terça-feira, 24 de setembro de 2019


Lançamento Carioca de
Back in the U.S.S.R. de
Fábio Fernandes

201909212359P7 — 21.624 D.V.

“Deus está morto e nossas listas viverão para sempre!”
(Eduardo Torres, Sereníssimo Moderador das Listas do CLFC)

Hoje se deu o lançamento carioca do romance fix-up Back in the U.S.S.R. (Patuá, 2019) do Fábio Fernandes, meu velho amigo desde a década de 1980 que está radicado em Sampa há quase vinte anos.  Ao longo desse tempo todo, já li vários fragmentos, por assim dizer, desse mosaico complexo e estou bastante curioso para adquirir uma visão geral do universo ficcional que o Fábio criou para o conto “Para Nunca Mais Ter Medo”, publicado originalmente na revista Dragão Brasil nº 11 em 1995.  Analisei três desses fragmentos, inclusive o conto supracitado, que inaugurou a ficção alternativa brasileira, e a noveleta epônima do romance recém-lançado[1], em meu Cenários de História Alternativa (edição do autor pela Amazon, 2019).
O evento transcorreu entre 11h00 e 14h00 na livraria Beringela, situada no subsolo do edifício Marquês de Herval, na Avenida Rio Branco nº 181, numa simpática loja em frente à prestigiosa livraria Da Vinci.  Aliás, foi nessa mesma Beringela que lançamos vinte e um anos atrás, em plena Copa do Mundo da França, a antologia Outras Copas, Outros Mundos (Ano-Luz, 1998), organizada por Marcello Simão Branco.
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Saí de casa de ônibus, saltando na estação de metrô de Botafogo.  Em vez de embarcar direto para o Centro, precisei dar um pulo no Rio Sul para pegar um material que havia deixado no posto de atendimento do IPTU, onde trabalho.
Caminhei a pé da Voluntários da Pátria até o shopping como de costume.  Porém, na volta, preferi usar o serviço gratuito de ônibus que o Rio Sul disponibiliza para transportar seus clientes de e para a estação de metrô Cardeal Arcoverde.  Dali, embarquei rumo à estação Carioca, bem próxima ao Marquês de Herval.
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Descendo a rampa para a galeria no subsolo desse prédio, deparei-me com o próprio Fábio Fernandes, meus velhíssimos amigos e colegas dinossauros da FCB, Bráulio Tavares e José Fernandes, e meus meramente velhos amigos Daniel Russell Ribas, Jorge Pereira, Ricardo França e Toinho Castro.
A sessão de autógrafos corria a pleno vapor no fundo da galeria, junto à porta da Beringela.  Após um bate-papo com o Ribas, o Jorge e o França, tratei de entrar na livraria, adquirir meu exemplar, coligir o autógrafo do autor e malocar o romance na mochila para garantir.

O Autor e sua Obra.

Zé Fernandes conta um caso...

Daniel Ribas, Ricardo França, Jorge Teixeira.


