Primavera dos Livros
2025
“Estou cansado de assistir filmes de FC com insetos e aracnídeos gigantescos criados pela radiação nuclear. Eu adoraria assistir a um filme que me mostrasse elefantes reduzidos ao tamanho de camundongos.”
(Bráulio Tavares, em agosto de 1987, durante uma reunião do CLFC-RJ, no playground de um prédio em Laranjeiras).
202509291000P2 – 23.824 D.V.
Compareci na
tarde do último sábado à Primavera dos Livros, evento anual que eu não
frequentava desde 2019.[1] Este ano foi o primeiro dessa feira do livro das
editoras pequenas em sua nova casa, o andar térreo do Museu de Arte do
Rio. Pelo que ouvi falar, no que
depender da Prefeitura do Rio de Janeiro, a dona desse espaço cultural,
doravante a Primavera dos Livros se dará sempre sob os pilotis do museu. Correu à boca pequena (nem tão pequena assim)
que a antiga sede do evento, o Museu da República, instalado no Palácio do
Catete (a feira ocorria nos vastos jardins do museu), teria cobrado muito caro
pelo aluguel do espaço e a LIBRE (Liga Brasileira de Editoras) – espécie de
cooperativa de editoras pequenas que promove o evento – não teve condições de arcar
com a despesa.
* *
*
Havíamos
combinado comparecer na lista de WhatsApp do clube de leitura Vórtice Rio. Adílson Júnior, Luiz Felipe Vasques e Juliana
Berlim confirmaram presença. Embora não
tenha dado sinais de vida na lista, Ricardo França compareceu assim mesmo.
Às 13h25min
caminhei até a Pacheco Leão, onde embarquei num Uber Comfort rumo à Praça Mauá
(onde se situa o MAR). A viagem durou 25
minutos e custou 46 reais. Leitura de
bordo (no celular): novela de ficção científica O Despertar de Sophia
(Amazon KDP, 2025), de Tibor Moricz.
O itinerário
escolhido pela uberista Isabela nos levou a contornar a Rodoviária Novo Rio e
seguir pela Avenida Rodrigues Alves, beirando os armazéns abandonados do Cais
do Porto, onde não se observava vivalma caminhando pelas calçadas desertas de
uma aparente cidade fantasma. Em
seguida, entramos na Rua Arlindo Rodrigues, recentemente urbanizada, com
prédios novos reluzentes, mas igualmente deserta, talvez pelo fato de só
abrigar estabelecimentos comerciais.
Depois de tudo que ouvi falar sobre a pretensa revitalização da Região
Portuária do Rio, julguei que me depararia com mais, ahn, vitalidade sob a
forma de um certo movimento e, quem sabe, moradores, sei lá, pedestres
transitando. Mas não foi o caso. Só avistamos pedestres quando estávamos
praticamente chegando à Praça Mauá. Esse
itinerário nos fez passar pelo Acqua Rio e pela Roda-Gigante[2],
que eu ainda não tinha visto ao vivo.
* *
*
Desembarquei
na Praça Mauá às 13h50min e logo constatei que a Primavera dos Livros rolava no
térreo do Museu de Arte do Rio, resguardado do fulgor do sol naquele início de
tarde de primavera pela laje que se apoia nos pilotis do prédio.
Num
reconhecimento preliminar rápido, percorri o “corredor” central que se estendia
no sentido longitudinal do térreo entre as duas fileiras de estandes da
editoras ali presentes. Julguei o evento
como um todo e o número de expositores menor do que nos certames de anos anteriores
nos jardins do Palácio do Catete. Por se
localizarem em área coberta, os estandes este ano não precisaram dos
telhadinhos que caracterizam seus símiles de certames anteriores – fato que,
imagino, deva ter barateado os custos – afinal, em vez que barraquinhas
completas, algo semelhantes a bancas de jornais antigas, os estandes deste ano
lembravam bancas de camelô. Ao fim desse
corredor havia dois quiosques de comida.
Segundo informes, vendiam quitutes da cozinha baiana. À direita do corredor central havia outro
estande gastronômico, de acordo com Adilson, vendiam comida mais cara e
supostamente melhor do que a servida nos quiosques. Aliás, devo ao Adilson todas as avaliações
gastronômicas daquela tarde no museu, pois que não me aproximei dos quiosques
ou do estande.
Encontrei
Adílson ao fim do reconhecimento inicial e, uma vez juntos, “resgatamos” o
amigo comum Ricardo França no estande da Aleph.
Do nosso ponto de vista, esse estande era o mais tentador da feira. Examinamos os lançamentos e as novas edições
de diversos romances que amamos, vários dos quais, inclusive, já analisados em
nossas reuniões do Vórtice. Imagino que França,
com sua força de vontade enfraquecida pela fome, deva ter deixado umas boas
centenas de reais por ali. No que me
tange, resisti bravamente às tentações da Aleph, só para sucumbir a um
lançamento da Seiva: Como Criar Histórias: um guia prático para escritores,
da Ursula K. Le Guin. Minha única
aquisição naquela tarde.
