Mostra de ficção científica de Macaé 2012
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[Rogério, malabarista do volante macaense]
No início da tarde de ontem saí da Prefeitura mais cedo num périplo estadual que me fazia chegar — muitas aventuras e alguns cabelos brancos mais tarde — à próspera cidade de Macaé para participar de mais um lançamento da antologia Space-Opera (Draco, 2011), no bojo da Primeira Mostra de Ficção Científica de Macaé, abrigada no Solar dos Melos.
* * *
Conforme combinado, encontrei o antologista Hugo Vera na Rodoviária Novo Rio. Seu ônibus se atrasou quase meia hora em relação ao horário previsto das 13:00h, por conta de uma blitz da Polícia Rodoviária Federal. A se crer em meu amigo, os agentes estavam atrás de uma remessa de armamento pesado despachado pelo Presidente Clinton em nome do Comando de Stormtroopers Imperiais. Embora naturalmente não tivesse nada a ver com o contrabando de armas de destruição em massa de tecnologia galáctica, nosso herói Huguinho foi severa e entusiasticamente vasculhado em todos os seus orifícios por agentes ávidos por encontrar o tal armamento nos recônditos das anatomias dos passageiros.
Antes do ônibus do Hugo chegar, estabeleci contato com o motorista Rogério e as passageiras Flávia e Ana Luiza, esta última trazida de Macaé até o Rio para uma consulta com um oftalmologista. Quando Huguinho desembarcou, fomos os cinco para a van da Prefeitura de Macaé, rumando da Novo Rio para o Aeroporto Internacional do Galeão, a fim de buscar Marcelo Jacinto Ribeiro, outro autor participante da antologia. Ainda na rodoviária, ao perceber que Huguinho esquecera de trazer o banner da Space-Opera que esteve presente no lançamento carioca, lembrei que também esqueci os oito exemplares da antologia Como Era Gostosa a Minha Alienígena! que havia prometido ao Clinton. Enfim... maldito alemão!
Quase chegando ao Galeão, recebi uma ligação do Clinton Davisson, organizador da mostra de FC, para informar que o voo do Marcelo iria atrasar em pelo menos uma hora. Uma vez no aeroporto, cumpriu convencer Rogério a parar sua van no estacionamento pago. Alegando não ter dinheiro, ele insistia em parar o veículo debaixo de um viaduto próximo. Prevendo o desencontro quase certo que implicaria em atraso ainda maior, sobretudo porque celular não costuma ter sinal debaixo de viaduto, falei que parasse no estacionamento, comprometendo-me a pagar a despesa. Subindo de elevador do estacionamento para o setor de desembarque, deparamo-nos com um pavilhão deserto, inteiramente desprovido de lojas, mobiliário e pessoas, com um tremendo ar de aeroporto-fantasma que nos lembrou bastante do The Langoliers, inspirado na noveleta de Stephen King. Enfim, para alívio geral, atingimos um setor habitado do Galeão.
Com aterragem prevista para 14:43h, o voo da Azul procedente de Campinas pousou no Rio de Janeiro por volta das 16:00h. Felizmente, Marcelo trouxe apenas bagagem de mão, de forma que não precisou aguardar a liberação das malas na esteira de bagagem. Tal prova de vivacidade não o livrou dos apupos gerais, pela insistência em vir de avião e pelo atraso que nos impôs. Quando descemos ao estacionamento, as duas garotas macaenses já pareciam impacientes e nosso motorista francamente desesperado. A situação não melhorou nem um pouco quando nossa van entalou na guarita do estacionamento, lá permanecendo por cerca de quinze minutos perdida numa série de manobras infrutíferas, com Rogério mostrando seu lado General Urko, até que finalmente logramos nos evadir do aeroporto. Conforme combinado, eu, Huguinho e Marcelo fizemos uma vaquinha para pagar o estacionamento.
Do Galeão, seguimos pela Linha Vermelha até a Ponte Rio-Niterói que, em virtude do adiantado da hora, começava a engarrafar. Ao longo de toda a manobra de guerra da Novo Rio até Macaé, troquei coisa de trinta ligações de celular com Clinton para informar nossas posições. As contas de nossas operadoras vão arder no mês que vem.