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Ao longo da sucessão de bate-papos interessantíssimos que se deram ao longo dessa sessão de autógrafos, travei contato com Renan Bernardo, um jovem autor que só conhecia das mídias sociais.  Quando lhe falei que eu, Fábio, Zé e o Bráulio já éramos amigos há mais de trinta anos, ele comentou que gostaria de conhecer um pouco mais sobre a história da ficção científica brasileira e das pessoas que atuaram nesse gênero durante estas décadas.  Falei-lhe que uma maneira de tentar vislumbrar o que ocorreu na FCB daqueles tempos pré-internet era conversar com as pessoas que fizeram parte do movimento (se é que podemos chamá-lo assim).  Outra maneira era ler as cópias digitalizadas dos melhores fanzines da época, o Megalon e o Somnium, esse último ainda existe e, embora com periodicidade irregular, é o veículo oficial do Clube de Leitores de Ficção Científica desde o advento dessa agremiação.  Por iniciativa de seu antigo editor, Marcello Simão Branco, todos os Megalons se encontram disponíveis para download.  Já quanto aos Somnia não se pode afirmar o mesmo.
Apresentei Ricardo França ao Zé e ao Bráulio como “o irmão do Ícaro França”, que ambos já conhecem há mais de trinta anos.  Em conversa com o Fábio e o Zé, ambos Fernandes, o segundo falou sobre a ocasião em que ele parabenizou o amigo e correspondente (sim: histórias epistolares de dinossauros pré-internéticos!) norte-americano John Stith pelo fato de o romance dele, Redshift Rendezvous (Ace Books, 1990)[2] ter sido publicado em Portugal pela Coleção Argonauta.  Em sua carta seguinte, alguns meses mais tarde, Stith agradeceu ao Zé, pois não sabia da publicação em português.  Ato contínuo, demitiu seu agente literário picareta.  Percebam que naqueles tempos pré-históricos, o tal agente julgava ter praticado o crime perfeito.
Eu, Jorge e França conversamos sobre o estado de saúde de meu sogro, que foi professor de nós três no Departamento de Engenharia Eletrônica da UFRJ no campus do Fundão.  Então nos lembramos de um conhecido comum da Eletrônica, Ricardo Rhomberg Martins, falecido na última quinta-feira, cujo funeral transcorreu neste sábado.

GL-R, Fábio Fernandes, Zé Fernandes.

Jorge, Fábio, Zé, França.

Eduardo Torres, Fábio, Bráulio Tavares, Gabriel Tavares, Zé.

Fábio, GL-R, Bráulio.


Quando Renan se uniu a nosso trio, resolvemos elevar o astral falando um pouco da edição brasileira da Asimov’s, publicada por estas plagas entre meados de 1989 e janeiro de 1993.  Daí, para discorrer sobre os autores e narrativas sensacionais que conhecemos graças à revista foi um pulo.  Entre nossos contos e noveletas favoritos, destacamos: “Os Blues do Planeta Vermelho” e “Terra que Treme” (Allen M. Steele); “O Preço das Laranjas” e “Gente como a Gente” (Nancy Kress); a bela ficção histórica “Piece de Resistance” (Judith Tarr); “Toda a Cerveja de Marte” (Gregory Benford); “Pesadelos da Mente Clássica”, um dentre vários trabalhos sensacionais do Charles Sheffield; “Mr. Boy” (James Patrick Kelly); “Por que Saí do Harry’s 24 Horas” e sua continuação (Lawrence Watt-Evans); a bela fantasia “A Linda Filha do Caçador de Escamas” (Lucius Shepard); “Fuga de Katmandu” e suas continuações (Kim Stanley Robinson); “Dilema” e outras narrativas cômicas da Connie Willis; “Not Fade Away” (assim mesmo, em inglês) do R. Garcia y Robertson; a novela de golfinhos inteligentes, “Um Mar Mais Profundo” (Alexander Jablokov), mais tarde expandido no romance homônimo A Deeper Sea (AvoNova, 1994)[3]; “O Mundo Flutuante” (Victor Milán); o belo e pungente “O Dom da Palavra” (Octavia E. Butler); a novela “O Limite da Visão” (John Barnes), mais tarde expandida no romance Sin of Origin (New English Library, 1991)[4]; o conto de FC “A Flor de Vidro” do George R.R. Martin; a história alternativa “Tudo Menos a Honra” (George Alec Effinger); a noveleta “Bwana” e suas continuações (Mike Resnick); o instigante “Ondulações do Mar de Dirac” (Geoffrey E. Landis); o genial “Fidelidade” (Greg Egan), que me inspirou a escrever o conto “Coleira do Amor”; a novela “Pequeno Tango” (Judith Moffett), um fragmento do romance The Ragged World (Ballantine-Del Rey, 1992)[5]) et cetera.
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Quando Eduardo Torres e Osmarco Valladão chegaram, o teor das conversas mudou um pouco, mas não a qualidade.  Osmarco e Eduardo comentaram sobre o cotidiano, os incidentes e as experiências dos petroleiros nas plataformas oceânicas brasileiras que inspiraram o saudoso Max Mallmann a escrever os roteiros da primeira temporada da série da Globo, Ilha de Ferro (2018).  Ainda nessa linha, ambos rememoraram o mistério do tatuí gigante, encontrado agarrado ao tubo da perfuratriz de uma plataforma que, por algum tempo, chegou a ser confundido com uma criatura alienígena, até ser impiedosamente cozido e degustado pelos petroleiros da plataforma, antes mesmo que a ciência xenológica pudesse se pronunciar a respeito.  Edu levantou a hipótese de que poderia se tratar de um embaixador alienígena e que, o fato de ter sido devorado, qual um Bispo Pero Fernandes Sardinha pelos caetés em 1552, poderia desencadear uma invasão estelar ou, no mínimo, uma expedição punitiva do espaço exterior.
No entanto, há fontes desmancha-prazeres que alegam que o tal emissário alienígena não passaria de um espécime de crustáceo isópode gigante, o Bathynomus giganteus, que habitaria as regiões profundas do oceano.  De fato, como o leitor pode conferir acima, o tal embaixador alienígena guarda semelhanças notáveis com o isótope referido.  Para vocês verem: a Crônicas da Ficção Científica Carioca também é cultura.  Cultura criptozoológica, no caso.

