Elache in Rio 2025
202512272359P7 – 23.913 D.V.
Saí da toca
nesta tarde de verão carioca, pé imobilizado e tudo, na terceira escapadela
desta convalescência[1],
para encontrar com meu amigo de longa data Paulo Elache Duarte, que conheci em
Sumaré, cidadezinha do interior de São Paulo, por ocasião da primeira
InteriorCon em 1990.
Não é a
primeira vez que Paulo Elache visita o Rio de Janeiro na semana de interregno
entre o Natal e o Réveillon. Longe
disso. Como tem parentes aqui, de vez em
quando ele e a esposa aproveitam esta época do ano para visitá-los. Contudo, essa foi a primeira vez em que tive
a oportunidade de encontrá-lo em plagas cariocas nesta época. Pois, como nunca pude tirar as minhas férias
em janeiro por causa do meu antigo trabalho no IPTU e Cláudia, como professora
universitária só podia tirar as dela naquele mês (vivemos por mais de três
décadas presos nessa espécie de Feitiço de Áquila), só podíamos viajar
juntos na última quinzena do ano e olhe lá.
***
Por conta das minhas
dificuldades de locomoção, saí de casa cedo, devidamente acompanhado por minhas
novas amigas indefectíveis, a bota RoboCop e a bengala de indaiá (uma palmeira
do gênero Attalea, endêmica nas regiões Sul e Sudeste) adquirida na
ABBR.
Saí à rua a passos curtos e me
dirigi à Rua Pacheco Leão, onde peguei um Uber.
Como o trânsito estava maravilhoso, a viagem até a Pizzaria Fontana
(antigo Espaço Culinare), na junção entre a Rua da Passagem e a Mena Barreto
durou míseros doze minutos.
Como acabei
chegando trinta minutos antes do horário combinado, baixei o romance All
Better Now (Simon & Schuster, 2025) do Neil Shusterman no Kindle do
celular para me fazer companhia enquanto aguardava a chegada dos amigos.
***
Desde a manhã
do dia de Natal tentei incentivar os colegas do Vórtice Rio (clube de leitura
especializado em literatura fantástica do qual eu e Elache fazemos parte) e
outros amigos chegados do CLFC-RJ a comparecer ao evento. Inicialmente, alguns até se mostraram
propensos, mas compromissos diversos ou surtos de preguiça pós-natalina inconfessáveis
acabaram fazendo a maioria declinar do convite.
***
Como mora
perto, Eduardo Torres chegou a pé pontualmente às dezesseis horas. Após nos cumprimentarmos, partiu incontinente
em direção ao buffet a quilo, pois ainda não havia almoçado (não tive esse
problema porque, para não me exceder na Fontana, almocei um pouquinho de risoto
de aspargos com linguiça em casa). Antes
que regressasse à mesa, Paulo Elache saltou de seu Uber, procedente do Grajaú.
Assim que
encerramos as sessões de cumprimentos, fui ao buffet me abastecer com
carpaccio, nacos de provolone e gorgonzola, além de salgados diversos.
Paulo Elache
também se serviu no buffet. Os dois
beberam chopes. Sujeito bem comportado
que sou (quem não me conhece que me compre), permaneci nas garrafinhas de água
com gás.
Antes de mais
nada, distribuí lembrancinhas natalinas aos amigos. Uma edição em capa dura da noveleta O
Preço da Sanidade (Amazon KDP, 2024) ao Paulo Elache e uma edição brochura
da coletânea Relatos Desgarrados (UICLAP, 2025) para o Edu. Atendendo aos pedidos deles, solicitei uma
caneta à garçonete e autografei os exemplares.
Infelizmente, a caneta era do tipo hidrocor e borrou um pouco os versos
das páginas em que escrevi.
***
Das dezesseis
às dezenove horas, conversamos um bocado sobre ficção científica, mas não só.
Por causa do
meu pé imobilizado, contamos sobre os acidentes, domésticos ou não, que
sofremos ao longo dos anos. Eduardo
falou de um acidente de trabalho: um tombo sofrido durante uma inspeção que
fazia quando trabalhava como engenheiro da Petrobras. Fraturou a extremidade do rádio junto ao
punho e precisou engessar. O acidente de
trabalho do Paulo foi mais sério: durante um vendaval, a porta gigantesca de um
hangar se soltou, atingiu a escada de um avião estacionado lá dentro e essa o
derrubou, lançando-o para baixo da aeronave.
Só por muita sorte nosso amigo não foi pro beleléu.
Encerrado o
papo dos acidentes, comentamos brevemente o assunto da semana, a citar: o
envolvimento de ministros do Supremo Tribunal Federal e seus parentes com
tentativas de impedir a liquidação judicial do Banco Master.
Porém, como
ninguém é de ferro para discutir as asneiras e falcatruas típicas da política e
da justiça à brasileira a tarde inteira, de comum acordo tácito, ingressamos em
nosso assunto favorito, elencando as diversas modalidades de imortalidade
propostas pela ciência e pela ficção científica, falamos de registros de
personalidade (ligados a sistemas de teleporte ou não) e citamos exemplos
descritos em várias séries da Jornada nas Estrelas. Essa franquia nos fez lembrar dos universos
simulados, consensuais ou não.