Por falar em
livros, aproveitei o ensejo para passar às mãos do Adílson um exemplar da
edição capa dura do meu romance de ficção científica teológica Novas do
Purgatório (Amazon KDP, 2024).
Também passei às mãos do Ricardo e do Adílson exemplares em brochura da
minha coletânea Relatos Desgarrados (Uiclap, 2024), livros que vendo no
Brasil em formato digital e que imprimo um ou outro para agradar os amigos.
Pouco após
essas entregas, nossa amiga Juliana Berlim deu o ar de sua graça. Infelizmente, não pôde ficar conosco até o
fim da nossas aventuras literárias.
Bráulio
Tavares apareceu pouco depois. Fiquei
bastante satisfeito e algo surpreso em revê-lo.
Pois, ao contrário de Ricardo e Adílson, não sabia que o Bráulio
participaria de uma mesa-redonda no quinto andar do museu, “Encontros e Confrontos
na Ficção Científica e no Mistério”.
Afinal, qualquer mesa tripulada por esse velho amigo dos primeiros
tempos da sucursal carioca do Clube de Leitores de Ficção Científica é diversão
e entretenimento intelectual garantidos.
Adílson Júnior, Ricardo França, GL-R, Bráulio Tavares e Juliana Berlim no “corredor” central.
* *
*
Enfim, Luiz
Felipe Vasques apareceu e se reuniu à nossa roda de bate-papo animada que
rendeu reminiscências deliciosas e boas risadas. Bráulio e Adílson nos contaram que os
primeiros certames da Primavera dos Livros se deram no interior do Jockey Club
da Gávea, lá por idos de 2005. Adilson,
Felipe e Juliana aproveitaram a presença do autor para adquirir exemplares do
livro mais recente de não-ficção do Bráulio: Não Ficções: a Literatura e a
Ficção Científica, os escritores e seus escritos (Bandeirola, 2023) no
estande da editora. Naturalmente, esses
exemplares foram autografados no ato pelo Bráulio. Ricardo se imbuiu de coragem e sacou seu
exemplar da mochila (previdente, havia adquirido antes do autor chegar) para coletar
o seu autógrafo, mas a coragem não se estendeu a ponto de pedir que
autografasse os outros dois livros do Bráulio que também havia adquirido
naquela tarde. Quem sabe não fica para a
próxima?
Conversamos
bastante sobre ficção científica e um assunto que surgiu espontaneamente foi o
das nossas experiências pitorescas e/ou hilárias recentes com aplicativos
dotados de rudimentos de inteligência artificial. Lembramos dos esforços hercúleos de Adílson
para (re)educar I.A. recalcitrantes, um método que ele invariavelmente começa
obrigando o programinha safado a confessar que está inventando respostas falsas
e o fazendo jurar de pés virtuais juntos que não incidirá mais nesse erro. Falar em fakes de IA mal intencionadas
levou-nos ao assunto das redes sociais e dali ao combate às fake news de
cunho pseudocientífico, o que nos fez lembrar do Instituto Questão de Ciência,
capitaneado por nosso amigo Carlos Orsi e a esposa Natalia Pasternak.
Quando Bráulio
nos contou o enredo de um romance do autor britânico M. John Harrison que ele
está lendo e gostando muito, Ricardo comentou que não conhecia muitos autores
britânicos além do Arthur C. Clarke.
Lembrei-o de que ele já leu romances de, pelo menos, H.G. Wells, Aldous
Huxley, George Orwell, Brian Aldiss, John Wyndham, Douglas Adams e Ian M.
Banks. Isso para não falar doutros,
menos publicados em português (mas Ricardo lê em inglês fluentemente), tais
como Adrian Tchaikovsky, Alastair Reynolds, Charles Stross, Peter F. Hamilton e
vários outros. Conquanto siderado pela
fome, prudentemente, ele retirou o que disse.😉
Juliana aproveitou
o ensejo para confirmar o convite a Bráulio Tavares para que esse compareça
numa reunião do grupo de leitura em literatura fantástica que ela coordena
junto aos alunos do Colégio Pedro II, onde leciona. Pouco depois, ela se despediu de nós e partiu
rumo a outro museu, o da República, se não me engano, para assistir e/ou
participar de um evento sobre café (???).
* *
*
Como a mesa
da qual o Bráulio participaria começava às 16h00, subimos meia hora antes até o
auditório situado no Espaço Cais, no quinto andar do museu. Quando os funcionários do museu tentaram
barrar nosso acesso, explicamos que fazíamos parte do staff do Bráulio Tavares.
Daí, facultaram o nosso acesso sem maiores questionamentos. Porém, mesmo assim, julgamos melhor ingressar
no elevador junto com ele.
A
mesa-redonda começou pontualmente às quatro da tarde e contou com três intérpretes
em libras, que se revezaram ao longo do evento.
A M-R foi transmitida ao vivo pelo YouTube. LIBRE já disponibilizou o link:
https://www.youtube.com/watch?v=HQ1WN481yDc&list=PLgjcH81nFcdZzacfIBlv8mJrMSsCCkmhL&index=3
Esquenta da mesa-redonda com Luiz Felipe Vasques e a gang habitual.
