terça-feira, 30 de setembro de 2025

Primavera dos Livros

2025

 

“Estou cansado de assistir filmes de FC com insetos e aracnídeos gigantescos criados pela radiação nuclear.  Eu adoraria assistir a um filme que me mostrasse elefantes reduzidos ao tamanho de camundongos.”

(Bráulio Tavares, em agosto de 1987, durante uma reunião do CLFC-RJ, no playground de um prédio em Laranjeiras).

 

202509291000P2 – 23.824 D.V.

 

Compareci na tarde do último sábado à Primavera dos Livros, evento anual que eu não frequentava desde 2019.[1]  Este ano foi o primeiro dessa feira do livro das editoras pequenas em sua nova casa, o andar térreo do Museu de Arte do Rio.  Pelo que ouvi falar, no que depender da Prefeitura do Rio de Janeiro, a dona desse espaço cultural, doravante a Primavera dos Livros se dará sempre sob os pilotis do museu.  Correu à boca pequena (nem tão pequena assim) que a antiga sede do evento, o Museu da República, instalado no Palácio do Catete (a feira ocorria nos vastos jardins do museu), teria cobrado muito caro pelo aluguel do espaço e a LIBRE (Liga Brasileira de Editoras) – espécie de cooperativa de editoras pequenas que promove o evento – não teve condições de arcar com a despesa.

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Havíamos combinado comparecer na lista de WhatsApp do clube de leitura Vórtice Rio.  Adílson Júnior, Luiz Felipe Vasques e Juliana Berlim confirmaram presença.  Embora não tenha dado sinais de vida na lista, Ricardo França compareceu assim mesmo.

Às 13h25min caminhei até a Pacheco Leão, onde embarquei num Uber Comfort rumo à Praça Mauá (onde se situa o MAR).  A viagem durou 25 minutos e custou 46 reais.  Leitura de bordo (no celular): novela de ficção científica O Despertar de Sophia (Amazon KDP, 2025), de Tibor Moricz.

O itinerário escolhido pela uberista Isabela nos levou a contornar a Rodoviária Novo Rio e seguir pela Avenida Rodrigues Alves, beirando os armazéns abandonados do Cais do Porto, onde não se observava vivalma caminhando pelas calçadas desertas de uma aparente cidade fantasma.  Em seguida, entramos na Rua Arlindo Rodrigues, recentemente urbanizada, com prédios novos reluzentes, mas igualmente deserta, talvez pelo fato de só abrigar estabelecimentos comerciais.  Depois de tudo que ouvi falar sobre a pretensa revitalização da Região Portuária do Rio, julguei que me depararia com mais, ahn, vitalidade sob a forma de um certo movimento e, quem sabe, moradores, sei lá, pedestres transitando.  Mas não foi o caso.  Só avistamos pedestres quando estávamos praticamente chegando à Praça Mauá.  Esse itinerário nos fez passar pelo Acqua Rio e pela Roda-Gigante[2], que eu ainda não tinha visto ao vivo.

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Desembarquei na Praça Mauá às 13h50min e logo constatei que a Primavera dos Livros rolava no térreo do Museu de Arte do Rio, resguardado do fulgor do sol naquele início de tarde de primavera pela laje que se apoia nos pilotis do prédio.

Num reconhecimento preliminar rápido, percorri o “corredor” central que se estendia no sentido longitudinal do térreo entre as duas fileiras de estandes da editoras ali presentes.  Julguei o evento como um todo e o número de expositores menor do que nos certames de anos anteriores nos jardins do Palácio do Catete.  Por se localizarem em área coberta, os estandes este ano não precisaram dos telhadinhos que caracterizam seus símiles de certames anteriores – fato que, imagino, deva ter barateado os custos – afinal, em vez que barraquinhas completas, algo semelhantes a bancas de jornais antigas, os estandes deste ano lembravam bancas de camelô.  Ao fim desse corredor havia dois quiosques de comida.  Segundo informes, vendiam quitutes da cozinha baiana.  À direita do corredor central havia outro estande gastronômico, de acordo com Adilson, vendiam comida mais cara e supostamente melhor do que a servida nos quiosques.  Aliás, devo ao Adilson todas as avaliações gastronômicas daquela tarde no museu, pois que não me aproximei dos quiosques ou do estande.

Encontrei Adílson ao fim do reconhecimento inicial e, uma vez juntos, “resgatamos” o amigo comum Ricardo França no estande da Aleph.  Do nosso ponto de vista, esse estande era o mais tentador da feira.  Examinamos os lançamentos e as novas edições de diversos romances que amamos, vários dos quais, inclusive, já analisados em nossas reuniões do Vórtice.  Imagino que França, com sua força de vontade enfraquecida pela fome, deva ter deixado umas boas centenas de reais por ali.  No que me tange, resisti bravamente às tentações da Aleph, só para sucumbir a um lançamento da Seiva: Como Criar Histórias: um guia prático para escritores, da Ursula K. Le Guin.  Minha única aquisição naquela tarde.

