Casa Fantástica
na FLIP 2018:
Dia 01 — 201807251525P4
— 21.201 D.V.
“Partiu,
Paraty!”
Acordei hoje às 04h00 a fim de malhar um pouco na ergométrica e tomar o
café da manhã com calma antes de me deslocar até a rodoviária para viajar a
Paraty, para assistir e participar das mesas-redondas, palestras e eventos que
ocorrerão nos próximos dias sob os auspícios da Casa Fantástica, por ocasião da
décima-sexta Feira Literária Internacional de Paraty, a FLIP 2018.
Neste meu primeiro dia de gozo da licença especial, peguei um UBER no
mesmo sítio em que sempre pego para ir à sede da Prefeitura. Apesar da breve sensação desagradável de dejà-vu, a viagem se deu sem maiores
problemas, com alguma retenção apenas na vizinhança imediata da Rodoviária Novo
Rio.
Uma vez no terminal rodoviário, dirigi-me ao guichê da empresa Costa
Verde e retirei a passagem Rio-Paraty que já havia adquirido no fim da primeira
quinzena de julho pela internet. Daí,
passei para a área de embarque e esperei por quase uma hora até embarcar no
ônibus das 10h00.
A jornada de cerca de duzentos e cinquenta quilômetros até Paraty
também se deu sem percalços. O ônibus
era climatizado e o ar-condicionado estava funcionando a pleno vapor, um pouco
frio demais para o meu gosto. Leitura de
bordo: capítulos 14 a 18 da obra de referência Fantástico Brasileiro: o insólito literário, do Romantismo ao
Fantasismo (Arte & Letra, 2018), de Bruno Anselmi Matangrano e Enéias
Tavares. Também li O Globo de hoje, que tomei o cuidado de baixar ainda em casa,
durante o desjejum e ainda houve tempo para retomar a leitura da novela “Monitored
Dreams & Strategic Cremations”, do Bernard Wolfe, publicado na antologia Again, Dangerous Visions (Open Road,
1972, 2014), organizada pelo legendário Harlan Ellison. Tempo para tudo. Afinal de contas, a viagem durou quatro horas
e meia!
Desembarquei no terminal rodoviário de Paraty às 14h30 e, após recobrar
minha mala, enfrentei uma fila na bilheteria do guichê local da Costa Verde
para retirar as passagens de regresso ao Rio no domingo. Ao contrário do que aconteceu na Novo Rio,
aqui não havia terminal de autoatendimento.
Daí, foi preciso aguardar na fila.
Enquanto aguardava, ativei o aplicativo Maps.Me e descobri que estava a
setecentos metros de distância do hostel em que ficaremos até domingo. Preocupado, ao me lembrar que o centro
histórico desta cidadezinha possui ruas com calçamento de paralelepípedos ou vias
ainda mais antigas, com calçamento (se é que podemos chamá-lo assim) de pedras
roladas, resolvi gastar vinte e cinco reais para tomar um táxi neste percurso
ridiculamente curto, para não arriscar quebrar as rodas da minha mala repleta
de livros que eu trouxe para pôr à venda na Casa Fantástica.
Chegando ao hostel, fiz o check-in
com a funcionária Rafaela e verifiquei as condições do quarto nº 2, situado no
segundo piso desta casa de colonial, com as vantagens e desvantagens inerentes
à escolha que fiz mais de dois meses atrás.
Pelo menos, o sinal de WiFi parece bom.
Nosso quarto no hostel Be-Happy.
* *
*
Por volta das 16h00 saí do hostel para uma caminhada pelo centro
histórico a fim de localizar a Casa Fantástica, que se situa na Rua Doutor
Samuel da Costa Nº 32, próximo ao Largo do Rozário, que abriga a igreja
homônima. A sede e pátria-mãe da
literatura fantástica brasileira na FLIP está tão perto do hostel, mas tão
perto, que eu não acreditei e passei direto sem entrar na rua em que deveria
entrar. Segundo o Maps.Me, estou a cento
e noventa metros da Casa Fantástica, mas, pelo cômputo dos meus passos, é pouco
mais da metade disso.
Uma vez na Casa Fantástica, travei contato pessoal com Priscilla
Lhacer, a organizadora do evento, com quem eu já trocara diversos e-mails e
mensagens pelo Facebook. Estabelecido
esse contato inicial, regressei ao hostel para pegar os livros que colocarei à
venda durante a FLIP e levá-los até a casa.
Enquanto ajudava Priscilla a catalogar os livros, ela me informou que
meu amigo Fábio Fernandes não poderá comparecer pessoalmente à mesa-redonda da
qual participaremos juntos no sábado e atuará conosco por videoconferência. Dedos cruzados para que o processo dê certo.
Antes da abertura dos trabalhos ainda regressei uma vez mais ao hostel
para pegar os óculos e câmera fotográfica.
Pois, no afã de levar a livralhada ao estande de vendas da Casa
Fantástica, acabei esquecendo a mochila no quarto do hostel.
Sede da Casa Fantástica (Rua Doutor Samuel da Costa Nº 32).
Uma das três mesas de livros.
Nosso quadro convocatório.
* *
*
Cheguei à Casa Fantástica para assistir os eventos desta noite de
quarta-feira às 18h00. Aproveitei para
conversar um pouco mais com a Priscilla Lhacer, confirmando que ela é sócia da
editora Presságio, que está iniciando uma linha de literatura fantástica e que
publicou o Extemporâneo de Alexey
Dodsworth em 2017. Ela também me contou
alguns detalhes sobre o planejamento desta brava iniciativa de caráter
literário e cultural que constitui a Casa Fantástica.
Pouco mais tarde chegava Antonio Luiz M.C. Costa com sua esposa,
Berenice Young. Conversei com ele a
respeito de vários assuntos, dentre esses, a mesa-redonda sobre história
alternativa de que participarei na manhã de sábado e do livro digital Cenários de História Alternativa, que
estou disponibilizando no blogue homônimo.
Às 19h00, Priscilla abriu a Casa Fantástica falando para uma plateia de
cerca de trinta pessoas sobre o esforço para criar esse conjunto de
mesas-redondas e palestras off-FLIP. Em
seguida, Antonio Luiz proferiu sua palestra “História da Literatura Fantástica
no Brasil”, apresentando uma visão panorâmica das diferentes fases e ondas dos
diversos gêneros da literatura fantástica nacional, comparando-as com a
evolução deste supergênero no exterior e explicando-as com insights sobre a história política brasileira e mundial. Finda a palestra em si, Priscilla passou a
palavra à plateia. A partir da questão
de um rapaz chamado Israel, propondo associar a relativa falta de interesse
pela ficção científica entre os leitores mais jovens às deficiências no ensino
da ciência no Brasil, opinei que a ignorância científica crescente não é um
fenômeno exclusivamente brasileiro, mas antes, uma tendência de âmbito mundial.
