quarta-feira, 9 de outubro de 2019


#Educa da MultiRio
Especial de Ficção Científica


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“A ficção científica é o gênero literário, mas não só, em que a narrativa não consegue se sustentar sem elementos de extrapolação científica e/ou tecnológica.”



Estive hoje nos estúdios da MultiRio, canal de televisão da Prefeitura do Rio de Janeiro, para uma transmissão ao vivo do programa #Educa sobre a ficção científica como estímulo à aprendizagem de ciência, sobretudo entre os jovens.

Segundo a apresentadora Flávia Lobo e a diretora do programa, Alessandra Sauberman, o público-alvo do #Educa é constituído por professores e alunos.  Temática e plateia até certo ponto semelhantes àquelas das mesas-redondas de que participei na FIOCRUZ em 2004 e 2015.  Só que desta vez seria televisionado ao vivo e disponibilizado, também ao vivo, no canal da MultiRio no Facebook.  Dentro em breve também será colocado no YouTube.

A MultiRio se situa no Largo dos Leões Nº 15, no Humaitá.  Lembro de já ter estado uma vez na emissora uns dez ou quinze anos atrás para gravar um programa sobre ficção científica em companhia do Max Mallmann, mas creio que não registrei crônica a respeito.

O programa foi mediado pela Flávia.  Os convidados foram meu amigo de longa data, o astrônomo do Planetário do Rio de Janeiro, Naelton de Araújo e eu.

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GL-R na entrada do estúdio da Multi-Rio para o #Educa.




Para garantir que chegaria no horário combinado, após me arrumar sem estresse, tomei um táxi daqui de casa até o Humaitá.  Viagem rápida e tranquila.

Uma vez no prédio da MultiRio, identifiquei-me na portaria, retirei o crachá de visitante e subi de elevador até o playground, que é onde os estúdios da emissora se situam.

Assim que saltei na MultiRio, fui mandado direto à sala de maquiagem para passar aquele produto que retira o brilho do rosto.  Walter, o profissional que me atendeu, trabalhou de forma rápida e segura.  Além disso, ainda tirou uma foto minha com meu celular junto ao logo do #Educa.

Pouco depois apareceu Fernanda Celleghim, nosso contato junto à MultiRio, que eu já mais ou menos conhecia desde maio último por troca de e-mails e mensagens de WhatsApp.  Pois a emissora, Naelton e eu já estávamos tentando marcar essa participação desde cinco meses atrás.  Enfim, pude conhecer a Fernanda pessoalmente.

Ela me passou o termo de cessão de direitos de imagem para que eu assinasse.  Em seguida, mostrei os livros que eu havia trazido para exibir no programa, se tal fosse possível.  No meio da conversa, de repente nos tocamos que nós dois somos servidores públicos da Prefeitura, aliás, assim como o Naelton, porque o Planetário é uma fundação municipal.  Pouco depois, Fernanda me apresentou à diretora Alessandra e à apresentadora Flávia Lobo.

Naelton chegou minutos mais tarde e foi logo conduzido à sala de maquiagem.  Depois que ele saiu de lá, eu, ele e a Fernanda ficamos conversando enquanto aguardávamos a hora de entrar no estúdio de onde o programa seria transmitido.  O tema principal desse bate-papo foi nossas experiências e dissabores como servidores públicos da Prefeitura.

*     *      *



Quinze ou vinte minutos mais tarde, fomos para o estúdio e um técnico nos colocou os microfones sem fio com seus respectivos transmissores presos às nossas calças.

Flávia repassou a pauta básica do programa conosco e nos orientou quanto às câmeras, a duração e o andamento da transmissão.  Frisou que a pauta era apenas para nos guiar e que poderíamos sair um pouco do roteiro, se o rumo do bate-papo se mostrasse interessante.

Quando Fernanda nos passou o link da transmissão ao vivo pelo Facebook, reativei brevemente o celular que desligara pouco antes, a fim de retransmiti-lo a uns poucos grupos de WhatsApp.