Bathynomus giganteus, vulgo emissário isópode alienígena.

Osmarco Valladão, Jorge, França e Edu.



Osmarco também comentou sobre o nível de detalhamento fantástico dos cenários dos jogos modernos de ficção científica.  Já Edu Torres admoestou os sócios do CLFC que ainda não votaram na eleição presidencial para o biênio 2019-2021, para que o façam antes que o prazo se encerre.  Pela primeira vez na história do clube, há duas chapas concorrentes.  Em todos os certames anteriores, a chapa única que se voluntariou foi aclamada pelos associados.  Eu e Edu reparamos que as duas listas de discussão do CLFC do Yahoogroups estão em situação sui generis.  Eu as criei na década de 1990, primeiro a lista-do-CLFC e, alguns anos mais tarde, a sócios-do-CLFC.  Quando assumi a presidência para o biênio de 1999-2001, transferi todos os poderes sobre as listas ao Edu, que desde então tem exercido com sabedoria e serenidade o cargo de moderador das duas.  Transferi todos os poderes, menos o poder de deletar a lista, pois esse é intransferível.  Acontece que o e-mail que me identificava como criador das listas foi descontinuado pela empresa há três ou quatro anos.  Daí, o Criador está morto e ninguém mais pode deletar as listas.  Ou, pelo menos, nenhum humano orgânico...  Nossas listas adquiriram, senão imortalidade, ao menos, certa invulnerabilidade à deleção indevida.
Infelizmente, tudo o que é bom cedo ou tarde acaba.  Por volta das 14h00, o pessoal da Beringela começou a se movimentar para cerrar as portas.  Encurralados, empreendemos uma retirada bem coordenada rampa acima até a Rio Branco, em cuja calçada ainda ficamos de papo por alguns minutos.  A galera estava tentando se articular para um almoço ali pelo Centro mesmo, de repente, na Cinelândia.  Como estava meio cansado, declinei do planejamento e segui em direção à entrada da estação Carioca.
Quinze minutos mais tarde, saltava na estação Botafogo.  Dali tomei o ônibus de integração do metrô e, vinte minutos depois, chegava em casa sem maiores incidentes.  Leitura de bordo: Sapiens: uma breve história da humanidade (L&PM, 2015), do Yuval Noah Harari.
Jardim Botânico, Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2019 (sábado).


Participantes:
Bráulio Tavares.
Daniel Russell Ribas.
Eduardo Torres.
Fábio Fernandes.
Gabriel Tavares.
Gerson Lodi-Ribeiro.
Jorge Gervásio Pereira.
José dos Santos Fernandes.
Osmarco Valladão.
Renan Bernardo.
Ricardo França.
Toinho Castro.