Priscilla Lhacer abre a Casa Fantástica.
Antonio Luiz M.C. Costa: "História da Literatura Fantástica no Brasil".
Encerrada a participação da plateia, conversei mais um pouco com
Priscilla, Antonio Luiz, Alexey Dodsworth e com Clinton Davisson, atual
presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica. Falamos um pouco sobre os problemas de
tradução de unidades de medida e da insistência norte-americana em se aferrar
em seu sistema de medidas arcaico. Por
volta das 20h30, ao perceber que a chuva que caía de surpresa à noite (contrariando
a previsão climática) dera uma estiada, despedi-me dos amigos e empreendi uma
retirada célere para o hostel. No
entanto, a chuva voltou a engrossar, surpreendendo-me no meio do caminho e me
obrigando a buscar abrigo numa sorveteria na esquina da Rua Marechal Deodoro,
onde se situa o hostel. Ali, aproveitei
o ensejo para experimentar o sorvete artesanal da casa, degustando uma bola de
chocolate com pimenta e outra de capim-limão. Sabores diferentes e
interessantes.
De volta ao quarto do hostel, voltei à carga na novela “Monitored
Dreams & Strategic Cremations”, mas não resisti nem quinze minutos antes de
cair no sono.
Hostel Be-Happy, Paraty, 25 de julho de 2018
(quarta-feira).
Dia 02 — 201807260600P5 — 21.202 D.V.
“Nunca li a trilogia Senhor dos Anéis, mas, por favor,
não espalhem para ninguém.”
[Priscilla
Lhacer]
Nesta quinta-feira de manhã acordei às 05h30 e, enquanto aguardava o
início do desjejum aqui no Be-Happy, que só começaria às 08h00, baixei a edição
digital d’O Globo para o tablet. Com o sinal de WiFi pífio, o download, que
levaria uns vinte ou trinta segundos lá em casa, demandou coisa de cinco minutos.
Da leitura do jornal, em meio a crises econômicas e incertezas
políticas, a notícia mais relevante foi a descoberta de um lago subterrâneo sob
a calota de gelo aquoso existente no polo sul de Marte. Sob um quilômetro e meio de profundidade,
existe água em estado líquido em regime permanente; água salobra e rica em
percloratos. Mas, mesmo assim, água em
estado líquido, um dos pré-requisitos para o surgimento e a sobrevivência da vida
“tal como nós a conhecemos”.J
O desjejum no Be-Happy não é farto e maravilhoso, mas é correto e, de
todo modo, atendeu minhas necessidades alimentares após a véspera em que
almocei duas tangerinas às 15h00 e jantei duas bolas de sorvete artesanal. Daí, hoje às 08h00 na sala comum do hostel:
xícaras e xícaras de café preto, enquanto acabava de ler o jornal no tablet,
acompanhadas por dois sanduíches de mozarela e presunto que preparei no grill,
duas fatias de melão e um tasco cúbico de bolo de canela. A atendente chegou a me perguntar se eu
queria um ovo mexido, mas, embora eu tenha dito que sim, ela acabou se
esquecendo do assunto e, para falar a verdade, não a lembrei por já estar
saciado.
Antes de dar a hora de rumar para a Casa Fantástica, concluí a leitura
da novela bem escrita, porém demasiado pretenciosa e, portanto, interminável,
de Bernard Wolfe, “Monitored Dreams & Strategic Cremations”.
* *
*
A primeira mesa-redonda desta quinta-feira foi “Editoras Independentes:
limites e possibilidades no mercado editorial brasileiro”, com a presença de
três publishers: o paraense Filipe
Laredo (Empíreo); Mário Bentes (Lendari); e Priscilla Lhacer (Presságio). A quarta participante dessa mesa, Ana
Cristina Rodrigues (Aquário Editorial), avisou ontem à noite que não poderia
comparecer. Os dois publishers mais
experientes, Filipe e Mário, falaram das histórias de sucesso de suas
editoras. Falas mais intimistas e
pessoais, mas contando, em essência, a mesma história já ouvida em mesas com
temáticas semelhantes nas Fantasticons e Odisseias Fantásticas da vida. Sem reclamações. Boas histórias de êxitos e fracassos são como
as boas histórias: não vejo o menor problema em ouvir, assistir ou ler várias
vezes.
Mesa Editoras Independentes:
Mário Bentes, Priscilla Lhacer e Fábio Laredo.
Panorama da sala das mesas.
Entre a primeira mesa-redonda e a segunda deveria haver um intervalo
para o almoço. A questão é que a
primeira se prolongou para além de seu horário regulamentar e o intervalo de
almoço foi espremido, reduzindo-se a meros vinte minutos. Ocorrência que se tornaria algo comum nos
dias seguintes. Como havia metabolizado um
desjejum substancial e não conhecia um restaurante próximo que dispusesse de
sistema a quilo ou serviço ultrarrápido, acabei dispensando a refeição. Como a maioria não pôde ou não se dispôs a
fazer o mesmo, a primeira mesa-redonda vespertina atrasou um bocado em relação
ao cronograma. Porém, nada que
prejudicasse a vibe positiva que se
espalhou pelos presentes neste primeiro dia completo de Casa Fantástica.
Como não saí para almoçar, aproveitei para conversar um pouco com as
amigas Cristina Lasaitis e Camila Fernandes, que chegaram no meio da mesa-redonda
da manhã. Também travei conhecimento
pessoal com Santiago Santos, pois só o conhecia de Facebook. Ele me contou que já havia lido meu romance
curto de história alternativa Xochiquetzal:
uma Princesa Asteca entre os Incas (Draco, 2009) e que havia escrito um
outro romance fantástico cujo protagonista é um quíchua imortal. Decidi que precisava adquirir esse livro.
Bate-papos nos intervalos:
Santiago Santos, João Beraldo, Ana Lúcia Merege, GL-R e Diego Guerra.
Bate-papos nos intervalos:
Santiago Santos, João Beraldo, Ana Lúcia Merege, Diego Guerra e Mário Bentes.
* *
*
A segunda mesa-redonda do dia (primeira da tarde) foi “A Jornada dos
Mil Heróis: coletivos literários, literatura colaborativa e formação de
leitores”, com os autores Clinton Davisson; Jana P. Bianchi; e Renata Oliveira
do Prado. O quarto participante dessa
mesa, Jim Anotsu não compareceu. Embora
a química entre os três autores e a plateia tenha feito dessa mesa uma das mais
dinâmicas e participativas que já assisti em convenções de literatura fantástica,
a verdade é que se falou pouco de coletivos literários e de literatura
colaborativa. Palestrantes e plateia
concentraram as rajadas de seus termolasers no quesito formação de leitores e
esse único tópico já deu pano para mangas.
