em canções dos Beatles, capitaneada pela facção carioca do CLFC, a Beatles 4-ever.  Embora a iniciativa não tenha vingado, concluí o conto.  No entanto, esse conto não foi bem aceito pelo antologista, que acabou selecionando um outro conto meu, sem qualquer ligação com os Beatles.[2]  De todo modo, “Octopusgarden” acabou servindo de semente para o romance homônimo.  Edu comentou que o romance tratava, dentre muitas outras coisas, de relações sexuais interespecíficas entre humanos e golfinhos.  Essa questão instigante de somenos suscitou a participação de alguns membros da plateia, sobretudo os amigos Ana Lúcia Merege e Flávio Medeiros, nossos pares eminentes no Centro de Estudos de Sexologia Cetácea, misto de confraria secreta e entidade multidisciplinar, cujos alicerces foram estabelecidos num jantar antológico em Porto Alegre, por ocasião da Quarta Odisseia Fantástica, em 2015, quando da comemoração do meu vigésimo milésimo dia de vida.  Outros membros da plateia virtual demonstraram curiosidade e assombro com as descobertas e debates do CESC, temática que será melhor elaborada em crônica futura ou, quem sabe, numa live?  De qualquer maneira, Octopusgarden é meu único romance em que os protagonistas não são humanos.

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Em seguida, Edu me pediu para falar um pouco sobre a experiência de ter mantido durante cerca de quinze anos o pseudônimo feminino Carla Cristina Pereira.  Comentei que Carla foi sem dúvida meu “personagem” mais convincente, uma vez que logrou iludir quase todo o fandom lusófono e também o anglo-saxão por uma década e meia, mantendo diálogos por carta e e-mails; publicando traduções de artigos estrangeiros em fanzines locais; artigos, resenhas e críticas nessas mesmas publicações; para além de contos e noveletas publicados em antologias brasileiras e portuguesas entre 1998 e 2007.[3]  Falei um pouco da gênese desse pseudônimo e das motivações para criá-lo.  Ao longo de sua carreira, Carla granjeou mais premiações literárias do que eu.  Houve até quem afirmasse que ela escrevia história alternativa melhor do que eu.  O mais curioso é que até algumas das poucas pessoas que sabiam que eu era a Carla concordavam com essa última afirmação...  É uma pena que, justo quando eu falava sobre a Carla, minha internet caiu, interrompendo a fofoca (aliás, meu sinal caiu três vezes durante o evento, mas o Edu conseguiu me reconvidar para que eu voltasse à cena rapidinho).  O fato é que Carla despertou curiosidade e interesse do fandom brasileiro e, até mesmo algumas paixonites, não obstante o fato óbvio de jamais haver aparecido em público.  Ah, a imaginação humana...  Edu e alguns participantes do chat alegaram se tratar de “sapiossexualidade”, isto é, atração sexual ou romântica por pessoas inteligentes.  Enfim, para maiores detalhes sobre essa “personagem” icônica da ficção científica brasileira, sugiro a leitura de meu ensaio “Os Anos em que Fui Carla”.[4]

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Mais para o fim da live, Edu pediu que eu transmitisse algumas dicas para quem quisesse escrever narrativas de história alternativa, o que deu margem para que eu delineasse a lida envolvida na elaboração de linhas históricas alternativas.

Quando meu anfitrião solicitou que eu falasse um pouco sobre meus próximos trabalhos, comentei sobre os trabalhos produzidos durante a pandemia, com ênfase no romance curto distópico infantojuvenil Pecados Terrestres, que mostra os estertores da civilização global terrestre no último quartel deste século, vítima da hecatombe ambiental e da pandemia causada pela Covid-91, e no romance Lady Europa de Rhea, ambientado no mesmo universo ficcional das narrativas premiadas “A Filha do Predador”; A Guardiã da Memória e Octopusgarden.  Europa é a avó da Clara, protagonista do Guardiã e narradora pré-adolescente de “A Filha do Predador”.

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No que tange a participação da nossa plateia virtual — constituída em boa parte por amigos de longa data, dentre os quais, além dos já citados, compareceram, dentre outros, Adílson Júnior; André Orsolon; Gílson Cunha; João Beraldo; Juliana Berlim; Leon Nunes; Luiz Felipe Vasques; Renata da Conceição; Roctavio de Castro; e Sid Castro — mostrou-se bastante ativa, postando comentários pertinentes, referências espirituosas e indagações que enriqueceram substancialmente a live.

 



Eduardo Kasse e GL-R.

 

Já no meio do bate-papo, Edu me perguntou quais as características de uma narrativa de história alternativa de qualidade.  Respondi que a plausibilidade é fundamental, mas que o período da história abordado também precisa transmitir algo relevante ao leitor.

Aproveitando a presença de João Beraldo na plateia virtual, Edu pediu que eu falasse um pouco no nosso trabalho no departamento de universo ficcional da Hoplon Infotainment para a criação do M.M.O.G. Taikodom.  Empreendimento em que todos fomos felizes até que as coisas começaram a não dar certo, mas que, pelo menos, rendeu o romance Taikodom: Despertar do Beraldo e minha coletânea de ficção curta, Taikodom: Crônicas (Devir, 2009).