Daí ela, Naelton e eu começamos a conversar sobre ficção científica em geral e seu emprego para estimular as crianças e jovens a se interessarem por ciência.  Falamos de literatura, cinema, jogos e quadrinhos de ficção científica, comentando até O Poço do Visconde, clássico infantojuvenil de Monteiro Lobato.

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De repente, a hora chegou e, de um instante para outro, Flávia se voltou para a câmera dela e, num tom de voz animado, mais profissional e menos coloquial do que o empregado até aquele instante, enunciou a fala de abertura do programa.  Então, apresentou-nos aos telespectadores.  Começamos nossa participação pelo começo, ou seja, pelas próprias definições da ficção científica como gênero.  Falamos um pouco da função didática gernsbackiana da FC, contrabalançada pela função de entretenimento.  Também falamos da tendência verniana de encarar o gênero como literatura de antecipação, em oposição à postura dos autores mais recentes, que se mostram menos preocupados com a previsão ou antecipação do que com a prevenção, no caso, prevenir contra a eventualidade de cenários distópicos.

Daí, instigados pela Flávia, discorremos sobre os temas principais da ficção científica, tais como as viagens espaciais, viagens temporais, vida extraterrestre, alienígenas, terrígenas, robôs e inteligências artificiais.

Também falamos sobre a necessidade da ficção científica de trabalhar com questões extraordinárias, no sentido de sair do ordinário, bem como da facilidade do gênero em abordar temas delicados e sensíveis, sem apelar para o proselitismo ou o sentimentalismo.  Citei o exemplo clássico do beijo interracial entre Kirk e Uhura na Série Clássica da Jornada nas Estrelas e do emprego do conceito de especismo (discriminação de alienígenas) com crítica ao racismo.

Delineamos trechos dos enredos dos romances Vinte Mil Léguas Submarinas do Jules Verne; A Máquina do Tempo do H.G. Wells; e Contato do Carl Sagan.

Flávia me pediu para falar um pouco dos meus livros.  Daqueles que eu levei, ela e a Alessandra haviam selecionado previamente, o romance de história alternativa Xochiquetzal: uma Princesa Asteca entre os Incas (Draco, 2009); o romance de ficção científica Octopusgarden (Draco, 2017); e a coletânea Histórias de Ficção Científica por Carla Cristina Pereira (Draco, 2012).  Ao discorrer sobre Xochiquetzal, aproveitei para introduzir o conceito de história alternativa como subgênero da FC.  Sobre Octopusgarden, enfatizei que se tratava de uma narrativa de golfinhos inteligentes tentando impor suas vontades aos criadores humanos.  Ao falar da coletânea, abordei a questão dos pseudônimos e das premiações conquistadas por Carla, que acabaram culminando na decretação de sua morte, a fim de possibilitar a inclusão daqueles prêmios ao meu currículo.

Na parte em que falamos de ciência na educação infantojuvenil em geral, apoiados pelo material coligido pela produção, falamos sobre O Poço do Visconde e Reinações de Narizinho, ambos de Monteiro Lobato; Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho, ambos de Lewis Carroll; a saga de Harry Potter da J.K. Rowling; as Crônicas de Nárnia do C.S. Lewis; e até mesmo a serie alemã Perry Rhodan, já publicada no Brasil.  Baseado em sua experiência com o público infantil que visita o Planetário, Naelton citou algumas dificuldades, como, por exemplo, a das crianças abrangerem o conceito de planeta.  A partir do papo de antes da transmissão, Flávia pediu que eu repetisse uma dúvida que tive com a rocha diábase quando li O Poço do Visconde.  Naelton enfatizou a importância de Harry Potter para despertar o hábito da leitura nas novas gerações.

Apresentei brevemente a gênese da ficção científica segundo o evangelho de Brian W. Aldiss, assim como expresso em nossa bíblia sagrada, Trillion-Year Spree: The History of Science Fiction.  A tese de São Aldiss é que a FC é fruto de um ménage entre uma mãe, Mary Shelley, célebre autora de Frankenstein, e dois pais, Jules Verne e H.G. Wells, com a dificuldade de que os dois pais não se davam bem e, sobretudo, possuíam visões muito distintas de o que é a ficção científica e para o que ela serve.