Após essa mesa, conversei um pouco com o Beraldo, o Santiago Santos e o
Diego Guerra, que eu ainda não conhecia pessoalmente, sobre estratégias de
hospedagem, deslocamento e sobrevivência ao longo da FLIP 2018.
Mesa Coletivos Literários e Formação de Leitores:
Renata Oliveira do Prado, Clinton Davisson e Jana P. Bianchi.
Mesa Coletivos Literários e Formação de Leitores:
A Fala de Jana.
* *
*
A segunda mesa-redonda da tarde, “Para Além da Muralha: os segredos da
criação de cenários fantásticos”, com os autores Fábio Kabral; João M. Beraldo;
Lu Ain-Zaila; Oscar Nestarez; e Rosana Rios.
Os cinco autores descreveram as estratégias adotadas para a criação de
seus universos ficcionais. Dos cinco, os
conjuntos das obras que eu já conhecia são os de Beraldo e Rosana. Os outros três se revelaram novidades
instigantes. Estou particularmente
interessado em adquirir o primeiro romance de Lu Ain-Zaila, pois a sinopse que
ela apresentou pareceu um bocado legal.
O ônibus de Fábio Kabral se atrasou e ele só logrou chegar no finzinho
da mesa-redonda. Mas, conseguiu se
integrar no clima do evento sem dificuldades.
Mesa Criação de Cenários Fantásticos: João M. Beraldo e Lu Ain-Zaila.
Mesa Criação de Cenários Fantásticos: Rosana Rios e Oscar Nestarez.
Criação de Cenários Fantásticos: mesa completa com a chegada de Fábio Kabral.
Mesa Criação de Cenários Fantásticos: Lu Ain-Zaila e o afrofuturismo de Sankofia.
* *
*
A terceira mesa vespertina foi “Três Não é Demais: sagas e trilogias na
literatura fantástica nacional”, com os autores Ana Lúcia Merege; Marcelo
Pascoalin; e Diego Guerra. Os três
autores discorreram com rara pertinência sobre universos ficcionais estendidos,
partindo dos exemplos clássicos das sagas da Terra
Média de J.R.R. Tolkien e da Canção
de Gelo e Fogo, de George R.R. Martin, para a estruturação de seus
próprios universos ficcionais, todos com mais de dois romances e muito mais por
vir. Do meu ponto de vista, esta foi de
longe a mesa mais interessante desta quinta-feira. Infelizmente, não pude assisti-la e
comentá-la até o fim.
Mesa Universos Ficcionais Estendidos:
Marcelo Pascoalin, Ana Lúcia Merege e Diego Guerra.
Aliás, pouco antes de sair da Casa Fantástica, Priscilla me convidou a
participar da última mesa-redonda da tarde, que começaria às 18h30: “Criaturas
Sombrias: vampiros na literatura made in
Brazil”, com Martha Argel; Ju Land; e Pietra Von Bretch, pois as duas
últimas não compareceriam ao evento. Nem
é preciso dizer o quão entusiasmado fiquei em aceitar o convite. Mas eu digo assim mesmo!J
A propósito, minha defecção ao fim da terceira mesa aconteceu por um
motivo nobre. Saí da Casa Fantástica às
17h30 (a mesa dos universos ficcionais estendidos começara oficialmente às
16h00, na prática meia hora mais tarde) e rumei a pé até a rodoviária para
buscar a Cláudia, que chegaria no ônibus da Costa Verde Rio-Paraty das
18h30. Paranoico como sempre,
superestimei as distâncias e dificuldades para alcançar o terminal rodoviário. A passos rápidos e sob as indicações corretas
de um guarda municipal, acabei chegando à rodoviária às 17h45 e isto após
passar no hostel para desovar minha mochila com notebook, tablet e livros.
Com tempo sobrando, conversei com minha amada ainda em trânsito pelo
WhatsApp e li boa parte do afterword
pomposo do Bernard Wolfe, em que o autor desanca o gênero da ficção científica
ao fim da sua novela que, conquanto bem escrita, não diz ao que veio numa
antologia que se prometia romper com os tabus e preconceitos do gênero. Até agora só cheguei à metade da antologia,
mas, até aqui, Again, Dangerous Visions
está soando um bocado datada. Como os
vinhos que causam impacto quando lançados, mas que, definitivamente, não
envelhecem bem, essa antologia cult me cheira cada vez mais a vinagre…
O ônibus da Cláudia chegou sete minutos adiantado em relação ao horário
previsto (18h30). Tomamos um táxi até
nosso hostel para deixar a mala dela e daqui seguimos a pé até a Casa
Fantástica.
Para minha alegria, a mesa-redonda vampiresca ainda não havia
começado. Priscilla informou que Rosana
Rios e Ana Lúcia Merege também participariam da mesa. Pedi à Cláudia que assumisse nossa câmera
digital.
Sagrada comandante de nossa mesa por nossa líder, Priscilla Lhacer,
Martha Argel passou a palavra a Rosana Rios, que se apresentou e falou de dois
contos com temáticas vampirescas que escreveu sob encomenda, pois, segundo ela,
jamais pensaria em abordar a temática de moto próprio. Em seguida, Ana Merege falou de um conto que
escreveu em seu principal universo de fantasia, no qual abordava um personagem
vampiro. Daí, falei da gênese dos
filhos-da-noite, meus vampiros científicos (no sentido de serem desprovidos de
elementos sobrenaturais) que inseri na linha histórica alternativa dos Três Brasis em 1994, a partir de um
convite do editor francês Jean-Pierre Moumon para escrever um trabalho para uma
edição especial da revista de ficção científica Antàrés que versaria sobre a temática vampírica.
Em seguida, na qualidade de maior especialista em temáticas vampíricas
na literatura fantástica nacional, Martha apresentou um histórico empolgado,
instigante e extenso, quase exaustivo, do seu tema predileto na literatura e no
cinema, desde a novela O Vampiro, de
John Polidori, escrito na segunda década do século XIX, até os vampiros
luminosos, tipo fadinhas, da saga Crepúsculo,
da Stephenie Meyer.
Daí, Rosana detalhou seus dois contos vampíricos, inclusive, lendo
trechos de uma das narrativas. Ana
Merege voltou a comentar seu conto vampírico e se lembrou de um outro, no qual
abordava a mesma temática. De posse da
palavra, detalhei a origem dos filhos-da-noite (meus vampiros darwinianos), mencionei
que me inspirara nos vampiros científicos delineados no romance Fome de Viver (Record, 1984), do Whitley
Strieber, e falei en passant do papel
de Dentes Compridos como agente secreto da República de Palmares, de sua
atuação ao influenciar Bram Stoker na escrita de seu romance vampírico
emblemático, e de seu envolvimento com Jack o Estripador.
Mesa Vampiros Brasileiros:
GL-R, Martha Argel, Ana Lúcia Merege e Rosana Rios.