Cruzada a ponte, seguimos para Macaé via BR-101, com uma última parada em Manilha para pegar Alessandro Tuze e outros três membros do Império Comando Rio de Janeiro, um fã-clube uniformizado de Star Wars. Já anoitecia quando partimos de Manilha, enfim direto para Macaé. Esse último e mais longo trecho da viagem foi sem dúvida o mais emocionante, no mau sentido. Inteiramente furioso com os atrasos sucessivos e, portanto, já convertido de Urko em Incrível Hulk, nosso motorista-psicopata tentava compensar o avançado da hora com barbeiragens dignas de filme de ação norte-americana. A única coisa chata é que, por questão de orçamento, não dispúnhamos de dublês. Essa corrida maluca atingiu seu auge quando Rogério empreendeu a ultrapassagem de um caminhão pela contramão numa curva fechada. Quando emparelhamos com o caminhão fomos iluminados pelos faróis altos de outro caminhão que avançava a toda em sentido contrário. Ana Luiza gritou, uma voz feminina baliu um trecho de oração lá atrás, enquanto eu me limitei a me agarrar no encosto do banco da frente com todas as minhas forças. Nosso energúmeno ao volante freou no último instante possível e guinou como um louco para a traseira do caminhão que tentara ultrapassar um segundo antes. Tudo se deu tão rápido que nem houve tempo de prestar atenção nas cenas de nossas vidas que passaram diante dos nossos olhos. Rogério não se dignou a nos dirigir um pedido de desculpas e nós, de cabelos em pé, não encontramos energia para repreendê-lo.
Contudo, nem tudo foi choro, suor e ranger de dentes nesta expedição de ida a Macaé. Ao longo das horas de viagem, falamos sobre as diversas antologias de literatura fantástica lançadas e por lançar nos próximos meses, bem como das boas e más submissões para seus respectivos projetos. Em Manilha, Huguinho finalmente deu o braço a torcer, confessando o que todos nós já sabíamos: Letícia Velásquez, autora do conto “Temos que Cumprir a Cota”, publicado na Space-Opera, não passa de um pseudônimo seu, criado, segundo ele, para tapar o buraco deixado por um autor que desistiu à última hora, para o livro não ficar demasiadamente fino. À guisa de desculpa adicional, acrescentou que apenas se inspirou em Carla Cristina Pereira, pseudônimo que mantive por quinze anos e que logrou faturar mais prêmios literários do que eu.
Enfim, por volta das 19:30h chegávamos milagrosamente vivos ao Solar dos Mellos, onde funciona o museu da cidade de Macaé e onde se dava a mostra de ficção científica. Fomos recepcionados por Clinton Davisson e Osmarco Valladão, ambos com fisionomias preocupadas em função do nosso atraso de várias horas.
Hugo Vera, eu, Marcelo J. Ribeiro e Osmarco Valladão.
Mal chegamos ao prédio histórico (vide www.museusdorio.com.br), fomos levamos aos fundos da instituição, para trocar de roupa no toalete. Clinton providenciou salgadinhos e refrigerantes. Alessandro e seus comandados aproveitaram o ensejo para vestir seus uniformes, cuja fabricação no Brasil é autorizada pela própria Lucasfilm. Alessandro se caracterizou como Darth Vader. Havia ainda um Cavaleiro Jedi, uma Princesa Leia e um membro daquela raça de comerciantes-assaltantes encapuzados que habitam os desertos de Tatooine. O público presente de cento e tantas pessoas foi ao delírio: dezenas insistiam em tirar fotos e tocar os uniformes dos cosplayers, sobretudo o do Darth Vader. Uma vez que os dois salões disponibilizados para o evento no andar térreo do museu, bem como o vestíbulo, estavam repletos de gente, boa parte da apresentação do Império Comando Rio de Janeiro foi executada na área externa do solar. Do ponto de vista do público presente, a apresentação dos cosplayers constituiu de longe o ponto alto da noite.
Darth Vader em Macaé.
Apresentação na área externa do Solar dos Mellos.
No salão da frente do museu (à esquerda de quem entra pelo vestíbulo) rolava a mostra de ficção científica em si, com montes de livros clássicos do gênero protegidos no interior de expositores de vidro, memorabilia do universo Star Wars e outros, com destaque para aquela máscara do Senador Palpatine com que Clinton já nos brindara na reunião carioca do sábado passado e que, aliás, no que atribuo a um dos mistérios insondáveis da fé, guarda semelhança incrível com o papa católico atual, Bento XVI.
Controvérsia da noite: Senador Palpatine ou Bento XVI?
No salão dos fundos situa-se nossa mesa de autógrafos e um telão onde eram exibidos alguns clipes com Clinton falando de seu romance de FC Hegemonia. Nas primeiras duas horas desde nossa chegada não houve muito trabalho para os quatro autores presentes, pois quase não se vendeu livros.