Como aconteceu em certames passados dos quais participamos juntos, rolou uma química positiva e eficaz entre eu e Naelton.  Em várias ocasiões, um complementava a fala do outro, ou pegava uma tirada do outro no ar, como um bate-bola bem ensaiado.

Porém, como tudo o que é bom termina cedo, após ínfimos trinta e dois minutos do início do programa, o #Educa acabou.

Alessandra, Flávia, Naelton, GL-R, Fernanda.



Fora do estúdio, continuamos conversando por quase uma hora.  Aproveitei o ensejo para presentear alguns aficionados da MultiRio com exemplares autografados dos meus livros.  Se não me engano, foi um A Guardiã da Memória (Draco, 2011) para a Flávia; um Xochiquetzal e uma coletânea da Carla para a Fernanda; um Estranhos no Paraíso (Draco, 2015) para a Alessandra; e um Octopusgarden para o Pedro.  Já para o Naelton, dei um exemplar do Aventuras do Vampiro de Palmares (Draco, 2014).  Atendendo aos pedidos, falei um pouco sobre a gênese do Octopusgarden e as malevolências sexuais dos golfinhos; e revelei a ideia seminal que me inspirou a escrever A Guardiã da Memória.

Enfim, Naelton precisou partir às pressas de táxi rumo ao Planetário e daí eu desci até o Largo dos Leões, onde tomei um 583 para casa.


Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 08 de outubro de 2019 (terça-feira).




Participantes:

Alessandra Sauberman.

Fernanda Celleghim.

Flávia Lobo Antunes.

Gerson Lodi-Ribeiro.

Naelton Mendes de Araújo.

Pedro Azevedo.

Walter do Valle.






terça-feira, 8 de outubro de 2019


Primavera Literária 2019

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Tivemos a presença de dinossauros triássicos (no CLFC desde os anos 1980), jurássicos (dos anos 1990) e cretáceos (dos anos 2000, a garotada paleorreptiliana).  Os lagartos mais jovens são Período Cenozoico (anos 2010)”

(Eduardo Torres, sobre o lançamento carioca do romance Back in the USSR do Fábio Fernandes, mas plenamente aplicável aos encontros fortuitos desta e doutras Primaveras Literárias)



Dia 1 (Sexta-feira – data estelar: 20191004P6)

Dei partida nesta tarde ensolarada de sexta-feira ao meu certame pessoal na Primavera Literária 2019.  Como de costume, o evento transcorre no jardim do Museu da República, antigo Palácio do Catete.  Esta é a sexta participação da editora Draco na Primavera Literária Carioca e a sexta vez que marco presença nessa feira literária.

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Hoje cheguei mais cedo ao trabalho, neste que foi o meu último dia, antes das duas semanas de férias que desfrutarei até o próximo dia 21.  A ideia de adiantar os serviços mais urgentes não funcionou a contento, pois meu micro jurássico se recusou terminantemente a ligar.  Não sei se foi mau contato na tomada (testei e não pareceu ser) ou se a fonte de alimentação pifou de vez (afinal, a fonte é sempre a suspeita mais provável, uma espécie de mordomo dos micros defeituosos), mas o fato é que tive que trabalhar na máquina do Marco Aurélio e, como foi só por uma tarde, achei melhor não reconfigurá-la de acordo com as minhas preferências.

Por volta das 15h45, saí do Rio Sul e caminhei até a Voluntários da Pátria, onde tomei o metrô lotado até a estação Catete.  Conquanto essa superlotação no vagão em que embarquei, a viagem transcorreu rápido e sem incidentes.