Mesa Vampiros Brasileiros:
GL-R advoga a favor do vampirismo científico sob o crivo da expert Martha Argel.
* *
*
Finda a última mesa-redonda desta quinta-feira, eu e Cláudia cogitamos
jantar na própria Casa Fantástica, mas acabamos optando por abrir mão dos dois
eventos derradeiros previstos para esta noite (o lançamento da tradução de um
romance estrangeiro e o coquetel de uma editora) em prol de um passeio a pé pelo
centro histórico de Paraty, coisa que já havíamos feito diversas vezes durante
o dia, mas nunca sob a Lua Cheia. Em
seguida, regressamos ao nosso quarto no Be-Happy e degustamos de um Salton
Desejo 2012, acompanhado por um honesto queijo padrão adquirido no bom e velho
Queijeiro da Muda.
Hostel Be-Happy, Paraty, 26 de julho de 2018
(quinta-feira).
Dia 03 — 201807270630P6 — 21.203 D.V.
“Você até que
escreve bem, mas não tão bem quanto imagina.”
Acordamos nesta sexta-feira por volta das 06h30 e, enquanto não dava a
hora do desjejum, baixei a edição digital do jornal e transferi as fotos e
filmes da nossa câmera para o disco rígido externo do notebook. Os filmes que a Cláudia fez com a câmera
sobre minhas participações na mesa-redonda dos vampiros brasileiros ficaram
bons. Porém, o segundo, com mais de sete
minutos e 1,1 GB, ofereceu forte resistência para se deixar transferir. Quando percebi que o problema era a
dificuldade do software da câmera em gerenciar um arquivo tão grande, consegui
efetuar a transferência, retirando o cartão de memória e inserindo-o direto na
porta apropriada do notebook.
O café da manhã foi semelhante ao do dia anterior. Desta vez também tinha iogurte, item de que
senti falta ontem.
* *
*
Só conseguimos sair do hostel às 11h15, quarenta e cinco minutos após o
início da mesa-redonda “Literatura e Afrofuturismo: a força do lado negro”, com
Fábio Kabral; Glória Celeste de Brito; Lu Ain-Zaila; e Waldson de Souza. Essa parece ter sido a mesa mais concorrida
da Casa Fantástica até agora. Chegando
atrasados, não conseguimos permanecer sequer na área de exposição de livros, situada
na varanda atrás do salão das mesas.
Daí, migramos para o jardim aos fundos da casa, onde encontramos
Santiago Santos e Ian Fraser, que eu ainda não conhecia pessoalmente. Pouco depois chegaram João Beraldo, Alexandre
Mandarino e a namorada Leandra Lambert; Cristina Lasaitis; Camila Fernandes; e
Ana Rusche.
Enquanto conversávamos sobre inclusividade na literatura fantástica,
antologias brasileiras e gringas, eróticas ou não, e as pretensas propensões
etílicas de Hilda Hilst (e a indignação de Ana Rusche com esse boato infame), a
grande homenageada desta FLIP 2018, nossa comandante suprema, Priscilla Lhacer,
informou-me que eu havia sido escalado para a próxima mesa-redonda, sobre
antologias, em função do não comparecimento de Gianpaolo Celli e Marina Ávila.
Ciente e propenso. Missão dada, missão aceita e, quem sabe, missão
cumprida.
Bate-papos nos intervalos:
Oscar Nestarez, GL-R , Ian Fraser e Diego Guerra.
Bate-papos nos intervalos:
Santiago Santos, Camila Fernandes, Rodrigo Van Kampen e GL-R.
Bate-papos nos intervalos:
Santiago Santos, Andriolli Costa, GL-R, Cristina Lasaitis e Rodrigo Van Kampen.
* *
*
Desta forma, por volta de 13h15, começou a mesa-redonda “Coletâneas no
Brasil: oportunidades e desafios das edições colaborativas”, com os membros
originais Rodrigo van Kampen, editor da Trasgo,
e Mário Bentes, publisher da Lendari;
e os membros convocados: eu e Jana P. Bianchi.
Rodrigo e Jana falaram das revistas digitais que editam, Trasgo e Mafagafo, respectivamente, enquanto eu e Mário falamos das
antologias que organizamos. Em comum, a
rejeição sem apreciação do mérito de originais mal escritos, daqueles que não
observam as guidelines e dos escritos
de autores que se consideram os gênios da raça, quando, na verdade, tudo o que
se exigia deles era que fossem contadores de histórias razoáveis.
Quando o assunto alcançou a questão de como tratar com autores
talentosos com egos hiperinflados, não resisti a resgatar uma velha máxima que
já não emprego há quase quinze anos: “Você
até que escreve bem, mas não tão bem quanto imagina”.
Mesa Antologias & Revistas:
Rodrigo Van Kampen, Jana P. Bianchi, GL-R e Mário Bentes.
* *
*
No intervalo entre a primeira e a segunda mesas vespertinas, adquiri um
exemplar do romance Na Eternidade é Sempre
Domingo (Carlini & Caniato, 2016), de Santiago Santos, pago junto com
um café expresso consumido ontem e uma capivodka duca preparada pelo Eduardo,
parça da Priscilla. Santiago adquiriu um
exemplar autografado do meu romance de ficção científica e história
alternativa, Estranhos no Paraíso
(Draco, 2015).
Daí, quando regressei à sala das mesas para assistir a “Do Conto ao
Livro: experiências de escrita e desenvolvimento do texto”, com Alexandre
Mandarino; Camila Fernandes; Priscilla Matsumoto; e Santiago Santos, as
cadeiras, assentos e sofás do aposento já estavam totalmente ocupadas. No entanto, como a mesa se revelava pedaçuda,
comecei a assisti-la em pé lá no fim da sala, até que plotei um espaço vago em
plena fila do gargarejo e, segundo Mandarino, me teletransportei para lá. Essa mesa de autores abordando seus processos
criativos se revelou uma das mais interessantes desta sexta-feira.
Mesa Desenvolvimento do Texto:
Panorama geral.
Mesa Desenvolvimento do Texto:
Alex Mandarino, Camila Fernandes, Priscilla Matsumoto e Santiago Santos.
* *
*
A mesa-redonda mais compenetrada, com menor público presente (não que
houvesse assentos vagos, mas é que foi a única em que não houve uma multidão de
pé em volta da sala) e, no entanto, a mais instigante desta tarde de
sexta-feira, foi “Cidadania Fantástica: formação política na ficção científica
e na fantasia”, com moderação de Sabine Mendes Moura e participação de Antonio
Luiz M.C. Costa; Ana Rusche; Cláudia Pucci Abrahão; e Nikelen Witter. A melhor mesa da tarde falou desde o mito de
Gilgamesh e a Ilíada (Antonio) até o
emprego de Frankenstein e O Senhor dos Anéis em sala de aula
(Nikelen); das preocupações políticas com o futuro da nação, passando por
colocações pertinentes, engajadas e pungentes de Ana Rusche e Cláudia Abrahão.