Renata da Conceição me perguntou se desde que comecei a publicar história alternativa percebi alguma relação por aqui entre o consumo de produtos históricos e os meus textos.  Respondi que percebi alguma relação, mas pouca.  Expliquei que meus fãs parecem gostar mais de FC do que H.A., mas que, no mundo acadêmico, meus trabalhos de história alternativa repercutiram mais do que meus textos de ficção científica convencional.

Outro amigão do peito dos tempos da Hoplon, Roctavio de Castro, compareceu do meio pro fim da live e se confessou impressionado com a paixão com que falei sobre a atividade literária.

Já o Gílson Cunha me perguntou qual o meu romance anglo-saxão de história alternativa favorito.  Na hora eu travei, pois, de tantos e tantos que li, como escrever apenas um?  Gates of Worlds do Silverberg?  A trilogia Aquila do S.P. Somtow?  A saga WorldWar do Harry Turtledove?  O épico e estupendo Years of Rice and Salt do Kim Stanley Robinson?  A Oeste do Éden do Harry Harrison?  Daí, tive um insight e resolvi citar Agente de Bizâncio do Turtledove, por ser o único romance daquele que é considerado o Papa da História Alternativa jamais publicado em português.  Na verdade, trata-se de um romance fix-up reunindo as aventuras do agente imperial Basil Argyros, que defende os interesses bizantinos numa linha histórica alternativa em que o Império Romano Ocidental e Oriental persiste(m) até o século XIV, época em que as narrativas desse passado alternativo se passam.

Enfim, como tudo que é bom dura pouco, por volta das 22h30 encerramos a live.  Em meus agradecimentos e despedidas, lembrei ao povo que a Terra é esférica (na verdade, é um geoide.  Porém, para que complicar, certo?), que a Covid-19 é bem mais do que uma gripezinha e pedi que tomassem cuidado e continuassem usando máscaras da forma correta e mantendo o distanciamento social.  Recomendações de praxe, pero desnecessárias, uma vez que praticamente não há negacionistas na comunidade brasileira de aficionados por narrativas fantásticas.

Só tenho a agradecer ao meu grande amigo Eduardo Massami Kasse.  Não só por ter me convidado a participar desta live, mas também e sobretudo, por saber me instigar a responder as perguntas certas nos momentos apropriados, dentro e fora da pauta.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 19 de março de 2021 (sexta-feira).

 


Participantes:

Adílson Júnior.

Ana Lúcia Merege.

André Orsolon.

Eduardo Massami Kasse (anfitrião).

Flávio Medeiros (Nerd Wars).

Frederico Portela Lima.

Gabriel Boscariol.

Gerson Lodi-Ribeiro.

Gílson Luís Cunha (Café Neutrino).

João Marcelo Beraldo.

Jorge Gervásio Pereira.

Juliana Berlim.

Leon Nunes.

Luiz Felipe Vasques (Clube de Leitores de Ficção Científica).

Renata Aquino da Conceição.

Roctavio de Castro.

Sandra Abrano.

Sid Castro.

 



[1].  Quando citei essas duas noveletas, Edu lembrou os ouvintes de que ambas se encontram disponíveis como e-books na Amazon.  Faço minhas as palavras dele: se quiserem experimentar, boa leitura! 😉

[2].  “Regresso ao Mundo dos Sonhos”, uma narrativa em que cientistas tentam descobrir a verdade sobre o que existe após a morte.  Até hoje inédito no Brasil, mas incluído em minha coletânea de ficção curta Outras Histórias... (Editorial Caminho, 1997).

[3].  Em 1998, Carla faria sua estreia profissional com a publicação do pseudofactual de história alternativa “Se Cortez Houvesse Vencido a Peleja de Cozumel” na antologia Outras Copas, Outros Mundos (Ano-Luz, Brasil) e em 2007 encerraria sua carreira multipremiada com a publicação da noveleta de H.A. “Xochiquetzal em Cuzco”, na antologia Por Universos Nunca Dantes Navegados (Tecnofantasia, Portugal).

[4].  Creio que é possível encontrar esse ensaio numa busca avançada no Google.  Ele também foi publicado à guisa de prefácio ou apresentação da coletânea de ficção curta, Histórias de Ficção Científica por Carla Cristina Pereira (Draco, 2012), que reúne toda as narrativas escritas sob esse pseudônimo feminino, exceto a noveleta “Xochiquetzal em Cuzco” que, afinal de contas, já havia sido incorporada no romance curto Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas (Draco, 2009).

2 comentários:

  1. Gerson. Sinto não ter participado da melhor forma possível, a fazer alguma pergunta que fosse relevante. Não encontrando algo relevante pra falar, resolvi ficar na escuta, de modo a aprender (ou, pelo menos, me informar das questões citadas).
    Abraço no coração,
    Leon.

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