O estande Nº 52 da Draco é um dos mais distantes da entrada principal do museu, que se dá pela Rua do Catete, junto ao acesso à estação de metrô homônima.  Presentes no estande estavam minha amiga Ana Lúcia Merege e a responsável pelo estande, Débora Marinho, nossa conhecida da Primavera passada e da última Bienal do Rio.  Neste certame, o estande da Draco é geminado com o da Belas Letras, editora que lançou a série de tiras humorísticas com as levadezas simpáticas e divertidas de Alfredinho, uma espécie de Calvin tupinica.  A responsável por esse estande coirmão é a jovem niteroiense espirituosa, Kelly Costa.

A caminho para o estande da Draco, encontrei brevemente com Vitto Graziano, publisher da Luva Editorial, que conheci há quatro meses durante a FLIP 2019.

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Pouco depois chegava Luiz Felipe Vasques.  Foi a primeira vez que nos encontramos desde a eleição em que ele se sagrou presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica, com 82% dos votos válidos.  Desde a fundação do clube em 1985, esta foi a primeira eleição em que houve duas chapas concorrentes, em vez da chapa única tradicional.

Dez ou quinze minutos mais tarde, Eduardo Torres se juntou a nós no estande da Draco.  Durante a hora seguinte, nós três conversamos bastante sobre as possibilidades e estratégias de transformar o CLFC em pessoa jurídica.  Felipe ficou de acionar uma amiga contadora que já se ofereceu como voluntária, tão logo receba os papiros sagrados das mãos de Clinton Davisson, ex-presidente que acaba de deixar o cargo após quatro mandatos consecutivos, período em que o antigo hierarca galáctico aproveitou para recriar e consolidar o Prêmio Argos, além de divulgar nossa agremiação acima e além do dever, inclusive, com sacrifícios pessoais de monta.

Daniel Russell Ribas fez uma aparição meteórica no estande da Draco, pois estava a caminho da reunião em um grupo de leitura lá em Copacabana.  Meu amigo pareceu mais sereno do que em certames passados.  Porém, uma vez Ribas, sempre Ribas.

Travamos contato com o jovem escritor e aficionado Matheus Bentes.  Edu, Felipe, Matheus e eu conversamos sobre o enredo do romance Aniquilação (Intrínseca, 2014)[1] e suas continuações, do Jeff Vandermeer e do filme baseado nessa Trilogia Comando Sul.  Daí, destrinchamos a narrativa de Solaris do Stanislaw Lem, tanto o romance (José Olympio, 1972)[2] quanto os dois filmes nele baseados: o do Andrei Tarkovski (1972) e o do Steven Soderbergh (2002), ambos boas versões cinematográficas, cada um com suas virtudes e defeitos, extensos demais para destrinchar aqui.

Pouco depois do Matheus deixar o estande da Draco, quem apareceu por ali foi o Pedro Ribeiro, amigo que eu já não via há um bom tempo.  Velha-guarda da comunidade de ficção científica carioca, Pedro frequentava aquelas reuniões do CLFC-RJ que se davam no playground do Cid Miranda ou no salão de festas do prédio do Rubenildo Python de Barros na segunda metade da década de 1980.  Conversamos um bocado sobre múltiplos cenários históricos alternativos com pontos de divergência situados na República ou no Império Romanos, com destaque para a conquista de Roma pelas hostes mercenárias do general cartaginês Aníbal Barca e o êxito do imperador Juliano o Apóstata em suprimir o Cristianismo.  Pedro também discorreu sobre o percurso tortuoso de um punhado de tópicos caros à escola filosófica de Atenas até se aninharem no mundo islâmico medieval.

Quando Edu Torres debandou, eu, Felipe, Ana Merege e Pedro aproveitamos o ensejo de acompanhá-lo até a entrada da Rua do Catete para fazer uma boquinha na cafeteria junto ao museu.  O papo na mesinha da cafeteria girou em torno das reuniões antigas da ala carioca do CLFC.