Pouco antes do fim dessa terceira mesa-redonda vespertina, ausentei-me
da Casa Fantástica para vagar brevemente para um lado e outro da Rua Doutor
Samuel da Costa, em busca de um avistamento da Lua Vermelha, fenômeno típico do
eclipse lunar que ocorreu no fim desta tarde na região sudeste do Brasil. Por volta das 17h40, ao caminhar pelas
vizinhanças da Casa Fantástica, não avistei a efeméride astronômica.
Mesa Cidadania Fantástica:
Antonio Luiz M.C. Costa, Ana Rusche, Cláudia Pucci Abrahão e Nikelen Witter.
Mesa Cidadania Fantástica:
Moderadora Sabine Mendes Moura.
* *
*
Após a terceira mesa-redonda, me reencontrei com Cláudia com o intuito
tácito de tentar observar o auge do eclipse lunar. Em companhia de Ana Lúcia Merege, João
Marcelo Beraldo e Clinton Davisson, seguimos até a praia pela Samuel da Costa e,
à beira de um manguezal, gozamos do privilégio de contemplar um belo eclipse
lunar, com Lua Vermelha e tudo o que tínhamos direito.
No regresso às cercanias do Largo do Rozário, paramos numa barraquinha
para comprar um escondidinho de carne-seca para mim, pois eu não comera nada
desde o café da manhã.
Daí, passamos direto pela Casa Fantástica, rumo ao nosso hostel para
atender certos chamados da natureza.
Quando enfim regressamos a nossa casa máter, a quarta e última mesa-redonda
vespertina, “Saindo do Papel: os caminhos da publicação”, com Anna Martino;
Charlene Santos; Gisele Mirabai; a jovem autora draconiana Karen Álvares; e Má
Matiazi. Infelizmente, devido ao excesso
de público, não foi possível se aproximar da sala das mesas para assistir esse
evento.
Eclipse lunar sobre o manguezal 1.
Eclipse lunar sobre o manguezal 2.
* *
*
Após a última mesa-redonda, deu-se a tão aguardada noite de autógrafos
da Casa Fantástica. Confesso que não
estava lá muito animado para o evento, pois, tendo acordado às 06h30 e só tendo
comido o tal escondidinho desde o desjejum, sentia-me um tanto combalido.
Contudo, do meu ponto de vista, o que salvou o evento, foi a ideia
simples, do tipo ovo de Colombo, da jovem autora Carolina Mancini de convocar
os autores para uma mesa informal para falar dos seus trabalhos que estavam
sendo (re)lançados na Casa Fantástica da FLIP 2018.
Assim, eu, João M. Beraldo; Melissa de Sá; Camila Fernandes; Filipe
Laredo; Carolina Mancini; e o jovem autor Daniel Renatini falamos dos nossos
trabalhos que se encontravam à disposição dos leitores na Casa Fantástica. Melissa, Camila, Carolina e Daniel optaram
por ler trechos de seus últimos livros.
Desses, o que mais me impressionou foi o romance da Melissa. Decidi comprá-lo junto com o segundo e último
romance dessa narrativa ficcional no início de agosto, quando comparecer ao
estande da Draco por ocasião da Bienal do Livro de São Paulo dentro em duas
semanas.
Eu e Beraldo preferimos não ler trechos de nossos trabalhos. Filipe Laredo escalou Oscar Nestarez para ler
um trecho de seu livro. No meu caso,
falei dos dois romances ambientados no universo ficcional Tramas de Ahapooka: A Guardiã da Memória (Draco, 2011) e Octopusgarden (Draco, 2017).
Tentei detalhar em poucas palavras a dinâmica ficcional do planeta Ahapooka
e os enredos dos romances em si. Em
seguida, falei muito brevemente da coletânea Contos de Ficção Científica por Carla Cristina Pereira (Draco, 2012)
e das motivações de Carla; do romance fix-up, Aventuras do Vampiro de Palmares (Draco, 2014); das antologias Como Era Gostosa a Minha Alienígena
(Ano-Luz, 2002) e Solarpunk (Draco,
2012); do meu romance de ficção científica & história alternativa, Estranhos no Paraíso (Draco, 2015); e de
meu trabalho não-ficcional, História do
Vinho no Mundo Romano (MauadX, 2016).
Mesa Lançamentos:
GL-R, Daniel Renatini, Camila Fernandes, Melissa de Sá, João Beraldo e Carolina Mancini.
Mesa Lançamentos:
Camila Fernandes se assusta com as Tramas de Ahapooka.
Um pouco de Tramas de Ahapooka.
GL-R e Alexey Dodsworth na varanda da Casa Fantástica.
* *
*
Após essa mesa-redonda de lançamento, seguimos para o jardim da casa,
onde se daria o lançamento em si. Ali
vendi outro exemplar do Estranhos no
Paraíso, para o Ian Fraser, que ainda me presenteou com um exemplar
autografado de seu romance Araruama: o
Livro das Sementes (Moinhos, 2017).
Prioridade triplo zero na fila de leitura.
Tirei algumas fotos não só com o Ian, mas também com o Alexey
Dodsworth, e conversei bastante com Ana Merege. Revi o autor Jim Anotsu, que só conseguiu
chegar hoje à noite. Amanhã de manhã,
ele deverá se integrar à mesa-redonda sobre história alternativa e romances
históricos da qual participarei às 10h30.
Por volta das 22h00, despedi-me dos amigos chegados e declinei do
convite para jantar em prol do regresso célere ao hostel para trabalhar nesta
crônica e descansar nossas carcaças cansadas.
Claro que, como ninguém é de ferro, degustamos um La Roncaia Fusco 2015,
com um queijo padrão que trouxemos do Rio.
Daí, lembrei-me da Cláudia Fusco, outra participante da mesa de história
alternativa amanhã.
Hostel Be-Happy, Paraty, 27 de julho de 2018 (sexta-feira).
Dia 04 —
201807282240P7 — 21.204 D.V.
“Não é que
seu conto seja politicamente incorreto.
Ele está cientificamente incorreto.”
Acordamos às 07h00 neste sábado em Paraty sob a égide da deusa FLIP. Fizemos o desjejum e em seguida regressei ao
nosso quarto para reler a versão impressa do PowerPoint da minha participação
na mesa-redonda de história alternativa, pois já sabia que não seria possível
projetá-la na sala das mesas da Casa Fantástica.
