terça-feira, 30 de dezembro de 2025

 

Elache in Rio 2025

 

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Saí da toca nesta tarde de verão carioca, pé imobilizado e tudo, na terceira escapadela desta convalescência[1], para encontrar com meu amigo de longa data Paulo Elache Duarte, que conheci em Sumaré, cidadezinha do interior de São Paulo, por ocasião da primeira InteriorCon em 1990.

Não é a primeira vez que Paulo Elache visita o Rio de Janeiro na semana de interregno entre o Natal e o Réveillon.  Longe disso.  Como tem parentes aqui, de vez em quando ele e a esposa aproveitam esta época do ano para visitá-los.  Contudo, essa foi a primeira vez em que tive a oportunidade de encontrá-lo em plagas cariocas nesta época.  Pois, como nunca pude tirar as minhas férias em janeiro por causa do meu antigo trabalho no IPTU e Cláudia, como professora universitária só podia tirar as dela naquele mês (vivemos por mais de três décadas presos nessa espécie de Feitiço de Áquila), só podíamos viajar juntos na última quinzena do ano e olhe lá.

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Por conta das minhas dificuldades de locomoção, saí de casa cedo, devidamente acompanhado por minhas novas amigas indefectíveis, a bota RoboCop e a bengala de indaiá (uma palmeira do gênero Attalea, endêmica nas regiões Sul e Sudeste) adquirida na ABBR.

Saí à rua a passos curtos e me dirigi à Rua Pacheco Leão, onde peguei um Uber.  Como o trânsito estava maravilhoso, a viagem até a Pizzaria Fontana (antigo Espaço Culinare), na junção entre a Rua da Passagem e a Mena Barreto durou míseros doze minutos.

Como acabei chegando trinta minutos antes do horário combinado, baixei o romance All Better Now (Simon & Schuster, 2025) do Neil Shusterman no Kindle do celular para me fazer companhia enquanto aguardava a chegada dos amigos.

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Desde a manhã do dia de Natal tentei incentivar os colegas do Vórtice Rio (clube de leitura especializado em literatura fantástica do qual eu e Elache fazemos parte) e outros amigos chegados do CLFC-RJ a comparecer ao evento.  Inicialmente, alguns até se mostraram propensos, mas compromissos diversos ou surtos de preguiça pós-natalina inconfessáveis acabaram fazendo a maioria declinar do convite.

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Como mora perto, Eduardo Torres chegou a pé pontualmente às dezesseis horas.  Após nos cumprimentarmos, partiu incontinente em direção ao buffet a quilo, pois ainda não havia almoçado (não tive esse problema porque, para não me exceder na Fontana, almocei um pouquinho de risoto de aspargos com linguiça em casa).  Antes que regressasse à mesa, Paulo Elache saltou de seu Uber, procedente do Grajaú.

Assim que encerramos as sessões de cumprimentos, fui ao buffet me abastecer com carpaccio, nacos de provolone e gorgonzola, além de salgados diversos.

Paulo Elache também se serviu no buffet.  Os dois beberam chopes.  Sujeito bem comportado que sou (quem não me conhece que me compre), permaneci nas garrafinhas de água com gás.

Antes de mais nada, distribuí lembrancinhas natalinas aos amigos.  Uma edição em capa dura da noveleta O Preço da Sanidade (Amazon KDP, 2024) ao Paulo Elache e uma edição brochura da coletânea Relatos Desgarrados (UICLAP, 2025) para o Edu.  Atendendo aos pedidos deles, solicitei uma caneta à garçonete e autografei os exemplares.  Infelizmente, a caneta era do tipo hidrocor e borrou um pouco os versos das páginas em que escrevi.

 


Paulo Elache, Eduardo Torres, GL-R.

 

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Das dezesseis às dezenove horas, conversamos um bocado sobre ficção científica, mas não só.

Por causa do meu pé imobilizado, contamos sobre os acidentes, domésticos ou não, que sofremos ao longo dos anos.  Eduardo falou de um acidente de trabalho: um tombo sofrido durante uma inspeção que fazia quando trabalhava como engenheiro da Petrobras.  Fraturou a extremidade do rádio junto ao punho e precisou engessar.  O acidente de trabalho do Paulo foi mais sério: durante um vendaval, a porta gigantesca de um hangar se soltou, atingiu a escada de um avião estacionado lá dentro e essa o derrubou, lançando-o para baixo da aeronave.  Só por muita sorte nosso amigo não foi pro beleléu.

Encerrado o papo dos acidentes, comentamos brevemente o assunto da semana, a citar: o envolvimento de ministros do Supremo Tribunal Federal e seus parentes com tentativas de impedir a liquidação judicial do Banco Master.