Na volta para o estande da Draco, ouvi uma sucessão de gritos lancinantes, emitidos por um pavão histérico à procura de suas fêmeas em meio à multidão de bípedes humanos.  Pelo caminho, deparei-me com exemplares da antologia Fractais Tropicais (SESI-SP, 2018), no estande daquela editora.  Organizada pelo Nelson de Oliveira, essa antologia foi agraciada com o Argos 2019 na categoria Melhor Coletânea ou Antologia.  O livro estava sendo vendido por R$ 56,00.  Segundo a funcionária do estande, o preço cheio era de setenta reais (R$ 69,90), desconto de vinte por cento, portanto.

Em seguida, parei no estande da Aleph, que está com títulos excelentes (a maioria dos quais, infelizmente, relançamentos com capas novas e mais bonitas do que as das edições anteriores) e bons descontos.  Nesse estande, reencontrei Felipe, que havia saído para acompanhar a Ana Merege até a estação de metrô do Catete e o Ribas, que voltou desalentado de sua reunião lá em Copa: o evento deixou de ocorrer, pois os organizadores esqueceram as chaves para abrir as portas do local.

De volta ao estande da Draco, eu, Felipe e Ribas conversamos um bocado com a Débora e a Kelly sobre o movimento da Primavera.  Essa parece ter sido uma sexta-feira atípica.  Ao contrário do que aconteceu nos certames anteriores, neste ano, a quinta-feira (dia da abertura) bombou mais do que a sexta.  Por outro lado, o movimento hoje começou a aumentar à medida que anoitecia.  Também conversamos com as meninas sobre o Rock in Rio 2019 e as encarnações passadas desse festival.  Quando eu e Felipe contamos que estivemos no legendário primeiro Rock in Rio em 1985 (separados, pois à época ainda não nos conhecíamos), elas se conscientizaram do quão triássicos nós realmente somos.

Ribas regressou à Primavera em companhia de um amigo, Wagner Guimarães, que coordena um grupo de leitura de autores hispano-americanos.  Bati um papo com o Wagner, sujeito estoico que conquistou de imediato minha admiração profunda por sua resistência heroica, serena e surpreendentemente bem-sucedida ao assédio quase irresistível do Ribas ao longo de quase meia hora, na tentativa de persuadi-lo a adquirir um exemplar da antologia Kaiju: Monstros Gigantes (Draco, 2015), que Ribas coorganizou com o Felipe e que foi agraciada com o Argos 2016 na categoria Melhor Coletânea ou Antologia.[3]

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Estande da Draco: Débora Marinho, Ana Lúcia Merege.

Eduardo Torres e Ana Lúcia Merege.

Luiz Felipe Vasques ("Mr. President!"), Edu Torres, Ana Merege.






Por volta das 20h20, eu e Felipe ajudamos a Débora e a Kelly a fechar os estandes geminados da Draco e da Belas Letras e caminhamos com elas até a estação do Catete, junto à entrada principal do Museu da República.  Embarcamos rumo ao Jardim Oceânico e elas rumo à estação Uruguai.

Despedi-me do Felipe na estação Botafogo, onde saltei para pegar o ônibus da integração para casa.  Durante essa viagem de regresso, iniciei a leitura da novela The Great Big Beautiful Tomorrow (PM Press, 2011), do Cory Doctorow.  Até agora, muito boa mesmo!

Amanhã tem mais.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 04 de outubro de 2019 (sexta-feira).






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“Não sei se vocês também têm esta impressão, mas creio que estamos sendo governados pelos piores alunos da turma.”



Dia 2 (Sábado – data estelar: 20191005P7)

Saí de casa por volta das 13h20 no velho e fiel busão 409, pois ele me deixaria direto na Praia do Flamengo.  Leitura de bordo: The Great Big Beautiful Tomorrow.

A primeira burrada da tarde se deveu a ter me empolgado demasiado com a leitura da novela referida, a ponto, de repente, me assustar ao julgar ter perdido o ponto e acabar saltando umas cinco ou seis quadras antes da parada em frente ao jardim do Museu da República.  No entanto, como fazia uma tarde bela e ensolarada e a caminhada se deu à sombra dos prédios da Praia do Flamengo, levei a burrada da boa em vez de lamentar a experiência agradável.