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A
mesa-redonda foi mediada autor e publisher da Seiva[3],
Daniel Lameira, com a participação de Bráulio Tavares e do autor e editor
Marcelo Ferroni.
Lameira atuou
com precisão ao estimular os autores da mesa, levando-os a falar livremente
sobre seus ofícios, escritos e anseios.
Sentados na primeira fila do auditório, ouvimos com interesse os
detalhes sobre a carreira e processo criativo do Marcelo que, embora milite no
mainstream e no horror, já escreveu um romance de FC graças ao incentivo do
Bráulio. Contudo, para mim e, acredito
para os três amigos na plateia (Juliana não assistiu à mesa), o mais
interessante foi a participação de nosso amigo comum, que tenho como meu sênior
e mentor nas lidas de escritor e estudioso de ficção científica. Foi um prazer ouvir o Bráulio falar sobre sua
iniciação literária como cronista, poeta e ficcionista desde menino em Campina
Grande. Vê-lo discorrer sobre as
métricas e versificações da poesia; as sutilezas e dificuldades inerentes ao
processo criativo para se escrever (boa) ficção científica; seus trabalhos como
escritor de ficção e não-ficção; e diversos outros temas e assuntos correlatos
foi uma delícia, mesmo para aqueles de nós que já haviam escutado boa parte do
que ele falou em ocasiões anteriores.
Porque além de escrever muito bem, Bráulio também fala muito bem. Sobre qualquer assunto que se disponha a
falar. Ponto. Agora, quando ele se dispõe a falar sobre FC,
é um espetáculo imperdível, não importando muito o quanto você já tenha ouvido discorrer
sobre esse tema antes.
Poderia
escrever vários parágrafos detalhando o que esses dois escritores falaram na
tarde desse último sábado, mas prefiro que você sinta em primeira mão o mesmo
prazer que tive anteontem. O link está
aí em cima.
Ao fim das
falas de Bráulio e Marcelo, naquela espécie de pingue-pongue orquestrado por
Daniel Lameira, esse passou a palavra à plateia numa rápida sessão de perguntas
e comentários.
Mesa-Redonda “Encontros e Confrontos da Ficção Científica e do Mistério” com
Daniel Lameira (mediador); Marcelo Ferroni; e Bráulio Tavares.
* *
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Descemos
juntos no elevador até o térreo do museu.
Adílson se despediu de nós, praticamente à porta do elevador. Depois de uns vinte minutos de bate-papo ali,
eu, Felipe e Ricardo nos despedimos do Bráulio e dos demais e tomamos nossos
caminhos de volta para casa.
Eu e Felipe
dividimos um Uber Comfort para a Zona Sul.
Na viagem conversamos sobre uma mesa-redonda que estamos tentando
organizar no Centro Cultural da Justiça Federal. Ainda conversamos sobre as segundas
temporadas das séries de streaming de super-heróis Pacificador (HBO Max)
e Gen V (Prime Video). Observamos
que o sexto episodio dessa temporada da série da HBO dialoga de forma
bem-humorada com a série de streaming de história alternativa O Homem do
Castelo Alto (também da Prime Video, quatro temporadas, 40 episódios ao
todo), inspirada no romance homônimo de Philip K. Dick.
Chegando em
casa, finalmente comi o pedação de pizza caseira que me aguardava em companhia
de uma garrafa de Clos de Torribas Crianza 2018. Daí pensei: e, por que não? Liguei a TV e retomei a série O Homem do
Castelo Alto que havia parado há tempos, assistindo ao primeiro episódio da
terceira temporada. O problema é que, quando
enfim terminar de assistir a essa série, precisarei pôr a preguiça de lado,
pois haverá muito o que escrever para a segunda edição do meu Cenários de
História Alternativa.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2025 (segunda-feira).
Participantes:
Adílson Júnior
Bráulio
Tavares.
Daniel Lameira.
Gerson Lodi-Ribeiro.
Juliana
Berlim.
Luiz Felipe Vasques.
Marcelo
Ferroni.
Ricardo França.
[1]. Nos velhos
tempos da Draco, compareci à Primavera dos Livros de 2014 a 2019 para encontrar
amigos junto ao estande daquela editora.
Com exceção do certame de 2017, que transcorreu na Casa França-Brasil,
os outros cinco se desenrolaram nos jardins do Palácio do Catete. Em decorrência da pandemia de Covid-19, nos
anos de 2020, 2021 e 2022 não houve Primavera dos Livros. O evento foi retomado em 2023. Não compareci em 2023 e 2024 porque a Draco
não montou estande lá. No entanto,
apesar de nova ausência da minha antiga editora, neste ano – animado por conta
da nova localização – resolvi comparecer e não me arrependi.
[2]. Instalar uma
roda-gigante ao nível do mar em uma cidade repleta de morros como o Rio soa
como um contrassenso. Porque, do alto de
qualquer morrinho de meia-tigela se consegue vislumbrar uma vista mais
deslumbrante do que do alto de uma roda-gigante. Mas, enfim, há gosto para tudo.
[3]. Mundinho
pequeno: ouvi falar dessa editora pela primeira vez na vida ao adquirir o livro
da Le Guin hora e meia antes...