Rememoramos o universo Matrix e o filme 13º Andar (1999),
inspirado no romance Simulacron-3 (1968), de Daniel F. Galouye. Concordamos que esse é um dos raros exemplos
em que o filme ficou melhor do que o romance original.[2]
Esses temas
nos levaram naturalmente à temática da Inteligência Artificial na FC e os
aplicativos com rudimentos de IA existentes no mundo real™, papo que nos
conduziu inevitavelmente ao HAL-9000 do 2001, uma Odisseia no Espaço, de
Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke. Já
que falávamos em Kubrick e IA, lembramos do filme Inteligência Artificial
em si, inspirado num conto até meio fraquinho, quando comparado ao filme, do
Brian W. Aldiss, “Superbrinquedos Duram o Verão Todo”. Daí, lembramos das adaptações dos contos e do
romance do Philip K. Dick, exceções célebres à regra comentada acima, por se
revelarem invariavelmente superiores às narrativas literárias originais.
***
Descrevi aos
amigos minha própria experiência arrepiante com aplicativos de IA.
No início
deste mês, estava escrevendo um conto sobre viagens retrotemporais ambientado
no fim do século XIV, “Lapsos em Aljubarrota”.
Para escrever determinada cena, precisei confirmar quais eram as
condições noturnas em determinada data.
Por isso, indaguei ao Gemini do meu smartphone:
— Qual era a
fase lunar na noite de 14 de agosto de 1385?
Ao que o
rudimento de IA respondeu:
“Quarto
Crescente.”
Daí, eu
perguntei:
— Em que
período dessa noite a Lua esteve visível acima do horizonte na região de
Lisboa?
Ao que o
programinha respondeu:
“Na região
de Lisboa, na noite de 14 de agosto de 1385, a Lua esteve visível no céu desde
o pôr do sol (aproximadamente 20h00) até se pôr no horizonte, pouco depois da
meia-noite.”
Só que não
parou nisso, mas continuou, sem que eu lhe houvesse perguntado mais coisíssima alguma:
“O Impacto
na Batalha: este período de cerca de 4 a 5 horas de luar após o pôr do sol foi
crucial para o desfecho da Batalha de Aljubarrota. A luz da lua permitiu que as tropas
portuguesas, lideradas por Nuno Álvares Pereira, perseguissem os castelhanos em
fuga durante as primeiras horas da noite, maximizando as baixas inimigas e impedindo
a reorganização do exército adversário. Se
fosse uma noite de Lua Nova (escuridão total), a perseguição teria sido muito
mais difícil e perigosa.”
Ou seja, a
partir das duas perguntas iniciais, o Gemini deduziu o que eu realmente
almejava confirmar. Embora não chegue a ser
uma Skynet – e, não, eu não creio que as IA irão dominar o mundo e extinguir ou
escravizar a humanidade – mas, fiquei um bocado impressionado.
***
Também
comentamos o streaming de ficção científica que se tornou a sensação deste
fim de ano, Pluribus, cuja primeira temporada acabou de se encerrar na
Apple TV. Como nós três já havíamos
assistido aos nove episódios, não houve a menor preocupação com spoilers. Para quem ainda não assistiu, só falo que a
série deixa no ar um cheirinho que sabe ao conto clássico de Isaac Asimov,
“Abutres Bondosos”, para além de flertar com questões filosóficas correlatas,
mas não idênticas, às abordadas no romance recente All Better Now,
citado acima.
Enfim, por
volta das dezenove horas, quando a pizzaria quase vazia no meio da tarde começou
a lotar e a cacofonia resultante a se elevar exponencialmente, por conta do
rodízio de pizzas & massas que começara uma hora antes, resolvemos encerrar
os trabalhos.
Quitamos
nossas respectivas comandas. Edu
regressou para casa da mesma forma que chegara à pizzaria enquanto Paulo e eu
continuamos batendo papo junto à entrada do estabelecimento até que meu Uber
aparecesse. A leitura de bordo durante a
viagem de volta para casa não podia ser outra se não o All Better Now.
Resumo da
ópera: apesar das dificuldades temporárias de deslocamento, apreciei bastante
esse bate-papo sobre meu assunto predileto com velhos e bons amigos.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 2025 (sábado).
[1]. A primeira foi
para assistir à cerimônia de entrega do Prêmio Argos no Acaso Cultural e a
segunda para comemorar o Natal com a família estendida na casa da minha mãe.
[2]. Como exemplo
adicional, citei “A Boy and His Dog” (1969) do Harlan Ellison, que gerou o
filme homônimo (1975). Daí, lembrei que,
numa releitura recente dessa novela, percebi diversas nuances e sutilezas instigantes
que não havia reparado à primeira leitura e retirei o que disse. A novela é um clássico sensacional, mas é
preciso um estômago forte para lê-la e apreciá-la até o fim.

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