A segunda burrada foi mais grave, por exibir o caráter torpe e senil da reincidência: não atinei que os portões da entrada do museu que dão para a praia estariam fechados no fim de semana, embora já houvesse cometido esse mesmíssimo erro crasso no ano passado.  Se errar é humano, persistir no erro é a mais pura e rematada burrice.  Como castigo, precisei caminhar pela longa Rua Silveira Martins, via lateral que ladeia o jardim do museu, até alcançar a entrada principal, único acesso nos fins de semana e feriados, em plena Rua do Catete.

Algum tempo mais tarde, aderi ao abaixo-assinado que passou pelo estande da Draco, capitaneado pela funcionária de um estande próximo, solicitando a abertura desses mesmos portões durante os fins de semana das Primaveras Literárias.  Felipe e Débora Marinho também assinaram.  Só que acabei esquecendo de conferir se o manifesto surtiu efeito ou não.

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Cheguei enfim ao estande da Draco mais puto da vida do que esbaforido.  Cumprimentei a Débora e a Kelly, e lhes descrevi minha asneira imperdoável.  Meu humor só melhorou com a chegada dos amigos Luiz Felipe Vasques e Ricardo França no estande da Draco coisa de dez minutos depois.

Cinco ou dez minutos mais tarde, travei contato pessoal com um amigo que só conhecia do Facebook e doutras redes sociais[4]: Ricardo Labuto Gondim, que passou pelo estande da Draco acompanhado por sua esposa.  Não houve tempo para conversar muito, pois eles estavam algo apressados e nós três estávamos preocupados com nossa reunião do Vórtice Rio que estava prestes a começar.

Aliás, por falar em quórum para tal reunião, Adílson Júnior e Renata Aquino apareceram pouco depois.  Só que não ao mesmo tempo.  Renata e o namorado apareceram primeiro.  Aproveitei o ensejo para lhe dar meu exemplar do romance gráfico Cangaço Overdrive, que seria analisado na reunião.  Daí lembrei do exemplar da antiquíssima antologia Phantastica Brasiliana (Ano-Luz, 2000), que organizei com meu amigo Carlos Orsi Martinho.  Cláudia está fazendo oficina de encadernação e me pediu um livro qualquer para encadernar em capa dura.  Eu lhe cedi um exemplar dessa antologia e ela o transformou num hardcover.  Como tenho esperanças de que ela produza um outro, só que com capa e lombada impressas em letras douradas (conhecimento que ela só adquiriu na aula passada), resolvi doar esse primeiro hardcover.  Como o França já possuía um exemplar e o Felipe não, presenteei esse último com o livro.

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Antes do Adilson aparecer no estande da Draco, Renata se desgarrou com o namorado para visitar outros estandes.  Quando ele finalmente se reuniu a nós, esperamos por ela mais algum tempo e daí caminhamos até a lanchonete situada próximo à gruta artificial do jardim.  Embora não houvesse mesas ali, acomodamo-nos em bancos perto de um palco onde dentro em pouco rolaria uma palestra literária.  Ainda esperamos um pouco pela Renata.  Como ela não apareceu, começamos assim mesmo.  De repente, ela se sentiu desmotivada por ainda não ter lido o romance gráfico.  Aliás, apenas o França e o Adilson haviam lido o trabalho escolhido em sua totalidade e só o Adílson lembrava do que havia lido, de forma que, a nosso pedido, ele nos apresentou um resumão básico da trama.

Lá pelas tantas, Felipe partiu em nova missão, agora para resgatar dois amigos que não conseguiam chegar até o sítio onde estávamos.  Em seu regresso com os amigos a tiracolo, descobrimos que não eram outros se não Flávio Lúcio Abal e Gabriel Filipe Cruz.