O posto de venda de livros foi instalado no vestíbulo sob o comando de Grazielle de Marco e Fernanda Galheigo, essa última, esposa de nosso presidente e, portanto, primeira-dama do Clube de Leitores de Ficção Científica. Aproveitei a relativa falta do que fazer como autor para adquirir um exemplar da antologia Imaginários 4 (Draco, 2011), já que meu amigo Erick Sama se esqueceu de mandar o que me prometera até hoje.
Área de vendas: Clinton, Fernanda Galheigo, Hugo e Gazielle de Marco.
Farto de esperar, adquiro minha Imaginários 4... ;-D
Clinton prestando reverência à Guardiã da Memória.
Huguinho & as Belas.
(Vai apanhar em casa, moleque!)
Para mim a parte mais divertida do evento foi o bom papo que pudemos desfrutar com Osmarco Valladão, sobre ficção científica, processo criativo, quadrinhos, cinema brasileiro e muitas coisas mais. Por insistência do Huguinho, Osmarco nos confidenciou detalhes da gênese do famoso Rainha das Estrelas, segredos que, naturalmente, não será possível reproduzir no âmbito desta crônica.J Em companhia de um poeta macaense, meu xará Gerson Dudus, Osmarco falou sobre o projeto de uma superprodução cinematográfica baseada na condenação injusta do fazendeiro macaense Manuel da Mota Coqueiro, caso que culminou na extinção da pena de morte no Império. Como a megacaptação de recursos junto à Petrobras e à própria Prefeitura de Macaé não decolou, a ideia da superprodução foi arquivada e, em seu lugar surgiu o filme Sem Controle (2007) — dirigido por Cris D’Amato, com roteiro de meu amigo e afilhado, Sylvio Gonçalves — em que a encenação histórica caprichada foi transformada num filme contemporâneo, em que um diretor obcecado pela injustiça sofrida por Mota Coqueiro, escreve uma peça de teatro a respeito e a encena com pacientes de uma instituição psiquiátrica.
Por volta das 21:30h, deu-se um fenômeno inexplicável. Não havíamos concedido autógrafos até aquele momento. Então, eis que de repente começam a surgir do nada pessoas com exemplares da antologia em mãos avançando a passos decididos para a mesa dos autores. Até agora nos perguntamos onde diabos todos aqueles leitores em potencial se esconderam até aquela hora avançada... Dentre os adquirentes da Space-Opera estavam Ricardo Meirelles, presidente do Instituto do Patrimônio Histórico de Macaé; e Jacira Braga, jornalista que se afirma discípula do escritor de ficção científica Jorge Luiz Calife. Estimo que tenhamos assinado cerca de dez exemplares. Mestre renomado das promoções improváveis de grande sucesso, o inspirado Clinton Davisson sacou uma vez mais do sabre Jedi aceso e facultou a farta manipulação de sua vara de luz a todos os fãs que adquiriram um exemplar da antologia.
Vara cortada!
Autores da Space-Opera: Clinton, eu, Huguinho e Marcelo.
Autores com Jacira Braga.
Autores com Fernanda Galheigo.
Do Solar dos Mellos seguimos para jantar no Mariscos Bar, restaurante à beira-mar, em verdade situado à Avenida Atlântica, não a da Praia de Copacabana, no Rio, é claro, mas a da Praia dos Cavaleiros. Embora o Mariscos seja especializado em frutos do mar, a maioria dos presentes optou por pratos de carne ou, no caso dos paulistas inveterados, Marcelo e Huguinho, por uma pizza. Aproveitei para conversar com Alessandro, do Império Comando. Ele detalhou o perfil de seu grupo de cosplayers. Os membros desse grupo não cobram cachê para as apresentações, apenas cestas básicas, uma por participante uniformizado, mais tarde doadas para orfanatos e outras instituições de caridade. Se todos os fãs de ficção científica se possuíssem consciência social dessa ordem, tais instituições não estariam no estado atual de desamparo.
Mariscos Bar.
Para acompanhar a picanha completa, após o sinal verde de Mr. President, — afinal, estávamos por conta da generosa municipalidade de Macaé — pedi uma garrafa do tinto australiano Matilda, que degustei com o apoio de Alessandro, Clinton e Fernanda. Ao longo desse ágape memorável, o casal Clinton & Fernanda analisou os erros e acertos dessa primeira mostra de ficção científica, análise auxiliada por Alessandro e sua esposa, possuidores de boa cancha no que concerne a eventos multimídia capazes de congregar centenas de fãs e/ou expectadores.