[1].  Publicada originalmente no Megalon 46 (outubro de 1997).  Republicada pela editora Draco como e-book em 2013.
[2].  Nanorresenha extraída do meu bunker de dados: Redshift Rendezvous (1990) – Experiências e aventuras do imediato da Redshift, uma nave mercante que viaja pela camada dez do hiperespaço, conduzindo carga e passageiros de um sistema estelar para o seguinte. A coisa começa a esquentar quando uma passageira decide se suicidar e um tripulante desaparece.  A espaçonave é sequestrada por uma quadrilha interessada em saquear os tesouros de um planeta secreto que é a sede de uma religião.  De longe, o melhor do romance é a descrição soberba dos efeitos relativísticos presentes no ambiente hiperespacial, onde a velocidade da luz é de apenas 10 metros por segundo...  Se não grandioso é, ao menos, instigante e divertido.
[3].  Outra nano: A Deeper Sea (1994) – Coronel russo força golfinhos a se comunicar com a humanidade e os utiliza como arma de guerra contra o Japão e os EUA em batalhas navais no Pacífico do início do século XXI.  Considerado criminoso de guerra por ter torturado uma outra espécie racional, é absolvido graças à intervenção de seus ex-comandados.  Mais tarde, ele lidera uma expedição humano-cetácea ao sistema jupiteriano na tentativa de estabelecer contato com criaturas inteligentes que habitam o gigante gasoso.
[4].  E mais outra: Sin of Origin (1991) – Ficção científica hard de cunho xenológico e religioso.  Em futuro remoto, numa periferia galáctica dividida entre as esferas de influência da Cristandade, do Islã e do Comunismo, monges da ordem de São Tomás de Aquino descobrem no planeta Randall uma biosfera habitada por três espécies inteligentes: os humanoides de quatro braços chamados randallianos; os centauroides alados grifos e os serpentiformes do Povo Silencioso.  Com o planeta ameaçado por cruzada de extermínio levada avante pela ordem dos Templários, o xenologista Frade Hauskyld Gomez tenta chegar a termos com a cultura autóctone das três espécies, com o propósito de compreendê-la para então salvá-la, tanto pela fé e o conhecimento de Cristo, quanto das armas nucleares dos Templários.  Para tanto, o frade xenólogo é auxiliado por Clio Yeremenko, uma xenologista que chegou a Randall como clandestina, oriunda de Marte, mundo integrante da Liga Comunista, e que se torna a única mulher do planeta.  A primeira narrativa ocupa mais da metade do livro e conta a guerra movida pelos Altos-Reis contra o posto avançado humano e da conversão dos autóctones e do martírio do primeiro santo randalliano.  A segunda narrativa se passa onze anos mais tarde, e fala da luta condenada ao fracasso das Tríades tradicionalistas contra o poder tecnológico dos párias randallianos e do estabelecimento do primeiro bispado de Randall sob a égide de um grifo sábio.  A terceira e última narrativa se passa uma década após a segunda, e descreve a comissão, via teleporte sublúnico, do grifo sábio tornado bispo no sistema-sede da Arquidiocese a que o planeta Randall pertencia.  FC hard xenológica em seu melhor!
[5]. Prometo que será a última: The Ragged World (1992) – Primeiro romance da trilogia Holly Ground, de Judith Moffett, constituído pelo fix-up de contos, noveletas e novelas publicadas entre 1988 e 1990, acrescido de material inédito.  À beira do holocausto ecológico global no início do século XXI, humanidade trava contato com os Hefn e os Gafr, espécie alienígena geminada que havia exilado alguns cidadãos na Terra do século XVIII.  Moffett pungente, pertinente e original.

Um comentário:

  1. Muito legal ver as fotos com Braulio, Zé Fernandez, Eduardo Torres e Fábio Fernandes... Nostalgia total. O Gerson tá ficando a cara do Alfredo Sirkis. O livro lançado eu já li, tendo adquirido no lançamento aqui em São Paulo. A ser comentado oportunamente no meu blog.

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