A chegada desses dois amigos foi decisiva para enterrar de vez nossas pretensões derradeiras de continuar com aquela reunião natimorta.  Um funeral e tanto, pois engrenamos rápido num bate-papo do tipo Sessão da Tarde tremendamente animado.  Primeiro, Felipe se lembrou de um pequeno clássico da comédia inteligente, O Rato que Ruge (1959), dirigido por Jack Arnold e estrelado pelo sensacional Peter Sellers em três papéis diferentes.  Só que tudo não passou de um ardil para falar da sua continuação menos famosa e sem o Sellers, O Rato na Lua (1963), dirigido por Richard Lester, em que o pequenino grão-ducado de Grand Fenwick participa da corrida espacial junto com os Estados Unidos e a União Soviética.  Cada uma dessas três nações envia sua própria nave espacial para a Lua, com consequências hilárias imagináveis.  Desses dois filmes, só assisti ao primeiro (muitas vezes, na supracitada Sessão da Tarde).  Lógico que o papo culminou com nossa análise comparativa bem-humorada do filme Os Primeiros Homens na Lua (1964), dirigido por Nathan Jura, baseado no romance homônimo[5] (Francisco Alves, 1985) do H.G. Wells.  A curiosidade é que, como tanto a narrativa do romance quanto a do filme se passam no século XIX, mas a trama do romance é contemporânea e a do filme não, os roteiristas Nigel Kneale e Jan Read inventaram uma solução engenhosa para contar a história do jeito certo e essa solução ficou bem legal.

Findo esse bate-papo, eu, França e Adilson regressamos com certo vagar ao estande da Draco.  Ao longo desse percurso, Adilson discorreu sobre as qualidades dos contos pseudofantásticos da coletânea As Coisas que se Perdem no Fogo (Intrínseca, 2017), da autora argentina Mariana Enriquez, nossa próxima missão no Vórtice Rio.

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Um dos pontos altos desta tarde de sábado foi sem dúvida reencontrar meu velho e grande amigo Ronaldo Fernandes, acompanhado pela esposa Simone e pela filhinha de seis anos Letícia, que se escondeu atrás do pai por timidez, enquanto a mãe socorria um garotinho que tomou um tombo no gramado defronte ao estande da Draco.

Ronaldo me indagou se eu já havia sido o romance O Problema dos Três Corpos (Suma de Letras, 2016), do autor chinês Cixin Liu.  Sincronicidade incrível!  Pois é justamente o romance que comecei a ler meros dois dias atrás.  Já passei da metade e, por enquanto, estou adorando.  Entusiasmado, mas também preocupado em não perpetrar spoilers, Ronaldo me pediu para que conversássemos assim que eu acabar a leitura.  O pior de tudo (ou, de repente, o melhor!) é que estou sentindo que vou emendar a leitura desse romance com suas duas continuações, uma vez que já as adquiri: A Floresta Sombria e O Fim da Morte.  Vamos que vamos!

Outro grande papo foi aquele que eu e França tivemos sobre os professores da Eletrônica que compartilhamos em nossos cursos na Escola de Engenharia da UFRJ.  Lembramos de personalidades icônicas como Jomar (Sistemas Lineares I e II); Olympio (Organização de Computadores I e II); Mauros; Moreirão (Amplificadores Operacionais); Petraglia (Teoria de Circuitos I e II); Quevedo (Teoria Eletromagnética I e II); Roosevelt (Sistemas de Controle); Taboada (Telefonia); Watanabe (Eletrônica de Potência), dentre outros.

Outros amigos que não esperávamos, mas que acabaram aparecendo na Primavera foram o trio da Família Orsolon: André, Flávia e a precoce e esperta infanta Chloe, que hoje à tardinha se mostrou excepcionalmente calma e bem comportada pelos padrões dessa enfant terrible, é claro.