Alessandro & esposa.
Mr. President & his First Lady, Fernanda.
Dois paulistas inveterados.
Ao fim de nosso lauto jantar, a van da prefeitura nos conduziu até o hotel onde eu, Huguinho e Marcelo pernoitaríamos e ao simpático grupo de cosplayers para um ponto de baldeação com outra van, que os conduzia de volta para Manilha naquela mesma noite.
Chegamos ao hotel por volta de uma da manhã, para acordar às cinco. Como só havia dois quartos disponíveis, fiquei com um deles e meus dois amigos dividiram o outro. O quarto não era lá essas coisas em termos de conforto, mas, àquela altura do campeonato, eu só precisava de uma cama. Neste sentido, não direi que foi uma noite bem-dormida, mas deu pro gasto.
Às 05:10 desta quinta-feira fui acordado pelo motorista Carlos que ligou da portaria do hotel, frustrando meu firme propósito de locupletar de sono até às 06:00h. Partimos de Macaé sem café da manhã rumo à Cidade Maravilhosa no Gol de Carlos, um motorista seguro, cordato e simpático, em tudo diferente das experiências assustadoras que sofremos durante a viagem de ida. Durante a viagem, Marcelo e Carlos papearam sobre suas experiências de vida como residentes nos E.U.A., enquanto eu aproveitei o tempo livre para revisar os contos da antologia Erótica Fantástica 1, que estou organizando para a editora Draco.
Erótica Fantástica 1 na viagem de volta ao Rio.
Apesar do bruto engarrafamento em que mergulhamos na altura de São Gonçalo, por volta das 09:30h Carlos nos deixava em plena segurança na Rodoviária Novo Rio. Acompanhei o amigo Hugo até o guichê da 1001, onde ele compraria a passagem de volta para Sampa e tomei um ônibus para casa.
No todo, essa experiência inusitada de participar de um evento de ficção científica no interior do estado de Rio de Janeiro se revelou extenuante, mas compensadora.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 19 de abril de 2012 (quinta-feira).
Participantes:
Alessandro TuzeClinton Davisson
Fernanda Galheigo
Gerson Dudus
Gerson Lodi-Ribeiro
Grazielle de Marco
Hugo Vera
Jacira Braga
Marcelo Jacinto Ribeiro
Osmarco Valladão
Ricardo Meirelles
Apenas posso dizer que foi uma descrição precisa e detalhada da aventura, e que NÃO FOI MINHA CULPA o atraso do avião ! Da próxima vez vou na véspera, certo ? :-D Fora isso foi um enorme prazer rever os amigos e conhecer novos, e espero ansioso a próxima aventura !
ResponderExcluirSabemos que não foi culpa sua. Tanto é que não o surramos como havíamos combinado. ;-)
ResponderExcluirValeu... :-D
ResponderExcluirGerson! Ri muito com sua crônica! Pena que desta vez não pude acompanhar o Huguinho, mas quem sabe na próxima? Beijos!
ResponderExcluirVocês ainda estão nos devendo uma visita com calma ao Rio!
ExcluirEpa! Que história é essa de que fui "severa e entusiasticamente vasculhado em todos os orifícios"??? Tá maluco, Gerson? Olha minha reputação, rapaz! O que minha esposa vai pensar?
ResponderExcluirCerto, agora que você tornou público o pseudônimo Letícia Velásquez que usei na Space Opera, vale esclarecer que antes de pseudônimo, como disse, a Letícia é a protagonista do meu romance "Revolução em Vera Cruz", que será publicado pela Editora Draco. Aguarde novidades! ;-)
De resto, realmente foi uma aventura e tanto essa viagem à Macaé. Devo acrescentar que, no quarto em que o Marcelo e eu ficamos, havia uma sacada que dava para a rua, onde pudemos presenciar a "dança de acasalamento dos nativos de Macaé" de dois rapazes junto a uma garota em plena madrugada. Foi romântica a cena daquela jovem beijando os dois rapazes. Isso é o mundo real, minha gente! Isso é Macaé, terra do presidente Clinton!!! Hahahahaha!
Aguardo ansiosamente a próxima oportunidade de viagem ao Rio. E quem sabe não teremos a companhia da Renata e da Cláudia, não?
Abraços...
Puxa, Huguinho, você podia ter me contado antes sobre esse ritual de acasalamento múltiplo macaense. Teria dado um adendo e tanto!
ExcluirDepois dizem que meus relatos sobre Macaé são exagerados...rs
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