Por falar em livros, aproveitei o ensejo para passar às mãos do Adílson um exemplar da edição capa dura do meu romance de ficção científica teológica Novas do Purgatório (Amazon KDP, 2024).  Também passei às mãos do Ricardo e do Adílson exemplares em brochura da minha coletânea Relatos Desgarrados (Uiclap, 2024), livros que vendo no Brasil em formato digital e que imprimo um ou outro para agradar os amigos.

Pouco após essas entregas, nossa amiga Juliana Berlim deu o ar de sua graça.  Infelizmente, não pôde ficar conosco até o fim da nossas aventuras literárias.

Bráulio Tavares apareceu pouco depois.  Fiquei bastante satisfeito e algo surpreso em revê-lo.  Pois, ao contrário de Ricardo e Adílson, não sabia que o Bráulio participaria de uma mesa-redonda no quinto andar do museu, “Encontros e Confrontos na Ficção Científica e no Mistério”.  Afinal, qualquer mesa tripulada por esse velho amigo dos primeiros tempos da sucursal carioca do Clube de Leitores de Ficção Científica é diversão e entretenimento intelectual garantidos.


Adílson Júnior, Ricardo França, GL-R, Bráulio Tavares e Juliana Berlim no “corredor” central.

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Enfim, Luiz Felipe Vasques apareceu e se reuniu à nossa roda de bate-papo animada que rendeu reminiscências deliciosas e boas risadas.  Bráulio e Adílson nos contaram que os primeiros certames da Primavera dos Livros se deram no interior do Jockey Club da Gávea, lá por idos de 2005.  Adilson, Felipe e Juliana aproveitaram a presença do autor para adquirir exemplares do livro mais recente de não-ficção do Bráulio: Não Ficções: a Literatura e a Ficção Científica, os escritores e seus escritos (Bandeirola, 2023) no estande da editora.  Naturalmente, esses exemplares foram autografados no ato pelo Bráulio.  Ricardo se imbuiu de coragem e sacou seu exemplar da mochila (previdente, havia adquirido antes do autor chegar) para coletar o seu autógrafo, mas a coragem não se estendeu a ponto de pedir que autografasse os outros dois livros do Bráulio que também havia adquirido naquela tarde.  Quem sabe não fica para a próxima?

Conversamos bastante sobre ficção científica e um assunto que surgiu espontaneamente foi o das nossas experiências pitorescas e/ou hilárias recentes com aplicativos dotados de rudimentos de inteligência artificial.  Lembramos dos esforços hercúleos de Adílson para (re)educar I.A. recalcitrantes, um método que ele invariavelmente começa obrigando o programinha safado a confessar que está inventando respostas falsas e o fazendo jurar de pés virtuais juntos que não incidirá mais nesse erro.  Falar em fakes de IA mal intencionadas levou-nos ao assunto das redes sociais e dali ao combate às fake news de cunho pseudocientífico, o que nos fez lembrar do Instituto Questão de Ciência, capitaneado por nosso amigo Carlos Orsi e a esposa Natalia Pasternak.

Quando Bráulio nos contou o enredo de um romance do autor britânico M. John Harrison que ele está lendo e gostando muito, Ricardo comentou que não conhecia muitos autores britânicos além do Arthur C. Clarke.  Lembrei-o de que ele já leu romances de, pelo menos, H.G. Wells, Aldous Huxley, George Orwell, Brian Aldiss, John Wyndham, Douglas Adams e Ian M. Banks.  Isso para não falar doutros, menos publicados em português (mas Ricardo lê em inglês fluentemente), tais como Adrian Tchaikovsky, Alastair Reynolds, Charles Stross, Peter F. Hamilton e vários outros.  Conquanto siderado pela fome, prudentemente, ele retirou o que disse.😉

Juliana aproveitou o ensejo para confirmar o convite a Bráulio Tavares para que esse compareça numa reunião do grupo de leitura em literatura fantástica que ela coordena junto aos alunos do Colégio Pedro II, onde leciona.  Pouco depois, ela se despediu de nós e partiu rumo a outro museu, o da República, se não me engano, para assistir e/ou participar de um evento sobre café (???).

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Como a mesa da qual o Bráulio participaria começava às 16h00, subimos meia hora antes até o auditório situado no Espaço Cais, no quinto andar do museu.  Quando os funcionários do museu tentaram barrar nosso acesso, explicamos que fazíamos parte do staff do Bráulio Tavares. Daí, facultaram o nosso acesso sem maiores questionamentos.  Porém, mesmo assim, julgamos melhor ingressar no elevador junto com ele.

A mesa-redonda começou pontualmente às quatro da tarde e contou com três intérpretes em libras, que se revezaram ao longo do evento.  A M-R foi transmitida ao vivo pelo YouTube.  LIBRE já disponibilizou o link:

https://www.youtube.com/watch?v=HQ1WN481yDc&list=PLgjcH81nFcdZzacfIBlv8mJrMSsCCkmhL&index=3


Esquenta da mesa-redonda com Luiz Felipe Vasques e a gang habitual.