Divertimo-nos à beça com nossas recordações de Rock in Rio’s passados e André nos brindou com relatos fresquinhos do Rock in Rio 2019, onde ele e Flávia estiveram ontem e onde também estarão amanhã.  Santa disposição, Batman!  André Orsolon revelou-nos seus planos malignos para armazenar livros à socapa nos gavetões de sua cama de casal.  O gênio do mal só não sabia que a esposa havia regressado de mais um raid literário em estandes remotos da Primavera e estava justo às suas costas.  Do pouco que entendi, nosso herói será severa e devidamente disciplinado quando o casal chegar em casa.

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Ricardo Labuto Gondim, Ricardo França, Luiz Felipe Vasques.

Adílson Júnior, GL-R, Ricardo França.

Espera no metrô: Chloe, Flávia & André Orsolon,
Flávio Lúcio Abal, França, Felipe.




Antes de partir da Primavera Literária, presenteei Débora Marinho com um exemplar autografado do meu romance de ficção científica Octopusgarden (Draco, 2017) e o Luiz Felipe com um exemplar da última antologia que organizei, Dinossauros (Draco, 2016).

Mais uma vez só partimos do jardim do Museu da República quando a Draco fechou seu estande.  Eu, Felipe, França, Abal e a Família Orsolon caminhamos dali até a estação do Catete, onde embarcamos no sentido Jardim Oceânico.

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Saltei do metrô na estação Botafogo, como na noite de ontem, embarquei no ônibus da integração para casa.  Leitura de bordo (como não podia deixar de ser!): O Problema dos Três Corpos, do Cixin Liu, que abri no tablet.

Mais um certame literário encerrado com êxito e sem baixas ou sequelas graves.

Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 05 de outubro de 2019 (sábado).


Participantes:

Adílson Júnior.

Ana Lúcia Merege.

André Orsolon.

Chloe Orsolon.

Daniel Russell Ribas.

Débora Marinho.

Eduardo Torres.

Flávia Teresa Almeida.

Flávio Lúcio Abal.

Gabriel Filipe Cruz.

Gerson Lodi-Ribeiro.

Kelly Costa.

Letícia Fernandes.

Luiz Felipe Vasques.

Matheus Bentes.

Pedro Ribeiro.

Renata da Conceição Aquino.

Ricardo França.

Ricardo Labuto Gondim.

Ronaldo Fernandes.

Simone Masruha Ribeiro.

Vitto Graziano.

Wagner Guimarães.





[1].  Nanorresenha extraída do meu bunker de dados: Aniquilação (2014) – Primeiro romance da trilogia Comando Sul.  Narrativa de mais uma expedição encetada à Área X, para estudar o fenômeno anômalo que se abateu sobre uma região extensa (aparentemente do sul dos EUA), provocando mutações maciças na fauna e na flora, e resistindo a todos os métodos de análise que a ciência de nossa espécie aplicou ao longo das décadas.  Dentro desse cenário, bióloga da décima segunda (ou enésima quarta) expedição começa enfim a desvendar parte do mistério que se abateu sobre a Área X.  Tradução de Bráulio Tavares.  Os outros dois romances da trilogia são Autoridade (2015) e Aceitação (2016), mesma editora e tradutor.
[2].  Outra nanorresenha: Solaris (1971) – Grande clássico do gênero. Narrativa instigante, repleta de implicações filosóficas profundas.  Forma de vida inteligente que recobre toda a superfície planetária de Solaris empreende experiências científicas com os especialistas humanos enviados para estudá-la.
[3].  A título de registro, cumpre salientar que, desde o estabelecimento dessa categoria, apenas antologias receberam o Argos, embora vez por outra uma coletânea desponte como finalista.
[4].  Acho que o Ricardo Gondim esteve presente na entrega do Argos 2016, que se deu no campus da Universidade Veiga de Almeida, lá no Maracanã, só que não tenho certeza.  De qualquer forma, se era de fato ele, não tivemos oportunidade de conversar.
[5].  Não chega a ser propriamente uma nanorresenha, talvez, quem sabe, uma femtorresenha: Os Primeiros Homens na Lua (1901) – Clássico da ficção científica e FC Clássica: uma das primeiras narrativas de Primeiro Contato da humanidade com uma civilização alienígena.