Cheguei à casa às 09h20, em tese vinte minutos atrasado para a palestra
“Uma Odisseia no Tempo e no Espaço: Arthur Clarke e a ficção científica como um
exercício ético de antecipação”, a ser proferida por Alexey Dodsworth. Para minha surpresa, encontrei a casa
fechada. Algo preocupado (autor de FC
nessas horas sempre fica pensando se não foi parar numa realidade alternativa
qualquer onde a ocorrência de uma Casa Fantástica em Paraty continuava sendo
uma impossibilidade física), bati à porta e, após algum tempo, uma Cris
Lasaitis igualmente surpresa vem abri-la para mim, convidando-me a entrar. Por sua fisionomia alerta, percebi que,
felizmente, não a havia acordado. Perguntei
pela palestra e ela respondeu que achava que ela havia sido cancelada ou
transferida.
Minutos mais tarde, Priscilla acordava e confirmava o cancelamento da
palestra.
Não lamentei o desencontro.
Pois, com o tempo livre inesperado, resolvi dar uma última lida na cópia
do PowerPoint da minha apresentação.
* *
*
Dos outros participantes da mesa matutina, “História Alternativa e
Ficção Histórica: recriar o passado, reinventar o futuro”, Fábio Fernandes já
confirmara a ausência (a estratégia da teleconferência caiu por terra face à
debilidade do WiFi) e o historiador Miguel Sanches Neto não deu sinais de
vida. A pesquisadora de ficção
científica Cláudia Fusco chegou às 10h20.
Como havia mencionado, Priscilla havia escalado Jim Anotsu para compor a
mesa, mas até o início da mesma, ele não havia dado as caras na Casa
Fantástica.
Pontualmente às 10h30, eu e Cláudia nos apresentamos à plateia e
começamos a falar sobre história alternativa.
Desde o começo, rolou uma química muito legal entre a Cláudia e eu. Inicialmente, conceituamos a história alternativa
como um subgênero da ficção científica.
Em seguida, apresentamos os três tipos de narrativas que se confundem
com a história alternativa sem de fato sê-lo: as ficções científicas com
pinceladas e insinuações de H.A.; as histórias ocultas e as ficções
alternativas. Daí, falamos sobre os
precursores do subgênero na literatura lusófona e então apresentamos um
panorama sumário dos trabalhos de história alternativa publicados no Brasil e
em Portugal nas últimas duas décadas.
Enfim, falamos de steampunk e, como não podia deixar de ser, abordamos a
gênese e a natureza da triantologia punk da Draco (Vaporpunk; Dieselpunk; e Solarpunk).
Ao longo da nossa apresentação, a plateia interveio com perguntas e
comentários para lá de pertinentes. De
vez em quando, quando uma ou outra questão derivava para as H.A. de outros
países, respondíamos a dúvida pontual e tentávamos trazer o assunto de volta
para as narrativas lusófonas. Quase ao
fim da mesa, Jim Anotsu apareceu e deu o seu recado, falando de um romance de história
alternativa que está escrevendo, cujo ponto de divergência seria a derrota das
forças portuguesas na Revolta dos Malês em Salvador em 1835, que resulta no
advento de um estado islâmico utópico em uma ilha do litoral do Brasil.
Esta mesa pedaçuda durou quase duas horas. Ao término da mesa-redonda, comprometi-me a
fazer o download do PDF da apresentação que preparava e do arquivo digital de
meu livro Cenários de História
Alternativa.
Mesa Histórias Alternativas: Cláudia Fusco e GL-R.
Mesa Histórias Alternativas: Panorama geral.
Mesa Histórias Alternativas: Cláudia Fusco, GL-R e Jim Anotsu.
* *
*
Após essa mesa primeira mesa de sábado, eu e Cláudia Quevedo saímos
para almoçar num restaurante próximo, acompanhados pela Ana Lúcia Merege. Caminhamos pela Doutor Samuel da Costa até a
esquina da Tenente Francisco Antônio, onde dobramos à esquerda, rumo ao
restaurante a quilo em que Cláudia havia almoçado ontem, mas, ao chegar lá,
deparamo-nos com uma fila imensa. Então,
recuamos pelo caminho que havíamos percorrido e encontramos o Ristorante Corto,
um estabelecimento de cozinha italiana com preços razoáveis. Cláudia e Ana Merege dividiram um prato de
carne e massa, enquanto eu pedi um spaghetti
alla carbonara, regado por um Trapiche Malbec, cuja sobra da garrafa eu
levaria de volta para o hostel. A
conversa durante o repasto girou em torno das revisões de textos, nossos e
alheios, e sobre os enredos de uma série de contos interligados que a Ana
escreveu num universo ficcional em que um comandante de uma nau cartaginesa e
seu belo efebo grego viajam no tempo sobre os auspícios de uma clepsidra
mágica. Infelizmente, por conta desse
almoço mais slow-food do que
pretendíamos, perdemos a primeira mesa vespertina deste sábado, “Não Verás
Futuro Nenhum: distopia como metáfora do hoje e do amanhã”.
Regresso do almoço no Ristorante Corto.
De volta do almoço, assistimos a mesa-redonda das 14h30, “Estereótipos,
Representatividade e Voz: a construção da personagem fantástica”, com Carol
Chiovatto; Clara Madrigano; Débora Hepp; e Johann Heyss. O quinto participante dessa mesa, Eduardo
Peret, não compareceu. Valendo-se de
suas próprias experiências como leitores, autores e, em alguns casos, como
editores, os quatro participantes da mesa apresentaram suas visões da questão
da representatividade nas narrativas fantásticas. Mais uma mesa cuja riqueza temática daria
assunto para um seminário inteiro. A
plateia participou ativamente, porém, a animação era tamanha que, em certas
ocasiões, acabou dominando a fala, praticamente negando a palavra aos integrantes
da mesa. No entanto, nada que
atrapalhasse demasiado o andamento da conversa.
Embora cada mesa tenha sua dinâmica própria e a Casa Fantástica tenha assumido
desde o início, de forma mais ou menos tácita, a postura de informalidade
salutar, com as mesas-redondas sem mesa e a plateia acomodada em sofás,
cadeiras de plástico ou almofadas espalhadas pelo chão (e, quando a coisa
bombava, o resto da multidão de pé ao fundo da sala ou enfiando os pescoços
janelas adentro), bem mais condizente ao clima desta cidadezinha histórica e
pitoresca, do que o clima sisudo e algo acadêmico relatado em outras Casas,
essa mesa em particular foi uma das mais animadas dentre as que consegui
assistir e/ou participar. Em termos de diversidade
e inclusão social, não se limitou aos lugares-comuns das inclusões racial,
feminina e das minorias sexuais, falando também, ainda que por instigação da
plateia, da inclusão de personagens portadores de deficiência física e até dos canhotos.
No intervalo entre essa mesa e a seguinte, aproveitando a proximidade
entre nosso hostel e a Casa Fantástica, demos um pulinho até lá para deixar a
mochila e fazer um pipi técnico.