Porém, como ninguém é de ferro para discutir as asneiras e falcatruas típicas da política e da justiça à brasileira a tarde inteira, de comum acordo tácito, ingressamos em nosso assunto favorito, elencando as diversas modalidades de imortalidade propostas pela ciência e pela ficção científica, falamos de registros de personalidade (ligados a sistemas de teleporte ou não) e citamos exemplos descritos em várias séries da Jornada nas Estrelas.  Essa franquia nos fez lembrar dos universos simulados, consensuais ou não.  Rememoramos o universo Matrix e o filme 13º Andar (1999), inspirado no romance Simulacron-3 (1968), de Daniel F. Galouye.  Concordamos que esse é um dos raros exemplos em que o filme ficou melhor do que o romance original.[2]

Esses temas nos levaram naturalmente à temática da Inteligência Artificial na FC e os aplicativos com rudimentos de IA existentes no mundo real™, papo que nos conduziu inevitavelmente ao HAL-9000 do 2001, uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke.  Já que falávamos em Kubrick e IA, lembramos do filme Inteligência Artificial em si, inspirado num conto até meio fraquinho, quando comparado ao filme, do Brian W. Aldiss, “Superbrinquedos Duram o Verão Todo”.  Daí, lembramos das adaptações dos contos e do romance do Philip K. Dick, exceções célebres à regra comentada acima, por se revelarem invariavelmente superiores às narrativas literárias originais.

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Descrevi aos amigos minha própria experiência arrepiante com aplicativos de IA.

No início deste mês, estava escrevendo um conto sobre viagens retrotemporais ambientado no fim do século XIV, “Lapsos em Aljubarrota”.  Para escrever determinada cena, precisei confirmar quais eram as condições noturnas em determinada data.  Por isso, indaguei ao Gemini do meu smartphone:

— Qual era a fase lunar na noite de 14 de agosto de 1385?

Ao que o rudimento de IA respondeu:

“Quarto Crescente.”

Daí, eu perguntei:

— Em que período dessa noite a Lua esteve visível acima do horizonte na região de Lisboa?

Ao que o programinha respondeu:

“Na região de Lisboa, na noite de 14 de agosto de 1385, a Lua esteve visível no céu desde o pôr do sol (aproximadamente 20h00) até se pôr no horizonte, pouco depois da meia-noite.”

Só que não parou nisso, mas continuou, sem que eu lhe houvesse perguntado mais coisíssima alguma:

“O Impacto na Batalha: este período de cerca de 4 a 5 horas de luar após o pôr do sol foi crucial para o desfecho da Batalha de Aljubarrota.  A luz da lua permitiu que as tropas portuguesas, lideradas por Nuno Álvares Pereira, perseguissem os castelhanos em fuga durante as primeiras horas da noite, maximizando as baixas inimigas e impedindo a reorganização do exército adversário.  Se fosse uma noite de Lua Nova (escuridão total), a perseguição teria sido muito mais difícil e perigosa.”

Ou seja, a partir das duas perguntas iniciais, o Gemini deduziu o que eu realmente almejava confirmar.  Embora não chegue a ser uma Skynet – e, não, eu não creio que as IA irão dominar o mundo e extinguir ou escravizar a humanidade – mas, fiquei um bocado impressionado.

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Também comentamos o streaming de ficção científica que se tornou a sensação deste fim de ano, Pluribus, cuja primeira temporada acabou de se encerrar na Apple TV.  Como nós três já havíamos assistido aos nove episódios, não houve a menor preocupação com spoilers.  Para quem ainda não assistiu, só falo que a série deixa no ar um cheirinho que sabe ao conto clássico de Isaac Asimov, “Abutres Bondosos”, para além de flertar com questões filosóficas correlatas, mas não idênticas, às abordadas no romance recente All Better Now, citado acima.

Enfim, por volta das dezenove horas, quando a pizzaria quase vazia no meio da tarde começou a lotar e a cacofonia resultante a se elevar exponencialmente, por conta do rodízio de pizzas & massas que começara uma hora antes, resolvemos encerrar os trabalhos.

Quitamos nossas respectivas comandas.  Edu regressou para casa da mesma forma que chegara à pizzaria enquanto Paulo e eu continuamos batendo papo junto à entrada do estabelecimento até que meu Uber aparecesse.  A leitura de bordo durante a viagem de volta para casa não podia ser outra se não o All Better Now.

Resumo da ópera: apesar das dificuldades temporárias de deslocamento, apreciei bastante esse bate-papo sobre meu assunto predileto com velhos e bons amigos.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 2025 (sábado).

 


[1].  A primeira foi para assistir à cerimônia de entrega do Prêmio Argos no Acaso Cultural e a segunda para comemorar o Natal com a família estendida na casa da minha mãe.

[2].  Como exemplo adicional, citei “A Boy and His Dog” (1969) do Harlan Ellison, que gerou o filme homônimo (1975).  Daí, lembrei que, numa releitura recente dessa novela, percebi diversas nuances e sutilezas instigantes que não havia reparado à primeira leitura e retirei o que disse.  A novela é um clássico sensacional, mas é preciso um estômago forte para lê-la e apreciá-la até o fim.

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