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A mesa-redonda foi mediada autor e publisher da Seiva[3], Daniel Lameira, com a participação de Bráulio Tavares e do autor e editor Marcelo Ferroni.

Lameira atuou com precisão ao estimular os autores da mesa, levando-os a falar livremente sobre seus ofícios, escritos e anseios.  Sentados na primeira fila do auditório, ouvimos com interesse os detalhes sobre a carreira e processo criativo do Marcelo que, embora milite no mainstream e no horror, já escreveu um romance de FC graças ao incentivo do Bráulio.  Contudo, para mim e, acredito para os três amigos na plateia (Juliana não assistiu à mesa), o mais interessante foi a participação de nosso amigo comum, que tenho como meu sênior e mentor nas lidas de escritor e estudioso de ficção científica.  Foi um prazer ouvir o Bráulio falar sobre sua iniciação literária como cronista, poeta e ficcionista desde menino em Campina Grande.  Vê-lo discorrer sobre as métricas e versificações da poesia; as sutilezas e dificuldades inerentes ao processo criativo para se escrever (boa) ficção científica; seus trabalhos como escritor de ficção e não-ficção; e diversos outros temas e assuntos correlatos foi uma delícia, mesmo para aqueles de nós que já haviam escutado boa parte do que ele falou em ocasiões anteriores.  Porque além de escrever muito bem, Bráulio também fala muito bem.  Sobre qualquer assunto que se disponha a falar.  Ponto.  Agora, quando ele se dispõe a falar sobre FC, é um espetáculo imperdível, não importando muito o quanto você já tenha ouvido discorrer sobre esse tema antes.

Poderia escrever vários parágrafos detalhando o que esses dois escritores falaram na tarde desse último sábado, mas prefiro que você sinta em primeira mão o mesmo prazer que tive anteontem.  O link está aí em cima.

Ao fim das falas de Bráulio e Marcelo, naquela espécie de pingue-pongue orquestrado por Daniel Lameira, esse passou a palavra à plateia numa rápida sessão de perguntas e comentários.

 

Mesa-Redonda “Encontros e Confrontos da Ficção Científica e do Mistério” com

Daniel Lameira (mediador); Marcelo Ferroni; e Bráulio Tavares.

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Descemos juntos no elevador até o térreo do museu.  Adílson se despediu de nós, praticamente à porta do elevador.  Depois de uns vinte minutos de bate-papo ali, eu, Felipe e Ricardo nos despedimos do Bráulio e dos demais e tomamos nossos caminhos de volta para casa.

Eu e Felipe dividimos um Uber Comfort para a Zona Sul.  Na viagem conversamos sobre uma mesa-redonda que estamos tentando organizar no Centro Cultural da Justiça Federal.  Ainda conversamos sobre as segundas temporadas das séries de streaming de super-heróis Pacificador (HBO Max) e Gen V (Prime Video).  Observamos que o sexto episodio dessa temporada da série da HBO dialoga de forma bem-humorada com a série de streaming de história alternativa O Homem do Castelo Alto (também da Prime Video, quatro temporadas, 40 episódios ao todo), inspirada no romance homônimo de Philip K. Dick.

Chegando em casa, finalmente comi o pedação de pizza caseira que me aguardava em companhia de uma garrafa de Clos de Torribas Crianza 2018.  Daí pensei: e, por que não?  Liguei a TV e retomei a série O Homem do Castelo Alto que havia parado há tempos, assistindo ao primeiro episódio da terceira temporada.  O problema é que, quando enfim terminar de assistir a essa série, precisarei pôr a preguiça de lado, pois haverá muito o que escrever para a segunda edição do meu Cenários de História Alternativa.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2025 (segunda-feira).

 


Participantes:

Adílson Júnior

Bráulio Tavares.

Daniel Lameira.

Gerson Lodi-Ribeiro.

Juliana Berlim.

Luiz Felipe Vasques.

Marcelo Ferroni.

Ricardo França.

 



[1].  Nos velhos tempos da Draco, compareci à Primavera dos Livros de 2014 a 2019 para encontrar amigos junto ao estande daquela editora.  Com exceção do certame de 2017, que transcorreu na Casa França-Brasil, os outros cinco se desenrolaram nos jardins do Palácio do Catete.  Em decorrência da pandemia de Covid-19, nos anos de 2020, 2021 e 2022 não houve Primavera dos Livros.  O evento foi retomado em 2023.  Não compareci em 2023 e 2024 porque a Draco não montou estande lá.  No entanto, apesar de nova ausência da minha antiga editora, neste ano – animado por conta da nova localização – resolvi comparecer e não me arrependi.

[2].  Instalar uma roda-gigante ao nível do mar em uma cidade repleta de morros como o Rio soa como um contrassenso.  Porque, do alto de qualquer morrinho de meia-tigela se consegue vislumbrar uma vista mais deslumbrante do que do alto de uma roda-gigante.  Mas, enfim, há gosto para tudo.

[3].  Mundinho pequeno: ouvi falar dessa editora pela primeira vez na vida ao adquirir o livro da Le Guin hora e meia antes...