Mesa Representatividade: Johann Heyss, Clara Madrigano, Débora Hepp e Carol Chiovatto.
* *
*
Regressei ainda no início da mesa que em tese começaria às 16h00, “Do
Dragão à Mula Sem Cabeça: literatura fantástica à brasileira”, com Andriolli
Costa; Felipe Castilho; Sarah Helena; Ian Fraser; e João M. Beraldo. Uma mesa que destacou a importância do folclore
como fonte de narrativas fantásticas.
Capitaneada por Andriolli e Castilho, mas com participações cruciais dos
outros três membros e manifestações relevantes da plateia, em minha opinião,
essa mesa conseguiu provar seu ponto principal: folclore é coisa séria e
precisa ser encarado com tal.
Destaque especial para Felipe Castilho, sempre um magnífico contador de
histórias, na descrição de uma experiência real de Cacá, uma criança esquálida
de um acampamento do MTST da periferia da capital paulista (mas poderia ter
sido perfeitamente de uma favela carioca ou de um vilarejo desolado da caatinga
nordestina), que incorporou o espírito xamânico do contador de histórias
primordial para distrair e iluminar os outros meninos de sua comunidade. Fantasia inspiradora da vida real.
Ao fim dessa mesa, autografei um exemplar do Aventuras do Vampiro de Palmares para o Jim Anotsu.
Mesa Folclore e Fantasia:
Andriolli Costa, Sarah Helena, Felipe Castilho, Ian Fraser e João Beraldo.
* *
*
A última mesa-redonda deste sábado e também de toda a Casa Fantástica
foi a de 18h30, “Ficção Científica e Inovação Tecnológica: a relação entre a
imaginação e a ciência”, com Alexey Dodsworth; Cristina Lasaitis; Lady Sybylla;
e Lídia Zuin. Segundo Priscilla Lhacer
falou na apresentação dessa mesa, a proposta inicial foi reunir ficcionistas
que também são ou foram produtores de conteúdo científico ou tecnológico. Neste sentido, por suas formações, carreiras
e militâncias literárias na ficção científica dita “hard”, creio que os quatro
participantes atenderam e superaram as expectativas da plateia. Lídia se apresentou como profissional na área
de futurologia empresarial; Sybylla possui formação em biologia e trabalha com
fósseis de plantas do Mesozoico; Cristina é biomédica com segunda graduação em
letras; e Alex é mestre em filosofia e doutorando na área do
transumanismo. Conheço boa parte da
produção literária dos dois últimos autores e, portanto, posso atestar sua
qualidade, colocando a mão no fogo sem luva de amianto ou receio de me
queimar. Da Lídia, não conheço tanta
coisa assim, mas selecionei os contos “Santíssima Magdalena”, publicado na
antologia Erótica Fantástica 1
(Draco, 2013) e “Ad Finem Fidelis”, que será publicado na antologia de
histórias alternativas que organizei essa mesma editora, A História é Outra… Da
Sybylla ainda não li nada, mas remediarei esta lacuna nos próximos dias e
semanas.
Os participantes da mesa enfatizaram que a ficção científica não tem o
papel de prever ou profetizar o futuro, não obstante o fato de, como Lídia bem frisou,
vários escritores, como Bruce Sterling e Allen Steele, atuarem como consultores
da NASA ou de empresas produtoras de conteúdo tecnológico. Alexey falou dos perigos e possibilidades dos
avanços científicos e tecnológicos na área biomédica, exemplificando com seu
caso pessoal de correção de catarata precoce.
Sybylla insistiu na necessidade de um patamar mínimo de plausibilidade
científica nas narrativas de FC, citando, inclusive, alguns exemplos de erros crassos
hilários, identificados em submissões que passaram por seu crivo.
Para mim essa foi a mesa-redonda mais legal, porque os participantes
externaram preocupações e ideias que eu comungo e pelas quais já me bati em
inúmeras campanhas gloriosas e inglórias.
Também, pelo fato de os componentes dessa mesa escreverem justamente o
tipo de literatura fantástica que eu mais gosto de ler e que mais aprecio
escrever.
A plateia participou com entusiasmo da apresentação da mesa, com
perguntas e intervenções pertinentes e inspiradas. Quando Sybylla falou das marcas de urina
fósseis produzidas pela micção de um dinossauro, o assunto da “saurologia”
dominou inteiramente os espíritos da mesa e da plateia, culminando no ponto
alto da noite, em que um garoto de uns oito ou dez anos levantou uma questão
técnica sobre as diferenças nos formatos e posições dos quadris de dinossauros
ornitisquianos (cintura pélvica semelhante à das aves) e saurisquianos (cintura
pélvica semelhante à dos répteis), dúvida que Sybylla não só esclareceu com
competência, como ainda explicou o cerne da questão para o restante da plateia.
Ao fim da mesa, Alexey prestou um agradecimento a Priscilla Lhacer em
nome de todos os participantes e espectadores que circularam ou viveram na Casa
Fantástica nestes últimos quatro dias.
Não sei quanto aos outros, mas me senti um pouco triste com o fim desta
experiência mágica que vivenciei nestes dias no centro histórico dessa
simpática cidadezinha praiana do sudoeste fluminense.
Mesa FC & Inovação Tecnológica:
panorama geral.
Mesa FC & Inovação Tecnológica:
Alexey Dodsworth, Cristina Lasaitis, Lady Sybylla e Lídia Zuin.
* *
*
Finda a última mesa-redonda, os presentes na Casa Fantástica se dirigiram
ao jardim traseiro onde se daria a festa a fantasia. Nesta hora, eu e Cláudia saímos rumo ao restaurante
Banana da Terra, situado na própria Doutor Samuel da Costa, já próximo ao
manguezal costeiro, onde havíamos assistido o eclipse lunar na véspera.
Como o restaurante superrecomendado por nossos amigos Vívian Araújo
& Lissandro da Rocha estava lotado e com fila de espera estimada em
cinquenta minutos, batemos retirada para um estabelecimento mais simples, onde
jantamos frango (Cláudia) e bife (eu).
De volta à Casa Fantástica, batemos mais um papo com alguns amigos, tirei
fotos com a Jana Bianchi, fantasiada de astronauta, e com a Cláudia Fusco,
fantasiada de hobbit, recolhemos os livros que eu levara e nos despedimos dos
presentes, retornando então para o hostel.
Em meio às despedidas, vendi um exemplar do A Guardiã da Memória e um do Octopusgarden
à Ana Rusche, que recebeu um exemplar da Como
Era Gostosa a Minha Alienígena! de cortesia. Também aproveitei o ensejo para conversar um
pouquinho com a Lady Sybylla, que, inclusive me contou qual é o seu nome de
verdade. Naturalmente, não divulgarei
tal informação, exceto para revelar que gosto desse nome a ponto de já ter batizado
uma protagonista com ele!J
Ao recensear os livros que pusera à venda no estande da Casa
Fantástica, descobri que as vendas haviam sido muito melhores do que eu
esperava em meus sonhos mais otimistas.
Vendi onze livros ao todo: um exemplar da coletânea Histórias de Ficção Científica por Carla Cristina Pereira; dois da
antologia Solarpunk; dois do romance
fix-up Aventuras do Vampiro de Palmares;
dois do romance de FC erótica A Guardiã
da Memória; três do romance de FC & história alternativa Estranhos no Paraíso; e o único exemplar
do romance de FC Octopusgarden que
levei. Só não compraram exemplares do
meu livro não ficcional, História do
Vinho no Mundo Romano. Três
exemplares da antologia de contos eróticos fantásticos Como Era Gostosa a Minha Alienígena! (Ano-Luz, 2002) foram
ofertados como cortesia para quem comprou mais de um exemplar dos outros sete
títulos. Estoque esgotado no evento: Solarpunk; Aventuras do Vampiro de Palmares; e Octopusgarden. Voltei com a
mala muito menos pesada do que cheguei a Paraty.
Hostel Be-Happy, Paraty, 28 de julho de 2018 (sábado).
Dia 05 —
201807291715P1 — 21.205 D.V.
“Chegamos pra
ficar e pode meter seu ego no rabo.”
[João Marcelo
Beraldo]
Acordamos hoje às 07h00, descemos para o último desjejum no Be-Happy e
voltamos ao quarto nº 2 para concluir a arrumação das malas e nos prepararmos
para a viagem de volta para o Rio.
Descemos às 10h00 e pedimos à Rafaela que ligasse para o ponto de táxi
da rodoviária, solicitando um veículo para nós.
Fizemos isto, mais por causa das nossas malas, pois, como já havia
comprovado na quinta à tarde, a rodoviária dista menos de dez minutos a pé do
hostel. O táxi chegou em dez minutos e
em outros cinco desembarcávamos no terminal rodoviário.
Às 10h40 embarcamos em nosso ônibus e partimos pontualmente às 10h50,
só para regressar à rodoviária às 11h00 para pegar uma senhorinha que chegara
um minuto atrasada e perdera o ônibus. Enfim,
foi por uma boa causa. Partimos outra
vez e fizemos uma viagem tranquila. A
parada de praxe se deu numa lanchonete de beira de estrada no município de
Itacuruçá, onde comi um salgado de salsicha empanada apetitoso mas nem um pouco
saudável e Cláudia se satisfez com uma porção de pães de queijo.
Leitura de bordo: edição digital de sexta-feira de O Globo e os capítulos 19, 20 e 21 da Fantástico Brasileiro: o insólito literário, do Romantismo ao
Fantasismo.
Às 15h20 chegávamos sem problemas à Rodoviária Novo Rio. Dali tomamos um táxi pré-pago para casa. Mais caro, porém com garantia antibandalha. Quinze minutos mais tarde, chegávamos ao
nosso doce lar.
* *
*
Epopeia concluída com êxito, é chegado o momento de fazer um balanço da
minha experiência pessoal nesta conquista heroica de Paraty pela comunidade de
literatura fantástica brasileira, operação militar bem-sucedida graças ao
empenho de muitos, mas, sobretudo, ao denodo e à visão de nossa generala,
Priscilla Lhacer.
Em primeiro lugar, a hospedagem: situado cerca de cem metros da Casa
Fantástica, em termos de localização, o hostel Be-Happy se revelou a estratégia
perfeita, a ponto de, quando os banheiros da casa estavam ocupados, nós dávamos
um pulinho lá no hostel para um pipi-stop e, cinco minutos depois, já estávamos,
lépidos e faceiros, de volta às pistas, quero dizer, à lida literária.
A experiência de levar a literatura fantástica brasileira em geral e a
ficção científica e a história alternativa brasileiras em particular à FLIP
2018 representou a concretização de um velho sonho para mim e, aposto, para
muitos de nós.
O clima informal e o alto astral dos participantes e da plateia foram
fundamentais para o êxito do evento. Do
meu ponto de vista, posso afirmar tranquilamente sem o menor exagero que foi a
melhor convenção de literatura fantástica que já assisti e participei no Brasil
ou no exterior, tanto pela intensidade da interação entre as pessoas quanto
pelos temas abordados nas mesas-redondas e, sobretudo, os novos enfoques
apresentados pelos participantes dessas mesas.
O bom-humor, a tolerância e o empenho para que tudo desse certo, foram
as tônicas dessa primeira Casa Fantástica.
Se muitos não puderam comparecer ou chegar a tempo, por falta de
passagens, ou porque não encontraram hospedagem (alguns se sacrificaram em
viagens de bate-e-volta, chegando em Paraty pela manhã e partindo à tardinha),
outros, convocados por nossa líder, ergueram-se para ocupar seus lugares.
Agora, é torcer para que no ano que vem haja mais e que o evento se
torne anual. No que depender de mim, em
julho de 2019 estarei lá.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 29 de julho de 2018
(domingo).
Participantes:
Alexandre
Mandarino
Alexey
Dodsworth
Ana Lúcia
Merege
Ana Rusche
Andriolli
Costa
Antonio Luiz
M.C. Costa
Barbara
Prince
Berenice Young
Camila Fernandes
Carol Chiovatto
Carolina Mancini
Clara Madrigano
Cláudia Fusco
Cláudia Pucci Abrahão
Cláudia Quevedo Lodi
Clinton Davisson
Cristina
Lasaitis
Daniel
Renatini
Débora Happ
Diego Guerra
Fábio Kabral
Felipe
Álvares
Felipe
Castilho
Filipe
Laredo
Gerson
Lodi-Ribeiro
Ian Fraser
Jana P.
Bianchi
Jim Anotsu
João M.
Beraldo
Johann Heyss
Karen
Álvares
Kyanja Lee
Lady Sybylla
Leandra
Lambert
Lídia Zuin
Lu Ain-Zaila
Marcelo
Pascoalin
Mário Bentes
Martha Argel
Melissa de
Sá
Nikelen
Witter
Oscar
Nestarez
Priscilla
Lhacer
Priscilla
Matsumoto
Renata Oliveira
do Prado
Rosana Rios
Sabine
Mendes Moura
Santiago
Santos
Sarah Helena
Extenso, vivaz e completo como sempre. Me senti lá mesmo sem nunca ter ido a Paraty, e já estamos meio que "mal" acostumados com as crônicas. Muita saudosa gente conhecida e gente nova que gostaria de conhecer no buchicho. Espero conseguir ir no ano que vem (neste aconteceu desde gripe, preparativos da minha viagem ao México agora dia 5, e até de eu quebrar a armação de titânio do meu óculos na antevéspera da Flip).
ResponderExcluirVocê teria gostado, Ricardo França!
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